Numa notícia da agência Lusa, intitulada «Curso de Direito da UM perde reconhecimento automático em Portugal», publicada em 17/3/2015, é referido, por exemplo, que «a licenciatura em Direito iniciada no corrente ano letivo na Universidade de Macau deixa de ser reconhecida automaticamente pelas autoridades portuguesas, depois da Faculdade de Direito ter alterado o programa de estudos». De acordo com a notícia, o curso passou a ser reconhecido, de forma automática, «através do despacho conjunto 112/98, que, com base num parecer de especialistas, reconhecia o curso de Direito em português ministrado na Universidade de Macau, segundo um determinado plano de estudos anteriormente aprovado e que foi, no ano letivo em curso, alvo de alterações».
De facto, por deliberação do Senado da Universidade de Macau, na sua 6.ª sessão realizada no dia 14 de Maio de 2014, publicada no Boletim Oficial n.º 31, II série, de 30/7/2014, a organização científico-pedagógica e o plano de estudos do curso de licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, aprovados pela Portaria n.º 104/94/M, de 26 de Abril de 1994, foi alterada.
A questão referida na notícia prende-se com o reconhecimento, automático, no sistema de ensino português, da licenciatura em direito, em língua portuguesa, da Universidade de Macau.
Com efeito, o Despacho Conjunto n.º 112/98, publicado no Diário da República n.º 40/1998, II série, de 17/02/1998, assinado pelo ministro da Educação e pelo Governador de Macau, «reconhece, para todos os efeitos, no sistema de ensino português, como titulares, do grau de licenciado, os titulares do grau de licenciado em Direito conferido pela Universidade de Macau, a que se referem as Portarias 126/93/M, de 10 de Maio e 104/94/M, de 26 de Abril».
O Despacho fixa os pressupostos da sua aplicabilidade. Isto é, confere o reconhecimento da licenciatura cujo plano foi aprovado pela Portaria n.º 104/94/M de 26 de Abril. O que significa que uma licenciatura com outro plano de estudos não preenche o pressuposto referido nesse Despacho, razão porque se deverá entender que este diploma não é susceptível de ser aplicado a essa licenciatura.
Perante este facto, pode-se colocar a seguinte questão: qual a razão para mudar o plano de estudos sabendo-se que se iria perder o reconhecimento no sistema de ensino português?
Em concreto, a alteração ao plano de estudos da licenciatura em direito, em língua portuguesa, da Faculdade de Direito da Universidade de Macau (FDUM), aprovado pela Portaria n.º 104/94/M de 26 de Abril, traduziu-se no seguinte.
O curso manteve a duração de cinco anos lectivos e no novo plano de estudos, aprovado por deliberação do Senado da Universidade de Macau, em 14 de Maio de 2014, que se aplica aos alunos que efectuem a matrícula no ano lectivo de 2014/2015 ou nos anos lectivos posteriores e que será implementado gradualmente, todas as cadeiras são semestrais, tal como acontece no plano de estudos da licenciatura em direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Alguns exemplos de alterações ao plano de estudos da licenciatura em direito, em língua portuguesa, da FDUM, relativos às disciplinas que constituem o plano curricular.
– A anterior disciplina anual de Direito Constitucional e Ciência Política passou a ser leccionada em dois semestres, Direito Constitucional no primeiro semestre e Lei Básica de Macau no segundo semestre;
– A anterior disciplina anual de Teoria Geral do Direito Civil passou a ser leccionada em dois semestres, Teoria Geral do Direito Civil I e Teoria Geral do Direito Civil II;
– As anteriores disciplinas de Direito Administrativo I (anual) e II (semestral) passaram a ser leccionadas em três semestres, Direito Administrativo I, II e III;
– Direito das Obrigações que era anual, passou a ser lecionada em dois semestres, no 3.º ano;
– As anteriores disciplinas de Direito Processual Civil I (anual) e II (semestral) passaram a ser leccionadas em três semestres, Direito Processual Civil I, II e III
– Direito Criminal que era anual, passou a ser lecionada em dois semestres, Direito Criminal I e II, no 3.º ano;
– A anterior disciplina anual de Direito da Família e das Sucessões passou a ser leccionada em dois semestres, Direito da Família no primeiro semestre e no segundo semestre Direito Patrimonial da Família e das Sucessões;
– As anteriores disciplinas anuais de Direito Comercial I e II passaram a ser leccionadas em três semestres, Direito Comercial I, II e III.
As seguintes cadeiras semestrais eram, anteriormente, anuais: Introdução ao Direito, Direito do Trabalho, Direitos Reais e Direito Processual Penal, anteriormente denominava-se Direito e Processo Criminal. A disciplina de Direito Internacional Privado que era leccionada em dois semestres, Direito Internacional Privado I e II, passa a ser leccionada num semestre.
A redução da disciplina de Introdução ao Estudo do Direito a um semestre, uma disciplina de base para as outras disciplinas do curso, é negativa. Mesmo que se admita que o programa actual da disciplina de Introdução ao Direito seja idêntico ao da cadeira que era anual, não pode ser executado da mesma maneira. Poderá haver matérias que serão dadas mais superficialmente.
Outra alteração negativa é a supressão da disciplina de Ciência Política, anteriormente integrada na disciplina de Direito Constitucional. Mesmo que o programa actual da disciplina de Direito Constitucional integre algumas noções de Ciência Política, de facto o plano de curso deixou de prever uma disciplina de Ciência Política. O programa proposto por determinado professor e aprovado pelo Conselho Científico é conjuntural, não é um acto normativo, não tem eficácia geral e abstracta, enquanto que o plano do curso o é, constando de um regulamento interno da UM, tem carácter normativo. Antes da aprovação do plano de estudos do curso, em 1994, a disciplina de Ciência Política era autónoma e semestral. Nesta disciplina estuda-se, por exemplo, a teoria geral do Estado, os sistemas políticos, formas de governo, sistemas de governo e os sistemas eleitorais.
Em termos comparativos, o curso de licenciatura em direito da Faculdade de Direito de Coimbra, aprovado pelo Despacho n.º 12907/2013, tem a duração de quatro anos lectivos. No plano de estudos, a disciplina de Introdução ao Direito é leccionada em dois semestres, tal como as disciplinas de Teoria Geral do Direito Civil, Direito Administrativo, Direito das Obrigações, Direito Processual Civil e Direito Comercial, Direito da Família e dos Menores e Direito Patrimonial da Família e das Sucessões.
A disciplina de Direito Penal é leccionada em três semestres. A cadeira de Direito Processual Penal, lecionada no 2.º semestre do 4.º ano, é semestral.
As disciplinas de Direito do Trabalho II, leccionada no 2.º semestre do 2.º ano, Direitos Reais II e Direito Internacional Privado II, leccionadas no 2.º semestre do 4.º ano, são opcionais.
A génese da criação de um Curso de Direito em Macau remonta a Outubro de 1987 quando António Vitorino promoveu «As primeiras jornadas sobre o ensino do Direito em Macau». As aulas do Curso de Direito em Macau iniciaram-se, em 1988, na então denominada Universidade da Ásia Oriental que, posteriormente, viria a designar-se Faculdade de Direito da Universidade Macau. O Professor Doutor Oliveira Ascensão da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa foi o primeiro coordenador científico do Curso de Direito. Em Macau o Dr. Vitalino Canas foi o coordenador do Gabinete do Curso de Direito que, numa fase inicial procedeu à instalação do Curso, e o Dr. Jorge Fonseca, que leccionava na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, exerceu funções de coordenador do Curso.
No ano lectivo 1990/1991, o curso de direito passou a ter a orientação científica da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Houve vários coordenadores científicos não residentes, consoante as áreas do curso, que eram professores da FDUC. Por exemplo, Orlando de Carvalho, coordenador científico da área de Ciências Jurídico-Civilísticas, Rogério Soares, coordenador científico da área de Ciências Jurídico-Políticas, Almeida Garret – que foi Director não residente da FDUM entre Outubro de 1992 e Agosto de 1998 e presidente do conselho científico da FDUM, entre 1999 e 2001 – coordenador científico da área de Ciências Jurídico-Económicas, Figueiredo Dias, coordenador científico da área de Ciências Criminais, Antunes Varela, coordenador científico da área de Ciências Jurídico-Processuais Civis, João Mota de Campos, coordenador científico da área de Ciências Jurídico-Publicistas, área do Direito Internacional, e António Hespanha, coordenador científico da área Jurídico-Histórica e Jurídico-Filosófica. Em 1999, os referidos professores deixaram a coordenação científica do curso, coordenação que passou a ser local.
Como referimos, o curso de direito em língua portuguesa da FDUM iniciou-se em 1988. Tanto quanto sabemos, o corpo docente é constituído, maioritariamente, por professores que se licenciaram em faculdades de direito portuguesas, havendo, apenas, três assistentes, a tempo parcial, que se licenciaram no curso de direito, em língua portuguesa, da FDUM.
O curso de direito, em língua portuguesa, da FDUM mantém a duração de cinco anos lectivos e, em termos comparativos, os cursos de direito em Portugal têm a duração de quatro anos lectivos tendo, também, os respectivos planos de estudos sido alterados, com a inclusão de algumas disciplinas opcionais. Solução que não se adequaria ao curso de direito, em língua portuguesa, da FDUM, uma vez que o número de alunos inscritos é reduzido, por exemplo, quinze alunos frequentam o 1.º ano, três são bolseiros oriundos de Cabo Verde. Por outro lado, tanto quanto sabemos, os programas de muitas disciplinas leccionadas no curso da FDUM não foram alterados, pelo menos substancialmente, até porque os professores dessas disciplinas as leccionam há muitos anos.
O reconhecimento de um curso universitário por outras instituições universitárias é feito com base no seu mérito científico e no seu plano de estudos. Como referimos, anteriormente, a licenciatura em direito, em língua portuguesa, da FDUM, deixou de ser reconhecida, automaticamente, no sistema de ensino português, uma vez que o Despacho Conjunto n.º 112/98 não é susceptível de ser aplicado, após a alteração do plano de estudos aprovado pela Portaria n.º 104/94/M, de 26 de Abril de 1994, às licenciaturas subsequentes a essa alteração.
Antes do curso de direito, em língua portuguesa, da FDUM ser reconhecido, em 1998, automaticamente, em Portugal, por via do Despacho Conjunto n.º 112/98, houve vários colegas que obtiveram o reconhecimento individual do curso, uma vez que os seus pedidos de transferência para faculdades de direito portuguesas foram aceites, ou seja o mérito científico do curso e do respectivo plano estudos foram reconhecidos. Em 1990, aconteceu a primeira transferência de uma aluna, que tinha concluído o 2.º ano do curso de direito da então Universidade da Ásia Oriental, para uma universidade portuguesa. Na edição impressa de «O Direito», de Novembro de 1990, foi publicada uma notícia sobre uma aluna que iniciou o curso em 1988, ano de arranque do curso de direito, e que tinha concluído o 2.º ano, que pediu transferência para a Universidade Católica. Nessa notícia refere-se, relativamente ao pedido de transferência da aluna, por exemplo, «Uma atitude individual simples como se depreende da conversa que tivemos com a nossa colega, mas que apesar de tudo revela profundas consequências: quer ao nível dos que sempre tentaram desacreditar o Curso de Direito pondo em dúvida a sua qualidade científica, como ao nível dos alunos que assumem, agora, a garantia de um reconhecimento ´implícito´».
Após os primeiros licenciados pela FDUM terem concluído o curso de direito em 1993, houve vários colegas que obtiveram o reconhecimento do curso em Portugal, através de pedidos individuais, ver notícia publicada na edição de «O Direito» de Outubro de 1994.
22/3/2015
Actualizado em 8/4/2015
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Adenda
Os cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento, conferidos por instituições de ensino superior na Região Administrativa Especial de Macau, passaram a ser reconhecidos, automaticamente, em Portugal, em Outubro de 2019, conforme o disposto na Deliberação n.º 1053/2019, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 193 de 8 de outubro de 2019.
Por sua vez, em Julho de 2020, os cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento, conferidos por instituições de ensino superior portuguesas, passaram a ser reconhecidos, automaticamente, em Macau, conforme o disposto no Regulamento Administrativo n.º 27/2020 (Reconhecimento automático de graus académicos e diplomas portugueses), publicado no Boletim Oficial n.º 30/2020, I Série, de 27/7/2020.
Para se enquadrar esta solução abrangente em termos de reconhecimento de graus académicos, devem ter-se em conta os seguintes diplomas:
– na sequência da transferência da administração portuguesa de Macau para a administração chinesa, em 20 de Dezembro de 1999, foi assinado, em 29 de Junho de 2001, o «Acordo de Cooperação na Área da Educação e Cultura entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China», aprovado pelo Decreto n.º 25/2002, de 21 de Agosto, publicado no Diário da República n.º 192/2002, Série I-A de 21-08-2002.
O n.º 1 do artigo 4.º, sob a epígrafe «Reconhecimento de estudos e equivalências», estipula que «as Partes determinarão os métodos e condições de reconhecimento, por cada Parte, de graus, diplomas e outros certificados obtidos na outra Parte, para fins académicos» e o n.º 2 dispõe que «deverá ser facilitada a determinação da equivalência de estudos, qualificações e anos de escolaridade, com vista ao seu reconhecimento e validação, de acordo com a respectiva legislação»;
– entretanto, em Janeiro de 2005, foi assinado o «Acordo entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre o Reconhecimento de Graus Académicos e Períodos de Estudo de Ensino Superior», aprovado pelo Decreto n.º 10/2013 de 14 de junho, publicado no Diário da República n.º 113/2013, Série I de 14-06-2013.
O n.º 1 do artigo 4.º do referido Acordo, sob a epígrafe «Reconhecimento de graus académicos», estipula que «o reconhecimento dos graus académicos realiza-se pelas instituições e nos termos fixados nas normas legais em vigor em cada Parte». O n.º 2 e o n.º 3 dispõem, respectivamente, que «cada Parte compromete-se a incentivar e apoiar as suas instituições no que se refere ao reconhecimento dos graus académicos obtidos na outra Parte, designadamente tendo em vista o prosseguimento de estudos» e «a atribuição do direito ao exercício da actividade profissional regula-se pela legislação específica aplicável em cada Parte».
No que respeita ao «Acordo entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre o Reconhecimento de Graus Académicos e Períodos de Estudo de Ensino Superior», o sistema de ensino de Macau, Região Administrativa Especial da República Popular da China, está integrado no sistema de ensino do País e fazia sentido que o reconhecimento dos graus académicos previsto no Acordo viesse a abranger Macau.
21/4/2021