Consumo

Litígios de consumo e arbitragem

José Gabriel Mariano

Com o normal, tradicional e já pouco maleável e flexível funcionamento das Instituições do Edifício Estadual da Justiça, devido às morosidades das formalidades, ao dispêndio pecuniário e de tempo, os conflitos sociais, económicos e financeiros levados a Tribunal pelos interessados estão sujeitos a perpetuarem-se, não sendo possível a estes, em tempo útil, ver o resultado do que se propuseram demandar.

Este é um sintoma que tem sido revelado e levado à esfera das preocupações dos cidadãos, juristas e políticos, em diferentes proporções, por várias ordens jurídicas internacionais, pelo que existe um impulso reformista mundial, no sentido de melhorar o enquadramento legal, o funcionamento da Justiça e dos órgãos judiciais, adaptando-os à realidade atual e concreta, uma vez que já não respondem às necessidades sentidas, com o objetivo de resolver as dificuldades e as complicações existentes e já referidas.

Com o surgimento das sociedades de consumo, ou da Sociedade de Consumo, o funcionamento da Justiça tornou-se disforme e obsoleto, uma vez que a intervenção da publicidade e da máquina publicitária impele e apela fortemente ao consumo de bens e serviços, com a divulgação e difusão de uma enorme quantidade variada de apelativos consumistas. Consequentemente, variando com o poder de compra de cada um e de cada sociedade, as pessoas estabelecem variadas redes de relações de consumo, entre um profissional do ramo e o cidadão/consumidor, com a particularidade de essas relações de consumo implicarem, grande parte delas, negócios jurídicos de pequeno ou médio montante pecuniário.

Pode pois considerar-se que as relações de consumo são atualmente uma questão de grande relevância social e económica. Com o incremento dessas relações cresceu significativamente o número de conflitos. Uma miríade de pequenos e médios conflitos bate frequentemente à porta dos tribunais judiciais: conflitos de variadas espécies e calibres entre o empresário/produtor/fornecedor/vendedor ou prestador de serviços e o consumidor, cidadão, pessoa particular.

O fenómeno do consumo nas atuais sociedades capitalistas e de «abundância» implica a produção, o fornecimento e a distribuição, muitas vezes, se não sempre em série e enormes quantidades destinadas a uma massa pública, passível de não ser identificada. No que respeita à produção, verifica-se que esta internacionalizou-se, globalizou-se. Hoje em dia com a existência de redes comercias internacionais, de produção e de prestação de serviços, torna-se extensa e quase infindável, ao limite de tornar-se imperceptível ao último destinatário. Por exemplo, no que toca aos produtos geneticamente modificados pode considerar-se difícil apurar o responsável ou os responsáveis, por estes serem nocivos e perigosos para a saúde pública. O caso gritante e persistente dos contratos pré-redigidos ou uniformizados e já minutados que contêm cláusula abusivas, ou cujo alcance o consumidor contratante não toma fé, desconhece o sentido. Há também os sucessivos e quase quotidianos casos de publicidade enganosa e ilícita.

Aqui, nestes casos apontados, o consumidor surge sempre numa posição contratual de inferioridade e de fragilidade, tanto no plano objetivo, como no plano subjetivo. Na verdade, o cidadão que é consumidor não possui o conhecimento técnico, científico, químico-físico, jurídico de um profissional que pretenda vender um produto, produzi-lo ou prestar um serviço a outrem, numa base contratual. A requerida igualdade das partes no negócio jurídico não existe de facto nas relações de consumo, quando se pretende impedir a disseminação de um perigo de produtos químicos e fabricados ou mesmo quando se intenta o propósito de ressarcimento indemnizatório, por danos causados numa outra relação contratual de consumo. Neste ponto revela-se importante a existência de associações de consumidores.

Tendo vindo a tomar maior consciência mundial e internacional da problemática das relações de consumo, demostrando a preocupação generalizada por este fenómeno social e económico das pessoas e das massas, foi criada extensa e relevante legislação tanto no plano internacional (ONU, UE, por exemplo), como no plano interno dos países, no que toca à defesa e proteção dos direitos e interesses dos consumidores.

Relativamente a Portugal, integrado e em obediência ao normativo da União Europeia, os direitos do consumidor têm dignidade constitucional, constando do mesmo modo da Lei nº 24/96, de 31 de julho, com maior desenvolvimento e assertividade. Está previsto, entre vários, o direito do consumidor a uma justiça acessível e célere.

Sendo, nos termos do diploma, «consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios», entendeu, pois o legislador que lhe são conferidos os seguintes direitos:

«a) À qualidade dos bens e serviços;

b) À protecção da saúde e da segurança física;

c) À formação e à educação para o consumo;

d) À informação para o consumo;

e) À protecção dos interesses económicos;

f) À prevenção e à reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, colectivos ou difusos;

g) À protecção jurídica e a uma justiça acessível e pronta;

h) À participação, por via representativa, na definição legal ou administrativa dos seus direitos e interesses».

Estando Portugal integrado na União Europeia sofre da influência exercida externamente, no sentido de tornar de facto a Justiça célere e acessível, onde se prevê o acesso ao direito e à assistência jurídica.

No âmbito da pronta acessibilidade à Justiça, existem já mecanismos de regulação dos conflitos decorrentes das relações jurídicas de consumo. Mecanismos mais informalizados, menos pesados de burocracia, mais céleres e com menos gastos económicos. São as redes extrajudiciais de resolução de conflitos, sempre no respeito pela cultura e idiossincrasias de cada sociedade, pelo respeito das Instituições de cada povo, país ou Estado.

Neste sentido, tem-se verificado o recurso à arbitragem voluntária. A ideia genérica é a de um julgamento realizado por árbitros institucionalizados, com caráter permanente, delimitados geograficamente quanto ao espaço de atuação profissional de juiz-árbitro, com o intuito de desbloquear a atividade dos tribunais. Neste caso da arbitragem voluntária, a resolução do conflito e o encontro dos interesses antagónicos dependem da vontade e da boa-fé das partes.

O Conselho de Ministros de Portugal, de 15 de março de 2018, aprovou a proposta de lei que altera o funcionamento e enquadramento das entidades de resolução extrajudicial de litígios de consumo, numa perspetiva da defesa dos interesses dos consumidores e de promoção da qualidade de vida dos cidadãos, bem como da agilização da justiça, através do descongestionamento dos tribunais.

«Reconhecendo-se a relevância de resolver diferendos entre consumidores e empresas de forma simples, célere e acessível, o diploma pretende implementar uma rede nacional de arbitragem eficiente e de qualidade, constituída por entidades de resolução alternativa de litígios de consumo com estruturas administrativas e financeiras equilibradas.

O diploma garante o financiamento e promove a qualidade do serviço prestado pela rede de resolução extrajudicial de conflitos de consumo.

O reforço e agilização dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios vem dar cumprimento a dois objetivos assumidos pelo XXI Governo: a defesa dos interesses dos consumidores, numa perspetiva de promoção da qualidade de vida dos cidadãos; e a agilização da justiça, através do descongestionamento dos tribunais».

Quanto a Macau, à RAEM, a lei fundamental do Consumidor, Lei n.º 12/88/M, de 13 de Junho – DEFESA DO CONSUMIDOR , salvo o devido respeito, é anacrónica, mesmo obsoleta. É simples e humilde opinião, mas deve-se proceder urgentemente à feitura de uma nova Lei de defesa do consumidor, atualizada interna e socialmente, bem como integrada internacionalmente.

Quanto à definição de consumidor não existem relevantes diferenças com a Lei n.º 24/96. Assim, o diploma da RAEM – Lei n.º 12/88/M, artº 2º – considera «consumidor, para os efeitos desta lei, todo aquele a quem sejam fornecidos bens ou serviços destinados ao seu uso privado por pessoa singular ou colectiva que exerça, com carácter profissional, uma actividade económica».

Relativamente aos direitos constata-se diferença entre ambos os diplomas.

Assim, este último – artº 3º – determina que o consumidor tem direito:

«a) À protecção da saúde e à segurança contra as práticas desleais ou irregulares de publicitação ou fornecimento de bens ou serviços;

b) À formação e à informação;

c) À protecção contra o risco de lesão dos seus interesses;

d) À prevenção e reparação de danos, individuais ou colectivos;

e) A uma justiça acessível;

f) À participação na definição legal ou administrativa dos seus direitos e interesses».

No que concerne ao Instituto da Arbitragem Voluntária, o Decreto-Lei n.º 29/96/M, de 11 de Junho, institui o regime jurídico da arbitragem, consagra a figura da arbitragem voluntária institucionalizada.

O Decreto-Lei n.º 40/96/M, de 22 de Julho, determina que a arbitragem voluntária é uma forma alternativa à via judicial para resolver litígios de natureza privada e, ao mesmo tempo, para permitir a existência de entidades que se dediquem de forma permanente e institucionalizada à realização de arbitragens, reforçando, deste modo, o recurso a este instituto, ao dar cumprimento executivo ao artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 29/96/M, de 11 de Junho.

17/3/2018

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