Actualidade

Produção legislativa

Excerto de um artigo de opinião publicado no jornal Hoje Macau de 16/8/2010: «A produção legislativa é uma das lacunas da RAEM, que necessita, urgentemente, de ser resolvida».

A frase «A produção legislativa é uma das lacunas da RAEM» é um pouco estranha. Literalmente, ela quer dizer que na RAEM não há produção legislativa.

Ora, tem havido bastante produção legislativa na RAEM. Desde a transferência da administração portuguesa, em 20 de Dezembro de 1999, foram aprovadas 153 Leis, 340 Regulamentos Administrativos e cerca de 3.950 Despachos do Chefe do Executivo. Nem se estão a incluir outro tipo de actos normativos como os Despachos dos Secretários, Ordens Executivas, etc..

Por outro lado em termos de produção normativa e até à transferência da administração portuguesa foram registados 9.566 actos normativos emanados de Portugal aplicáveis a Macau e 25.811 actos normativos de Macau, «Recensão Legislativa – Volume VI».

Tendo em conta a continuação da aplicação dos diplomas legais na RAEM, segundo parágrafo, III, do Anexo I, relativo ao Esclarecimento do Governo da República Popular da China sobre as políticas fundamentais respeitantes a Macau, da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a questão de Macau e, no mesmo sentido, o artigo 8.º da Lei Básica estipula que as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau mantêm-se, salvo no que contrariar esta Lei, estes dados indiciam que existe na RAEM um ordenamento jurídico completo.

Na Lei n.º 1/1999, Lei de Reunificação, é mencionada a legislação previamente vigente em Macau que contrariava a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e que não foi adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau. No Anexo I são mencionadas três Leis, três Decretos-Leis e uma Resolução da Assembleia Legislativa que não foram adoptadas como lei da Região Administrativa Especial de Macau. No Anexo II são mencionadas algumas normas de leis e decretos-leis que não foram adoptadas como lei da Região Administrativa Especial de Macau.

Entre as leis que vigoram em Macau contam-se os denominados «Grandes Códigos»: Código Civil, Código de Processo Civil e Código Comercial.

Só o Código Civil, «pelo Código Civil passa a regulamentação mais decisiva da vida de todos nós», o que torna este ramo de direito, nas palavras do Prof. Orlando de Carvalho, citado na «Breve nota justificativa» deste diploma, num autêntico «direito comum dos homens comuns», é constituído por 2.161 artigos. O projecto do Código Civil de Macau foi entregue ao Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês para consultas. O Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês foi instituído «a fim de assegurar a aplicação efectiva da Declaração Conjunta, e criar as condições apropriadas para a transferência de poderes em 1999», n.º 4 da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a questão de Macau e Anexo II, I, Arranjos relativos ao período de transição.

Se incluirmos nos «Grandes Códigos», por exemplo, o Código Penal e de Processo Penal, o Código do Procedimento Administrativo, o Código do Processo Administrativo Contencioso, o Código do Registo Civil, o Código do Registo Comercial, o Código do Notariado, todos aprovados pela Assembleia Legislativa de Macau e em vigor nas suas versões portuguesa e chinesa, concluímos que temos em Macau um ordenamento jurídico completo relativamente ao que podemos designar por «leis fundamentais».

Um ordenamento jurídico completo e adaptado à realidade local. Participaram na elaboração destas leis juristas que conheciam a realidade local e o direito de Macau. Por exemplo no Código Civil o Professor Miguel Urbano que leccionou as cadeiras de Teoria Geral do Direito Civil e Direitos Reais na Faculdade de Direito de Macau desde o ano lectivo 1990/91, António Katchi na altura era jurista do Gabinete para a Tradução Jurídica e é, actualmente, Professor no Instituto Politécnico de Macau e a Dra Tou Wai Fong que se licenciou na Faculdade de Direito de Macau.

Na elaboração do Código Comercial, que já foi alterado pela Lei n.º 6/2000 e pela Lei n.º 16/2009, participaram, por exemplo, o Professor Teixeira Garcia que leccionou a cadeira de Direito do Trabalho e continua a leccionar a cadeira de Direito Comercial na Faculdade de Direito de Macau desde o ano lectivo 1990/91 e José Costa que se licenciou na Faculdade de Direito de Macau e exerce advocacia em Macau. Augusto Teixeira Garcia é subdirector interino da Faculdade de Direito de Macau. O Prof Liu Gao Long exerce o cargo de Director interino e Gabriel Tong, que se licenciou na Faculdade de Direito de Macau e é Professor no Curso de Direito em chinês da Faculdade de Direito de Macau, o de subdirector interino.

No Código de Processo Civil participaram, por exemplo, a Professora Cândida Pires que lecciona a cadeira de Processo Civil na Faculdade de Direito de Macau de que é professora desde o ano lectivo 1988/89, a Dr. Teresa Leong, juíza e o Dr. Sam Chan Io que se licenciaram na Faculdade de Direito de Macau.

Sam Chan Io é Professor de Direito Penal no Curso de Direito em chinês da Faculdade de Direito de Macau. Foi Coordenador do Gabinete para a Tradução Jurídica até à sua extinção em 2000. Foi deputado nomeado à Assembleia Legislativa entre 2005 e 2009.

Com excepção do Código Penal, do Código de Processo Penal aprovados em 1995 e do Código do Procedimento Administrativo aprovado em 1994 e revisto em 1999, os restantes «Grandes Códigos» que referimos foram elaborados entre 1996 e 1999, tendo sido aprovados em 1999, quando era Secretário-Adjunto para a Justiça o Dr. Jorge Noronha e Silveira, que foi Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Macau nos anos lectivos 1988/1990.

O Professor Jorge Silveira é autor dos livros «Subsídios para a História do Direito Constitucional de Macau (1820-1974)», publicado em 1991 e «O Início de Vigência das Leis no ordenamento Jurídico de Macau», publicado em 1991.

Sendo os Códigos referidos novos e não apenas meras alterações têm como fonte, desde logo, os códigos até aí vigentes em Macau e que vigoravam, com alterações, em Portugal, mas também as leis de outros países com um sistema jurídico continental. Têm por base normas consolidadas por muitos anos de estudos doutrinários e decisões dos tribunais quando interpretam e aplicam as normas nos casos em litígio. Mas nos Códigos que, como referimos, estão adaptados à realidade local há muitas normas inovadoras se comparados com leis de outros países. Recordamos, por exemplo, que o regime de bens supletivo do casamento previsto no Código Civil é o da participação nos adquiridos enquanto que no código português é o da comunhão de adquiridos, o instituto da união de facto previsto no Código Civil que difere do regime português ou a solução prevista no art. 311.º, n.º 1, al. c) do referido Código, ver o ponto V da Comunicação do Professor João Leal Amado. Relativamente ao Código de Processo Civil foi eliminado o processo sumaríssimo que está previsto no código português.

Uma consulta às notas justificativas dos Códigos referidos dá uma ideia completa das soluções e das inovações introduzidas.

Afirmar que temos um ordenamento jurídico completo e adaptado à realidade local não significa que não haja necessidade de aperfeiçoar algumas leis ou mesmo produzir novas uma vez que a evolução social o possa exigir. O cumprimento das obrigações resultantes da aplicação do direito internacional é um exemplo uma vez que a entrada em vigor de determinados instrumentos de direito internacional a isso podia obrigar, mas mesmo aí se estivermos perante normas auto-exequíveis elas podem ser aplicadas directamente, uma vez que após a entrada em vigor dos referidos instrumentos estes passam a fazer parte do ordenamento jurídico da RAEM.

Enfim a questão de base é que as leis não se devem alterar porque sim. Ou elas dão resposta às questões dos administrados ou não dão. Cremos que as leis fundamentais em vigor em Macau dão essa resposta. Se é assim, em vez da crítica generalizada às lacunas da produção legislativa teria mais interesse discutir em que áreas essas eventuais lacunas podem existir e que resposta deve dar o legislador.

02/09/2010

__________________________________________

立法

摘自2010年8月16日“今日澳門”的一篇評論文章:“立法是澳門特區的其中一個漏洞,需亟待解決之”。

“立法是澳門特區的一個漏洞”這句話聽起來有點怪。從字面上看,這句話意味著澳門特區欠缺立法。

事實上,澳門特區至今已草擬了相當的法律。自1999年12月20日恢復對澳門行使主權後,本澳已制定了153項法律、340條行政法規及約3,950條行政長官批示。這些尚未包括其他種類的規範性文件,如各司長批示、行政命令等。

另外,在法規草擬方面,直至恢復對澳門行使主權前,本澳已錄得9,566項源自葡萄牙的適用於澳門的規範性文件及25,811項本地的規範性文件–《法規匯編–第六卷》。

一些法規延伸適用於澳門特區,此乃根據中華人民共和國政府和葡萄牙共和國政府關於澳門問題的《聯合聲明》附件一第三段關於《中華人民共和國政府對澳門的基本政策的具體說明》所提到的,同樣地,基本法第八條亦規定了澳門原有的法律、法令、行政法規和其他規範性文件,除同本法相抵觸外,予以保留。這些數據表明澳門特別行政區擁有一個完備的法律體制第。

1/1999號法律《回歸法》提到澳門原有法規凡與《澳門特別行政區基本法》相抵觸者,不採用為澳門特別行政區法規。在附件一所提及的三項法律、三項法令及一項立法會章程都不採用為澳門特別行政區法律。在附件二中亦指出一些法律及法令不採用為澳門特別行政區法律。

澳門現行法律中包括了多部我們所稱的大法典:《民法典》、《民事訴訟法典》及《商法典》。

單是《民法典》已為2161條條文組成。正如Orlando de Carvalho教授在本法規的簡短理由陳述中講到 “《民法典》乃各人生活至關重要的規範”,這部法律能真正成為“一般人的一般法”。澳門《民法典》草案曾交由中葡聯合聯絡小組磋商。中葡聯合聯絡小組是根據《中華人民共和國政府和葡萄牙共和國政府關於澳門問題的聯合聲明》第四點“為保證本聯合聲明的有效實施並為一九九九年政權的交接創造妥善的條件” 及附件二第一點“關於過渡時期的安排”而成立的。

如果由澳門立法會通過及中、葡文版本均已在生效的《刑法典》、《刑事訴訟法典》、《行政程序法典》、《行政訴訟法典》、《民事登記法典》、《商業登記法典》、《公證法典》等均包括在幾大法典內的話,那麽,我們便可作出如下結論,本澳擁有一個完備的法律體制,我們可以稱之為“基礎法律”。

這一個完備且切合本地實際的法律體制,經由明瞭本地情況及認識澳門法律的法律專家參與草擬該等法律。例如在《民法典》方面,有Miguel Urbano教授,他從1990/91學年已開始在澳門大學法學院教授民法總論及物權法;António Katchi教授,當時為法律翻譯辦公室的法律專家,現為澳門理工學院教授;此外,還有在澳門大學法學院本科畢業的杜惠芳。

至於《商法典》草擬人方面,該法典經第6/2000號法律第16/2009號法律修改,曾參與起草工作的有Augusto Teixeira Garcia教授,他自1990/91學年起在澳門大學法學院講授勞動法,現仍教授《商法典》並為澳門大學法學院代副院長,還有曾在澳門大學法學院授課、現於本澳從事律師行業的José Costa等。

澳門大學法學院代院長為劉高龍教授,另一代副院長為唐曉晴教授,其本科畢業於此學院,現為該學院中文法律課程教授。

參與制定《民事訴訟法典》的如有Cândida Pires教授,現於澳門大學法學院講授民事訴訟法,其於1988/89學年開始已在此授課,還有梁祝麗法官及沈振耀教授,兩人均畢業於澳門大學法學院本科課程。

沈振耀現為澳門大學法學院中文法律刑法課程的教授,直至2000年法律翻譯辦公室解散前,一直擔任該辦公室的協調員,並於2005年至2009年期間獲委任為立法議員。

除《刑法典》、《刑事訴訟法典》於1995年通過以及《行政程序法典》於1994年通過並於1999年修改外,上述的其他大法典均於1996年至1999年期間制定並於1999年通過的。當時的司法政務司為蕭偉華,他於1988至1990學年間澳門大學法學院教授憲法。

蕭偉華教授編著了《澳門憲法歷史研究資料(1820-1974)》及“O Início de Vigência das Leis no Ordenamento Jurídico de Macau”,兩書均於1991年出版。

上述法典均為新的,並非僅作修改,其淵源包括來自葡萄牙舊有及曾作修改的、並一直在澳門生效的法典,以及其他大陸法系國家的法律。它們建基於穩固的規 上,既結合長年累月的理論研究亦集合法院判決,這些判決是針對一些具爭議案例所作出的解釋及所採用的規定。正如所述這些法典是切合本地實際情況的,對比其他國家的法律,它們具有很多創新的規定。例如我們記得的有《民法典》中所規定的婚姻候補財產制,這是一種取得財產分享制,而葡國法典規定的是取得共同財產制。此外,事實婚制度亦有別於葡國制度,又或者有別於上述法典第三百一十一條第一款C項所規定的解決方法,參看João Leal Amado 教授的Comunicação的第五點。至於《民事訴訟法典》中已取消的最簡易訴訟程序,則仍可見於葡國法典中。

對上述法典的理由陳述進行諮詢,可在解決方法及所引入的創新方面得出一個完整的理解。

可斷言我們有一個完整且切合本地實況的法律體制,但並不意味無須完善法律或草擬新的法律,因為隨著社會的發展就必會有這樣的要求。履行國際法適用所產生的義務就是一個例子,因為某些國際法文書的生效可促使這個要求,但倘我們面對的是可自我實施的規範時,它們可直接適用於本澳,因為這些文書生效後隨即成為澳門特別行政區的法律體制的一部份。

最後,問題的根本是法律不應因為修改而修改,又或它們是否能回應行政相對人的疑問。我們相信澳門現行的基礎法律是能回應的。如斯情況,就不應廣泛批評立法的漏洞,而是更應關注討論在哪些方面或然存有缺漏,以便立法者對此作出回應。

02/09/2010

 

back to top