Pareceres

Notariado privado: a igualdade e o acesso à função pública

Jorge Miranda*

Após o provimento dado pelo Supremo Tribunal Administrativo ao recurso interposto pelo Ministério Público, onde se invocaram inconstitucionalidades contidas nos diplomas que instituiram o notariado privado, os advogados, por seu turno, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional reforçando as suas alegações com um parecer do constitucionalista Jorge Miranda.

Consulta

São arguidas de inconstitucionalidade as normas constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art. 8.º do Decreto-lei n.º 80/90/M de 31 de Dezembro, e das alíneas a), b) e c) do n.º 3 do art. 3º do Decreto-lei n.º 81/90/M, da mesma data, por violação do princípio da igualdade e do direito de acesso à função pública consignados nos artigos 13º e 47º da Constituição.

Pretende-se saber se deve reputar-se procedente e fundada esta impugnação.

Parecer

I

1. O Decreto-lei n.º 80/90/M, de 31 de Dezembro, instituiu um novo órgão da função notarial em Macau, o notário privado.

Segundo se lê no seu preâmbulo, o desenvolvimento económico e social do Território imporia “a criação de estruturas legais capazes de garantir a certeza e a segurança na aplicação do Direito, assim como a celeridade dos actos e contratos, imprescindível ao comércio jurídico próprio de sociedades em expansão”, e os cartórios notariais não disporiam de “meios físicos e tecnológicos permissivos de resposta, em tempo útil, às crescentes solicitações da vida negocial, chamados como são, para uma multiplicidade de actos, desde a simples procuração às escrituras”.

“Mantendo no essencial o sistema e partindo do pressuposto de que um notário é essencialmente um jurista, com qualificação científica e dotado de fé pública”, ao notário privado foi conferida competência para a prática de todos os actos notariais à excepção de testamentos públicos, termos de aprovação e de abertura de testamentos cerrados, habilitações e justificações notariais, escrituras antenupciais, repúdios de herança de que façam parte coisas imóveis, actos em que outorguem menores e protestos” (art. 2º).

Contudo, as escrituras seriam depositadas no prazo de cinco dias num cartório notarial do território (art. 4º, n.º l) e, se não depositados, não produziriam efeito, nem poderiam ser invocadas em juízo ou em qualquer serviço público (art. 4º, n.º 3). Poderiam ser nomeados notários privados (art. 8º, n.os 2 e 3) antigos notários de Macau que não tivessem sido demitidos ou aposentados compulsivamente; antigos magistrados judiciais ou do Ministério Público que tivessem exercido essas funções em Macau, cuja última classificação não tivesse sido inferior a “Bom” e que não tivessem sido demitidos ou aposentados compulsivamente; e, após frequência de um curso de formação, advogados com, pelo menos, cinco anos de exercício efectivo em Macau.

Os notários privados seriam nomeados por despacho do Governador (art. 8º, n.º 1); tomariam posse perante o director dos Serviços de Justiça (art. 12º, n.º 1, primeira parte); e ficariam vinculados aos deveres de função pública, excepto aos de assiduidade e de obediência, para além das circulares e determinações genéricas da hierarquia dos Registos e do Notariado (art. 12º, n.º 1, segunda parte, e n.º 2)[1].

Os notários privados estariam sujeitos às incompatibilidades dos advogados (art. 10º) e o exercício das suas funções não seria remunerado, sem prejuízo da cobrança dos honorários como advogados (art. 9º).

Mais recentemente, o Decreto-lei n.º 58/92/M, de 24 de Agosto, viria modificar duas das regras sobre acesso, admitindo a possibilidade de serem nomeados notários privados também antigos conservadores de Macau que não tivessem sido demitidos ou aposentados compulsivamente (nova versão da alínea a) do art. 8º, n.º 2) e substituindo a exigência de cinco anos de exercício de profissão em Macau, pela de inscrição na Associação dos Advogados de Macau (nova alínea c)) .

2. Na sequência do Decreto-lei n.º 80/90/M, o Decreto-lei n.º 81/90/M, também de 31 de Dezembro, alterou alguns preceitos do Código do Notariado.

Órgãos normais da função notarial de Macau passaram a ser os notários públicos e os notários delegados (art. 2º); e órgãos especiais os agentes consulares portugueses, os notários privativos e os notários privados (art. 3º).

Seriam notários delegados os primeiros-ajudantes dos cartórios notariais (art. 2º, n.º 2); notários privativos os funcionários dos serviços públicos, licenciados em Direito, a quem fosse atribuída, em relação a certos actos, a competência própria dos notários (art. 3º, n.º 2); e notários privados os profissionais do Direito verificadas certas condições de acesso e com a competência constante de diploma especial (art. 3º, n.os 3 e 4).

De notar que o Decreto-lei n.º 81/90/M acrescentou – ou, noutro prisma, explicitou – como condição de acesso à qualidade de notário privado, quanto aos antigos notários de Macau e aos antigos magistrados judiciais e do Ministério Público, o exercício da advocacia – condição essa que, por sinal, não aparece no Decreto-lei n.º 58/92/M. Mas o problema de interpretação que aqui pode suscitar-se não se oferece relevante na economia do presente parecer.

3. Como se observa, são três os pontos característicos do estatuto dos notários privados de Macau:

1.º) A sua relativa acessoriedade em face dos notários públicos, porquanto não possuem uma competência genérica ou plena e a produção de efeitos das escrituras que celebrem fica dependente de depósito em cartório notarial;

2.º) A não sujeição integral ao regime da função pública;

3.º) O nexo de vida com o Território, traduzido em exercício aí – anterior ou actual – de actividades jurídicas ou jurídico-forenses.

É apenas a conformidade com a Constituição dos preceitos dos Decretos-leis n.os 80 e 81/90/M pertinentes ao terceiro aspecto que está posta em causa.

4. A inconstitucionalidade desses preceitos derivaria de infracção do princípio de igualdade: não seria materialmente fundado o circunscrever-se o acesso ao cargo de notário privado a antigos notários ou magistrados ou a actuais advogados em Macau; haveria um privilégio (ou uma discriminação) em razão do lugar ou do território.

Na verdade, nenhum cidadão pode ser privilegiado ou discriminado em razão do território – proclama o art. 13º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; e todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade – sublinha o art. 47º, n.º 2. Mas só alguns cidadãos têm a possibilidade de ser notários privados, quando outros, com formação profissional adequada (e que até poderia ser tecnicamente superior), ficam postergados e impedidos de o virem também a ser, só por não terem exercido ou exercerem, em certo momento, actividade em Macau.

Daqueles diplomas, nomeadamente da sua exposição preambular, não decorreria que o objectivo do legislador, ao restringir o acesso ao cargo de notário privado a quem tivesse anteriormente exercido certas funções de carácter jurídico em Macau, fosse evitar que um jurista sem conhecimento das especialidades do regime jurídico vigente em Macau, em particular das regras do notariado daquele território, pudesse vir a praticar actos da importância dos actos notariais.

E mesmo que assim fosse, objectivamente não poderia afirmar-se com toda a segurança, que a circunstância de certo cidadão ter exercido em Macau as funções de notário público, ou de magistrado judicial ou do Ministério Público, ou ainda de advogado por período não inferior a cinco anos, significasse, só por si, que fosse realmente conhecedor das especificidades inerentes ao regime jurídico em vigor em Macau. Bem poderia ter exercido essas funções há longo tempo e terem ocorrido, entretanto, alterações desse regime jurídico que não fossem do seu conhecimento.

Aliás, as especificidades do regime jurídico de Macau nunca constituiriam um factor de adopção de medidas especiais no caso do exercício da função de notário público em Macau por notários ou conservadores oriundos dos quadros da República Portuguesa. E, por ser assim, o regime de provimento dos notários públicos de Macau, estabelecido nos art.os 25º e ss. da Lei Orgânica dos Serviços dos Registos e do Notariado (Decreto-lei n.º 105/84/M, de 8 de Setembro, alterado pelo Decreto-lei n.º 16/87/M, de 16 de Março, e pela Lei n.º 1/92/M, de 27 de Janeiro) não limita o acesso à função a anterior exercício de certas funções jurídicas no território de Macau[2].

5. Diga-se, desde já, que não concordamos com a argumentação acabada agora de resumir. Não cremos que as soluções consagradas nos Decretos-lei 80 e 81/90/M sejam desprovidos de base razoável frente aos princípios constitucionais e, por outro lado, julgamo-las perfeitamente inseridas numa linha indispensável da política legislativa portuguesa no Território nos anos que restam até 1999: a linha da localização.

Para esclarecermos estes aspectos, temos, porém, de traçar as coordenadas da aplicação da Constituição em Macau, de relembrar o papel dos princípios constitucionais em geral e do princípio da igualdade em particular e, por último, de aludir ao sentido e à finalidade da localização.

II

6. Macau é um território sob administração portuguesa que se rege por estatuto adequado à sua situação especial – assim prescreve o art. 292º, n.º 1, da Constituição (correspondente ao art. 5º, n.º 4, no texto adoptado entre 1976 e 1989)[3].

Não se encontra integrado no território nacional, se bem que a sua relação com a República seja uma relação complexa de direito público interno – conforme explicita o estatuto (art. 2º)[4].

Sendo territórios diferentes e, mais do que isso, comunidades políticas distintas (art.os 1º e 5º da Constituição, por um lado, e 292º, por outro lado), distintas não podem deixar de ser as ordens jurídicas – não só por estritas considerações lógico-formais mas sobretudo por razões políticas, económicas, sociais e culturais. Há uma ordem jurídica da República Portuguesa, tendo por destinatários permanentes os cidadãos portugueses e ligada ao território nacional; e há uma ordem jurídica de Macau, tendo por destinatários permanentes os residentes em Macau e incindível desse Território.

7. Ordens jurídicas diversas não são, de todo o modo, ordens jurídicas sem comunicação.

Em primeiro lugar, em tese geral, a pluralidade de ordenamentos – mesmo de diversos Estados e entre os direitos internos e o direito internacional – é um dado básico da experiência, cada vez mais generalizadamente reconhecido pela doutrina[5]; e ela postula entrosamento, interpenetração, integração sistemática não afastamento, separação, solução de continuidade.

Em segundo lugar, a “administração portuguesa” de que fala a Constituição não pressupõe apenas normas jurídicas ex professo reguladoras dos termos em que se exerça; pressupõe também princípios jurídicos comuns a Portugal e a Macau.

“O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática”, declara o artigo 3º, n.º 2, da Lei Fundamental. Logo, se a “administração portuguesa” de Macau é uma manifestação de poder desse Estado, por coerência, tem de se fundar nos mesmos princípios constitucionais, tem de agir em conformidade com eles, não os pode contrariar sob pena de invalidade (art. 3º, n.º 3)[6].

Por seu turno, o estatuto orgânico – constante da Lei n.º 1/76, de 17 de Fevereiro, modificado ligeiramente pela Lei n.º 53/79, de 14 de Setembro, e profundamente pela Lei n.º 13/90, de 10 de Maio – possui natureza constitucional, ligado directamente à Constituição:

1.º Porque, surgido como lei constitucional ao abrigo dos poderes constituintes estão cometidos ao Conselho da Revolução[7], enquanto tal foi ressalvado pela Constituição (art.os 292º, n.º 2, e 306º do texto inicial, 296º após 1982 e hoje 292º).

2.º Porque, ressalvado como lei constitucional e objecto de recepção material, tem de ser interpretado e integrado de harmonia com os princípios e preceitos constitucionais[8].

3.º Porque as alterações às normas estatutárias fazem-se em obediência as regras orgânicas e processuais fixadas pela Constituição [art.os 292º, n.º 3, 164º, alínea c), e 169º, n.º 3].

Mais: é o próprio estatuto que – como não podia deixar de ser – afirma a sua correlação com a Constituição, quando prescreve que o Território goza, com ressalva dos princípios e no respeito dos direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição, de autonomia administrativa, económica, financeira e legislativa (art. 2º).

8. Os princípios constitucionais fundamentais aplicam-se, pois, em Macau imediatamente, sem necessidade de interposição destas ou daquelas normas estatutárias.

Mas aplicação imediata não significa o mesmo que aplicação geometricamente idêntica à que se verifica na República. As características do Território podem justificar ou exigir adaptações e as soluções constitucionais (e, portanto, em segunda linha, legislativas) têm de se encontrar a partir da conjugação entre os princípios e a especialidade da situação[9].

A doutrina tem, de resto, assinalado, de diferentes perspectivas e com diferentes acentos tónicos, as seguintes características dos princípios:

a) A sua amplitude, o seu grau de maior generalidade, abstracção ou indeterminação frente às normas-preceitos;

b) A sua irradiação ou projecção para um número vasto de preceitos, correspondentes a hipóteses de sensível heterogeneidade;

c) A sua versatilidade, a sua susceptibilidade de conteúdos algo variáveis ao longo dos tempos e das circunstâncias, com densificações variáveis;

d) A sua abertura, sem pretensão de regulamentação exaustiva, ou em plenitude, de todos os casos;

e) A sua expansibilidade perante situações ou factos novos, sem os absorver ou neles se esgotar[10].

Como escreve um Autor, os princípios, como vectores gerais, não valem sem excepção; outros parâmetros jurídicos podem, em concreto, afastá-los. Os princípios podem entrar em oposição ou contradição entre si, sem com isso se anularem ou perderem âmbito de aplicação. Os princípios não têm pretensão de exclusividade, admitindo que um mesmo efeito, por ele preconizado, seja, com consequências similares, alcançado por factores diferentes, sem com isso verem em perigo a sua identidade[11].

9. No tocante às normas sobre direitos, liberdades e garantias, o próprio estatuto de Macau admite divergências entre normas constantes de diplomas dimanados de órgãos de soberania da República e normas provenientes de órgãos do governo próprio do Território quando não haja colisão com o conteúdo essencial das primeiras (art. 41º, n.º 2, segunda parte).

Evidentemente, como, por seu turno, as normas legais da República não podem infringir as pertinentes normas constitucionais, fica sempre salvaguardado o conteúdo essencial dos direitos (art. 18º, n.º 3 da Constituição) – o qual equivale à finalidade ou ao valor que justifica qualquer direito (ou doutra óptica) à utilidade prática que dele decorre para o cidadão como esfera de autonomia ou de realização pessoal[12].

Pode haver legislação especial sobre direitos, liberdades e garantias para Macau; o que não pode haver é legislação excepcional – por confronto com a vigente na República, à luz da Constituição – visto que regras gerais e regras especiais são ainda expressões do mesmo tronco, ao passo que regras gerais e regras excepcionais radicam em princípios ou pressupostos antagónicos[13] e regras excepcionais não respeitariam o conteúdo essencial dos direitos.

III

10. O princípio da igualdade é um dos princípios constitucionais fundamentais a que acabámos de nos referir e um princípio geral de Direito. Nem por isso[14] o debate sobre a sua problemática deixa de ser, apesar de todas as conquistas contra as desigualdades alcançadas e de todos os progressos científicos, tão intenso como noutras épocas[15].

Todas as nossas Constituições contemplam o princípio em fórmulas bastante aproximadas (art. 9º da Constituição de 1822, art. 145º, § 12, da Carta Constitucional, art. 10º da Constituição de 1838, art. 3º, n.º 2, da Constituição de 1911, art. 5º da Constituição de 1933, art. 13º da Constituição de 1976). E é a actual, por razões históricas bem conhecidas, a que vai mais longe na sua consagração, considerando-o em zonas mais sensíveis e, ao mesmo tempo, empenhando-se em promover “a igualdade real entre Portugueses” “mediante a transformação das estruturas económicas e sociais” (art. 9º, alínea d), desde 1982).

Não se trata só de todos os cidadãos terem “a mesma dignidade social”, de serem “iguais perante a lei” (art. 13º, n.º 1) e de ninguém poder ser “privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social” (art. 13º, n.º 2) .

A Constituição extrai também logo corolários imediatos do princípio (art.os 10º, n.º 1, 360º, n.os 3e 4, 47º, n.º 2, 59º, 116º, n.º 3, alínea b), etc.); prevê distinções em correspondência com diferenças de situações (art.os 40º, n.os 1 e 2, 55º, n.º 6, 89º, n.º 1, 276º, n.º 2, etc.); estabelece imposições ao Estado com vista à superação de desigualdades de facto (art.os 20º, n.º 1, segunda parte, 65º, n.º 3, 74º, n.º 2, 231º, n.º 1, etc.); e admite discriminações positivas relacionadas com essas incumbências (art.os 71º, n.º 1, 78º, n.º 2, alínea c), 86º, n.º 2, 100º, n.º 1).

Alguns dos corolários do princípio da igualdade podem ser encarados como direitos especiais de igualdade, algumas das diferenciações prescritas como direitos especiais de protecção – e uns e outros reconduzem-se então a direitos, liberdades e garantias (ou a situações homólogas). Assim como do objectivo de igualdade real (ou igualdade social) fluem verdadeiros direitos económicos, sociais e culturais[16].

11. O sentido primário do princípio é negativo: consiste na vedação de privilégios e de discriminações. “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever…”.

Privilégios são situações de vantagem não fundadas e discriminações situações de desvantagem; ao passo que discriminações positivas são situações de vantagem fundadas, desigualdades de direito em consequência de desigualdades de facto e tendentes à superação destas[17].

Naturalmente, os factores de desigualdade inadmissíveis enunciados no art. 13º, n.º 2, da Constituição são-no a título exemplificativo, de modo algum a título taxativo. Eles não são senão os mais flagrantemente recusados pelo legislador constituinte – tentando interpretar a consciência jurídica da comunidade; não os únicos possíveis e, portanto, também não os únicos constitucionalmente insusceptíveis de alicerçar privilégios ou discriminações.

Como quer que seja, a igualdade não é uma “ilha”; encontra-se conexa com outros princípios; tem de ser entendida – também ela – no plano global dos valores, critérios e opções da Constituição material.

12. Mais rico e exigente vem a ser o sentido positivo:

a) Tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes);

b) Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais – “impostas pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas”[18] – e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador;

c) Tratamento desigual que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação;

d) Tratamento igual ou semelhante, em moldes de proporcionalidade[19], das situações desiguais relativamente iguais ou semelhantes;

e) Tratamento das situações não apenas como existem mas também como devem existir, de harmonia com os padrões da Constituição material (acrescentando-se, assim, uma componente activa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei).

Saliente-se que embora não coincidam, igualdade e proporcionalidade se sobrepõem largamente[20]. Aquela tem que ver com a distribuição de direitos e deveres, de vantagens e de encargos, de benefícios e de custos inerentes à pertença à mesma comunidade ou à vivência da mesma situação. Esta é um dos critérios que lhe presidem; e uma medida de valor a partir da qual se procede a uma ponderação na tríplice análise de necessidade, adequação e racionalidade[21].

O juízo de proporcionalidade não se confina a um juízo meramente lógico-abstracto. É, sim, um juízo jurídico, ancorado na correcta interpretação e aplicação das normas e na procura da sua coerência; não se cuida com ele de qualquer funcionalidade lógica ou semântica; cuida-se de uma funcionalidade teleológica e atenta à vida concreta das pessoas.

13. Tal como a de outros países[22], a jurisprudência constitucional portuguesa tem-se ocupado, numerosíssimas vezes, de problemas relacionados com o princípio da igualdade[23]. Vale a pena referir, as orientações principais que tem vindo a definir:

– “A semelhança nas situações da vida nunca pode ser total: o que importa é distinguir quais os elementos de semelhança que têm de registar-se – para além dos inevitáveis elementos diferenciadores –, para que duas situações devam dizer-se semelhantes em termos de merecerem o mesmo tratamento jurídico. – Só que a solução deste problema já não poderá achar-se na base de critérios puramente formais”[24].

– “Aquilo que deva considerar-se substancialmente igual é questão insusceptível de resposta fixa para todo o tempo e para todas as situações. Sendo claro que a igualdade de dois (ou mais) conteúdos, substratos ou relações da vida não pode ser uma igualdade conceitual total – uma “identidade” que sempre estaria logicamente excluída – aquela tem de ser aferida em função de determinados elementos, que sejam escolhidos ou se devam considerar como essenciais à comparação”[25].

– “Onde a lei considerar que determinada situação apresenta um particularismo suficientemente distinto e relevante para justificar um tratamento legal diverso do concedido a situações equiparáveis (sob outros pontos de vista) e onde erigir esse particularismo, por conseguinte, como fundamento duma desigualdade de regime jurídico, semelhante juízo legal tem por si uma presunção de racionalidade – justamente porque provindo da instância que detém a primazia da “conformação constitucional”. E de tal modo que, em sede de controlo da constitucionalidade, não cabe aos respectivos órgãos emitir propriamente um juízo “positivo” sobre a solução legal: ou seja, um juízo em que o órgão de controlo comece por ponderar a situação como se fora o legislador (e como que “substituindo-se” a este) para depois aferir da racionalidade da solução legislativa pela sua própria ideia do que seria, no caso, a solução “razoável”, “justa” ou “ideal”. Os órgãos de controlo da constitucionalidade não podem ir tão longe: o que lhes cabe é tão-somente um juízo “negativo”, que afaste aquelas soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de credenciar-se racionalmente. Onde tal não aconteça – onde não possa afirmar-se que a um determinado regime jurídico especial falta toda a justificação – não deverá, em sede de fiscalização da constitucionalidade, considerar-se violado o princípio da igualdade”[26].

– “O princípio da igualdade não se reduz a uma pura dimensão formal – a uma mera igualdade “perante” a lei – traduzida na simples imparcialidade da aplicação desta, qualquer que seja o seu conteúdo: assume, bem mais do que isso, uma dimensão material, que se impõe ao próprio legislador, e exige assim uma verdadeira igualdade “da” lei… Entendido nestes termos, põe o princípio da igualdade o problema de saber o que em determinado tipo de situações ou para determinados efeitos deve ser considerado igual, ou seja, a prévia identificação dos elementos ou factores que em cada caso devem ter-se como relevantes ou irrelevantes para esse juízo. Ora, se o art. 13º, n.º 2, da Constituição já enuncia uma série desses elementos – recte, uma série de circunstâncias insusceptíveis de fundamentar, em princípio, uma desigualdade de tratamento jurídico ou de “cláusulas de não-discriminação” – não se segue daí que, no mais, o legislador fique inteiramente livre para estabelecer todas e quaisquer distinções: antes lhe estão vedadas “as distinções arbitrárias, e por isso discriminatórias, isto é, desprovidas de justificação racional, ou fundamento material bastante, atenta a especificidade da situação ou dos efeitos em causa”… O índice ou sinal mais claro e decisivo do arbítrio que vem de referir-se haverá entretanto de estar “na desproporção ou inadequação da regulamentação legal à situação fáctica a que quer bastar-se com a simples consideração dos factos, porque leva pressuposto, enquanto apreciação valorativa que é, o recurso a determinados padrões normativos, indissociáveis, aliás, de uma certa carga histórica. É assim que em tal juízo hão-de confluir as concepções de justiça que integram a ideia de direito, a própria consciência jurídica comunitária, e ainda “a ordem dos valores jurídico-constitucionalmente protegidos” (ou seja, os valores – políticos e jurídicos – para além do valor, em si, da igualdade, que a Constituição ergue ao seu plano de ordenação fundamental e integradora da comunidade). – Seja como for, a realização “material” da igualdade exige diferenciações o que postula uma intervenção e concretização diferenciadora do legislador”[27].

– “A igualdade não deve ser entendida apenas no sentido de tornar ilícitas discriminações infundadas ou arbitrárias (interpretação esta que não pode adoptar-se sem mais); a regra do artigo 13º tem de ser qualificada e “lida” através de (e à luz de) outras disposições constitucionais que seguramente estabelecem preferências em caso de conflitos de interesses ou que hierarquizam de certa maneira direitos e interesses”[28].

– “O princípio da igualdade não deve nem pode ser interpretado em termos absolutos, impedindo nomeadamente que a lei discipline diversamente quando diversas são as situações que o seu dispositivo visa regular. – Mas, inversamente, há violações do princípio da igualdade quando o legislador estabelece distinções discriminatórias. Assim é quando tais distinções são materialmente infundadas, quando assentam em motivos que não oferecem um carácter objectivo e razoável; isto é, quando o preceito em apreço não apresenta qualquer fundamento material razoável. – Nesta perspectiva, o princípio da igualdade consagrado pelo artigo 13º da Constituição identifica-se com uma “proibição do arbítrio”, quer dizer, com “uma proibição de medidas manifestamente desproporcionadas ou inadequadas, por um lado, à ordem constitucional de valores e, por outro, à situação fáctica que se pretende regulamentar ou ao problema que se deseja decidir”[29].

– “Os factores materiais determinantes de um tratamento normativo desigual devem comportar, designadamente, uma justificação que busque suporte na consonância entre os critérios adoptados pelo legislador e os objectivos da lei, por um lado, e entre estes e os fins cuja prossecução o texto constitucional comete ao Estado, por outro. – A desigualdade de tratamento será consentida quando, depois de adquirido que os critérios de distinção exigidos pelo legislador se compatibilizam com os objectivos da lei, se concluir no sentido de a Constituição, à luz dos princípios que adopta e dos fins que comete ao Estado, autorizar o tratamento diferenciado das situações delimitadas na lei ordinária”[30].

– “O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange as seguintes dimensões: proibição do arbítrio, proibição de discriminação, obrigação de diferenciação”[31].

– “A ausência de um critério de medida impõe ao intérprete um processo de reconstrução do conceito de igualdade inserido nos valores do ordenamento constitucional no seu conjunto. Processo esse que assenta na natureza relacional do próprio conceito, quer por força da perspectiva da sua evolução histórica, quer em virtude da diversidade das suas manifestações concretas”[32].

– “A ideia de proibição do arbítrio não esgota o sentido dirigente do princípio da igualdade, pois que dele também decorre que nem todas as discriminações, mesmo que dotadas de um “título habilitador”, são, só por isso, admissíveis. Com efeito, se igualdade não corresponde a uniformidade, antes postulando o tratamento igual do que é igual e tratamento distinto de situações em si mesmas diversas, ela constitui um limite impostergável da própria medida de discriminação consentida, exigindo que haja uma razoável relação de adequação e proporcionalidade entre os fins prosseguidos pela norma e a concreta discriminação por ela introduzida.

“Não repugna a uma concepção constitucionalmente adequada da igualdade que a norma possa conter um mínimo de desigualdade formal se tal se mostrar necessário, adequado e proporcional à realização da igualdade substancial. Por isso, não se trata, nesta sede, de procurar formular um juízo acerca da observância no caso do princípio da igualdade apenas confinado ao plano do direito (ou da lei, se se preferir) mas também de carrear para a interpretação e fixação do sentido que do princípio constitucional que constitui o valor – parâmetro invocado pelo requerente quer da norma sindicada os próprios dados da realidade económica e social como elementos integrativos da valoração jurídica atinente à concreta aplicação pelos poderes públicos dos princípios do ordenamento jurídico tendentes a modificar essa realidade”[33].

– “Não basta a mera identificação de uma discriminação fundada num dos títulos especificamente referenciados no n.º 2 do artigo 13º da Constituição como vedando o estabelecimento de privilégios, benefícios ou prejuízos, para desde logo concluir pela ilegitimidade constitucional de tal discriminação. É que o princípio constitucional da igualdade não diz, ele próprio, o que é igual, apenas determina que o que é igual seja tratado igualmente, pelo que o que não é igual deva ser também tratado de forma desigual. Sendo, por isso, não tanto, um princípio dotado de sentido absoluto, mas antes um conceito que carece de integração numa perspectiva histórica e relacional.

“Enquanto conceito relacional, a medida do que é igual e deva ser tratado como igual depende da matéria a tratar e do ponto de vista de quem estabelece a comparação, em termos de determinar quais são os elementos essenciais e os não essenciais num juízo acerca da admissibilidade ou inadmissibilidade de soluções jurídicas dissemelhantes e eventualmente mesmo discriminatórias. Ou seja, quando é que duas situações reais da vida são equiparáveis, quando as similitudes entre elas sobrelevam das diferenças e, por isso, o juízo de valor sobre a materialidade que lhes serve de suporte conduz à necessidade de um igual tratamento jurídico.

“A essência da aplicação do princípio da igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica. Pelo que se pode afirmar que dentro do princípio da igualdade cabem diferenças de tratamento (…)”[34].

IV

14. Conforme se viu, a criação da figura do notário privado aparece ligada pelo Decreto-lei n 80/90/M às exigências crescentes do comércio jurídico inerentes a uma comunidade em acelerado desenvolvimento económico e social como Macau e, do mesmo passo, à incapacidade material de os cartórios notariais lhes darem resposta em tempo útil.

Não podendo a vida negocial parar, ser entravada ou, ser perturbada por falta de mecanismos idóneos de garantia da certeza e da segurança jurídicas, havia que procurar profissionais do Direito que pudessem substituir ou complementar, nas melhores condições, os notários públicos. E, para tanto, o legislador recorreu a antigos notários e a antigos magistrados judiciais e do Ministério Público[35], bem como a advogados com alguns anos de exercício da profissão em Macau.

Dir-se-ia então ocorrer correspondência entre os fins pretendidos – satisfazer as necessidades de celebração de actos jurídicos requeridos pela dinâmica económica insusceptíveis de serem atendidas por via dos notários públicos – e os meios escolhidos – aproveitar os conhecimentos adquiridos por juristas radicados no Território para a prática de tais actos. Nem isso parece ser contestado. O que se contesta é reduzir a esses juristas o universo de recrutamento dos notários privados; e, outrossim, considerar-se a qualidade de antigo notário e antigo magistrado ou de actual advogado em Macau suficiente para se exercer a função notarial.

15. Os preâmbulos dos diplomas impugnados não indicam expressamente a razão por que só quem tenha exercido ou exerça hoje profissão jurídico-forense em Macau deve poder vir a ser notário privado – cumpre reconhecer. Não obstante, não eram obrigados a fazê-lo; nenhuma regra constitucional ou cânone de técnica legislativa prescreve uma autojustificação em hipóteses como essas de diferenciação de pessoas e de situações ou de eventual restrição de direitos; nem se conhecem fórmulas preestabelecidas para o efeito[36].

Tem de haver fundamentação, por certo. Mas ela pode e deve captar-se nos antecedentes históricos, na leitura globalizante dos diplomas (juntando preâmbulo e articulado) e na sua inserção no contexto da ordem jurídica em cada momento. Ao intérprete não pertence demitir-se de uma tarefa autónoma de indagação para se fechar num literalismo estéril que, no limite, poderia conduzir, nuns casos, a não acolher nenhuma fundamentação por o órgão autor da norma não a declarar e, noutros casos, a aceitar, pura e simplesmente, a intenção verbal por ele manifestada, fosse qual fosse, sem a discutir.

A despeito de os diplomas em apreço não frisarem que as restrições introduzidas – aparentes ou reais – se destinam a evitar que juristas sem conhecimento das especificidades do regime jurídico do Território intervenham em certos actos notariais que neste se realizem, nenhuma dúvida se oferece de que esta preocupação se encontra lá muito marcada. Porquê apenas juristas de Macau senão porque há especialidades significativas tanto de regras como de condicionalismos de aplicação? Porquê apenas juristas de Macau senão porque se presume que eles estão mais bem preparados ou disponíveis para as apreender e para rasgar formas a elas mais ajustadas?

Os Decretos-leis n.os 80 e 81/90/M não contêm uma reserva absoluta de notariado privado em favor dos juristas de Macau. Contêm, sim, uma reserva relativa, visto que nenhum jurista português fica excluído, desde que tenha uma conexão funcional permanente com o Território. E aquilo que visam é, sobretudo, uma optimização ou maximização da actividade notarial privada, tendo em conta as potencialidades propiciadas por essa conexão.

16. Igualdade não se reconduz a identidade, uniformidade, indiferenciação. Implica consideração de diversidade, razoabilidade, proporcionalidade. E o juízo que, em seu nome, se venha a emitir sobre esta ou aquela norma tem de versar tanto sobre a sua ratio e sobre a sua projecção noutras normas como sobre a sua interdependência da realidade política, económica, social e cultural que lhe subjaz.

Parafraseando uma Autora: a igualdade é relativa e só pode determinar-se em função de certo critério e este, por sua vez, encontra-se necessariamente relacionado com o fim a atingir com a qualificação das situações concretas como iguais. A igualdade relativa de situações ou objectos só adquire sentido, enquanto tal, se estiver prefixada a um objectivo, e uma tal relação entre o objectivo a atingir com o estabelecimento da igualdade e as próprias situações consideradas iguais à luz desse objectivo é feita através de um critério valorativo[37].

Ora, precisamente, existe uma diferença objectiva entre os antigos notários (e conservadores), antigos magistrados e actuais advogados de Macau, duma banda, e quaisquer outros juristas, doutra banda: a que assenta na inserção vivida no meio jurídico do Território – uma diferença que não é criada (ou criada arbitrariamente), pelo legislador e uma diferença cujas consequências cabem de pleno na respectiva liberdade de conformação.

O conhecimento prático (e até teórico) do Direito não se esgota na exegese das normas legais. Reclama, simultaneamente, o conhecimento dos destinatários, o modo como estes as recebem e o das acções e reacções que adoptam. E são tão patentes os enquadramentos da sociedade portuguesa e da sociedade compósita e de contacto de culturas de Macau – e que seria, a todos os títulos, ocioso descrever[38] – que se apercebem à vista desarmada os cuidados do legislador.

Os diplomas de 1990 repousam no pressuposto de que juristas com actividade anterior ou presente em Macau possuem mais e melhor conhecimento da legislação especial aí vigente do que juristas vindos de fora, e revelam maior sensibilidade aos factores socioculturais e socioeconómicos que rodeiam a aplicação e de que depende a efectividade dessa legislação. E, como corolário, estatuem que é dentre eles que devem ser escolhidos os notários privados tornados imprescindíveis pelo próprio crescimento do Território.

Não se decreta, portanto, nenhum privilégio dos juristas de Macau em confronto com os de Portugal ou, inversamente, uma discriminação de que estes sejam vítimas. Aponta-se tão só um tratamento correlacionado com as circunstâncias objectivas diversas em que uns e outros se deparam perante as estruturas jurídicas e sociais do Território em fase de transformação e (nota não menos importante) de transição.

17. Nem se pretenda que os diplomas em exame vulneram o direito de livre escolha de profissão ou género de trabalho e o direito de acesso a funções ou cargos públicos em igualdade e liberdade[39].

Em primeiro lugar, na esteira das Constituições precedentes[40] e ao contrário do que faz quanto a outras liberdades, a Constituição de 1976 expressamente admite, no art. 47º, n.º 1, “as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”; e estas restrições atingem quer a liberdade de escolha quer a liberdade de exercício – ainda que em graus diversos, sempre proporcionadas aos fins que as determinam e sempre com respeito pelo conteúdo essencial do direito[41].

Em segundo lugar, nem sequer haverá, em rigor, uma restrição à liberdade de escolha de profissão e ao direito de acesso à função pública. Haverá somente um condicionamento, um requisito de natureza cautelar ou preventiva a que se vincula o exercício do direito[42]. Ninguém está impedido em termos absolutos de vir a ser notário privado em Macau. O que se exige é que, além de ser jurista, seja jurista com certa inserção no ambiente do Território; e tão legitimamente pode a lei estipular uma coisa como outra, ao definir e ponderar o interesse colectivo que o cargo tem de servir. Mas esta ponderação, sendo de mérito, não é sindicável pelos órgãos de controlo da constitucionalidade.

A igualdade e a liberdade ficam, consequentemente, preservadas neste âmbito, já que qualquer pessoa pode candidatar-se ao cargo de notário privado, contanto que preencha os requisitos legais: ninguém pode ser preterido por outrem que tenha condições inferiores; e a Administração encontra-se adstrita a critérios normativos de escolha[43].

18. O estatuto de Macau é um estatuto adequado à sua situação especial – refere o art. 292º, n.º 1 da Constituição (insista-se). E o Território dispõe de organização judiciária própria, dotada de autonomia e adaptada às suas especificidades, a qual deverá salvaguardar a independência dos juízes (art. 292º, n.º 5 após 1989 e que é reproduzido pelo art. 51º, n.º 1 do estatuto orgânico na versão da Lei n.º 13/90, de 10 de Maio).

Apurados os estreitos laços existentes entre a organização da função judiciária e a organização das actividades e profissões que com ela trabalham constantemente – desde o Ministério Público e a advocacia ao notariado e aos registos – não custa tirar a ilação de que a mesma ideia de especialidade de organização há-de as moldar. Tão pouco custa inferir ser perfeitamente natural que o recrutamento dos notários privados se faça, com regras especiais, dentre profissionais já integrados no sistema de administração da justiça do Território.

Eis o que cabe considerar uma decorrência das duas traves-mestras do ordenamento jurídico de Macau atrás focadas: a sua imbricação com os princípios cardeais da ordem constitucional portuguesa e a sua densificação em diálogo com a realidade e os problemas peculiares locais; por uma parte, a presença de impulsos normativos fundamentais que remontam ao Estado de Direito democrático; e, por outro lado, a abertura a regimes jurídicos especiais (embora não excepcionais).

Eis o que, noutro plano, se acha em sintonia com a orientação da nossa jurisprudência constitucional, que aceita diferenciações de tratamento quando adequadas aos objectivos prosseguidos pela Constituição[44].

19. Em 1987 por tratado entre Portugal e a China (chamado “Declaração Conjunta”), ficou estabelecido que em 20 de Dezembro de 1999 o Governo da República Popular da China voltaria a assumir “o exercício da soberania sobre Macau”; que, contudo, depois dessa data e por um período de cinquenta anos, seria o Território convertido em “Região Administrativa Especial”, com “alto grau de autonomia, excepto nas relações externas e de defesa”; e que ele gozaria de “poderes executivo, legislativo e judicial independentes, incluindo o de julgamento em última instância”[45].

Mesmo sem estar consignado ex professo no citado art. 292º e no estatuto, pode afirmar-se, sem hesitar, que é hoje um intento básico de toda a política e de toda a legislação portuguesa concernentes a Macau a garantia da subsistência de um sistema jurídico próprio (um dos elementos integrantes da cultura de um povo) para lá de 1999 e, pelo menos, até 2049[46].

Porém, esse desiderato só pode ser alcançado na medida em que o sistema jurídico sem perda da sua fidelidade aos grandes vectores da Constituição portuguesa, não só esteja bem ajustado à sociedade de Macau como se localize, definitivamente, em Macau; não só seja um sistema debruçado sobre o pulsar da vida económica, social e cultural do Território mas também um sistema em que os seus agentes principais – juízes, magistrados do Ministério Público, advogados, notários, conservadores, outros “quadros” jurídicos – sejam naturais ou estejam fixados em Macau; um sistema que, doravante, funcione e se sustente por si próprio[47]/[48].

A localização (por paradoxal que se apresente prima facie) entremostra-se um instrumento de sobrevivência da identidade de Macau. E obviamente, só pode ser levada a cabo mediante providências que, sem cortarem as amarras profundas a Portugal, reforcem a autonomia e a diferenciação.

Os Decretos-leis n.os 80 e 81/90/M devem ser interpretados como providências congruentes com esse desígnio.

20. A terminar, uma brevíssima menção do argumento extraído das condições de provimento dos notários públicos de Macau constantes do Decreto-lei n.º 105/84/M, de 8 de Setembro, e do Decreto-lei n.º 1/92/M, de 27 de Janeiro (que não incluem exigências semelhantes às dos dispositivos arguidos de inconstitucionalidade dos Decretos-leis n.os 80 e 81/90/M).

Desde logo, tal argumento não poderia prevalecer contra o raciocínio que explanamos, atendendo à divisão de competências e de tarefas entre notários públicos e notários privados. E nunca poderia ser acolhido na perspectiva da localização: não é o regime jurídico de acesso dos notários privados que carece de ser alterado, mas o dos notários públicos que tem de ser adequado aos imperativos da localização.

Resumo e conclusões

Resumindo e concluindo:

1 – Macau é um território sob administração portuguesa que se rege por estatuto adequado à sua situação especial (art. 292º, n.º 1 da Constituição) e que dispõe de organização judiciária própria, dotada de autonomia e adaptada às suas especificidades (art. 292º, n.º 5 e art. 51º, n.º 1 do estatuto orgânico na versão da Lei n.º 13/90, de 10 de Maio);

2 – Conhecidos os estreitos laços existentes entre a organização judiciária e a organização das demais actividades e profissões jurídicas, a mesma ideia de especialidade pode nelas se projectar;

3 – A instituição do notário privado feita pelos Decretos-leis n.os 80 e 81/90/M, de 30 de Dezembro, é uma resposta às necessidades de vida jurídica de uma sociedade em crescimento económico e deve ser compreendida a essa luz;

4 – A reserva deste cargo a antigos notários, juízes e magistrados do Ministério Público e a actuais advogados de Macau, verificados certos requisitos, destina-se a permitir que sejam juristas com mais e melhor conhecimento das especificidades das normas vigentes em Macau e dos factores da sua aplicação e efectividade que intervenham em actos notariais (ou em certos actos notariais) que nele se realizam;

5 – Não se trata de uma reserva absoluta, visto que nenhum jurista português fica excluído, contanto que tenha uma conexão funcional permanente com o Território; e o que se visa é, sobretudo, uma optimização ou maximização da actividade notarial privada, tendo em conta as potencialidades propiciadas por essa conexão;

6 – Nem sequer se trata, em rigor, de uma restrição ao direito de escolha de profissão ou género de trabalho e ao direito de acesso à função pública em igualdade e liberdade; trata-se tão só de um condicionamento, que o legislador pode legitimamente decretar na sua ponderação do interesse colectivo – ponderação insindicável pelos órgãos de fiscalização da constitucionalidade;

7 – A exigência de uma actividade jurídica anterior ou actual em Macau como requisito de admissão à qualidade de notário privado assenta num dado objectivo – a integração existencial no ambiente jurídico e sociocultural do Território – e, por isso, não ofende o princípio da igualdade, que longe de significar identidade naturalística, uniformidade, indiferenciação, implica consideração da diversidade, razoabilidade, proporcionalidade;

8 – Os Decretos-leis n.os 80 e 81/90/M têm ainda de ser vistos do prisma da transição política desencadeada pela “Declaração Conjunta” de Portugal e da China, de 1987, que prevê a cessação da administração portuguesa em Macau em 20 de Dezembro de 1999, mas também a criação de uma “Região Administrativa Especial” a subsistir nos cinquenta anos subsequentes – visto que podem e devem ser entendidas como providências de localização de “quadros jurídicos”;

9 – A localização, no duplo sentido de ajustamento do sistema jurídico às realidades locais – sem perda de fidelidade aos grandes vectores do ordenamento português – e de fixação e autonomia de magistrados, advogados, conservadores, notários, representa um instrumento de garantia da sobrevivência da identidade de Macau, e os aludidos Decretos-leis são providências com ela inteiramente congruentes.

Tal é, salvo melhor opinião, o nosso parecer.

Lisboa, 29 de Junho de 1994.

* Jorge Miranda. Professor da Faculdade de Direitoda Universidade de Lisboa. Título da responsabilidade de “O Direito”.

Notas

[1] Os livros dos notários privados deveriam ainda ser facultados a exame do director dos Serviços de Justiça (art. 15º).

[2] O problema da constitucionalidade das alíneas a), b) e c) do art. 8º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 80/90/M e das alíneas a), b) e c) do art. 3º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 81/90/M já levantado perante o Tribunal Constitucional pelo Procurador-Geral da República, ao abrigo do art. 281.º, n.º 2 da Constituição.

O Tribunal Constitucional, no entanto (embora com votos de vencido), não conheceu do pedido, por entender que a fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade de normas emanadas dos órgãos legislativos de Macau só poderia ser desencadeada, por força dos art.os 11º, n.º 1, alínea e), e 30º, n.º 1, alínea c), do Estatuto, por iniciativa do Governador ou da Assembleia Legislativa: acórdão n.º 292/91, de 25 de Julho de 1991 (Diário da República, 2.ª série, n.º 250, de 30 de Outubro de 1991). E é esta igualmente a nossa opinião: v. Ordem constitucional e fiscalização da constitucionalidade em Macau, in O Direito, 1991, págs. 704 e ss.

[3] Além da diferença sistemática, avulta, no actual preceito, a nota de transitoriedade do estatuto: “enquanto se mantiver sob administração portuguesa”.

Sobre o art. 5º, n.º 4, inicial, e o art. 292º actual (306º em 1976 e 296º após a revisão de 1982), v. Diário da Assembleia Constituinte, n.os 29, 116 e 130, págs. 741 e ss., 3842 e 4354, respectivamente; Diário da Assembleia da República, 2.ª legislatura, 2.ª sessão legislativa, 2.ª série, 2.º suplemento ao n.º 77, pp. 1456 (44) e ss., e suplemento ao n.º 93, págs. 1762 (20)-1762 (21), e 1.ª série, n.º 129, págs. 5430 e ss.; ibidem, 5.ª legislatura, 1.ª sessão legislativa, 2.ª série, n.º 55-RC, acta n.º 53, págs. 1769 e ss.; 2.ª sessão legislativa, n.º 99-RC, acta n.º 97, págs. 2838-2839; 2.ª sessão legislativa, 1.ª série, n.os 86 e 90, págs. 4206 e 4207 e 4497-4498, respectivamente.

[4] Sobre a caracterização jurídico-constitucional do Território de Macau e a sua relação com Portugal, cf. AFONSO QUEIRÓ, Lições de Direito Administrativo, I, policop., Coimbra, 1976, págs. 378 e ss.; JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 – Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais, Lisboa, 1978, págs. 212-213; Manual de Direito Constitucional, II, 3.ª ed., Coimbra, 1991, págs. 303 e ss., e III, 3.ª ed., Coimbra, 1994, págs. 249 e ss.; NUNO BESSA LOPES, A Constituição e o Direito Internacional, Vila do Conde, 1979, pág. 27, nota; VITALINO CANAS, Relações entre o Ordenamento Constitucional Português e o Ordenamento Jurídico do Território de Macau, Lisboa, 1987, págs. 5 e ss.; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, págs. 1.076 e ss.

[5] Recorde-se a obra fundamental de SANTI ROMANO, L’Ordinamento Giuridico, 2.ª ed., Florença, 1951. Cf., na doutrina portuguesa, por todos, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 7.ª ed., Coimbra, 1993, pág. 507.

[6] Assim, JORGE MIRANDA. Manual…, II, cit., pág.. 303; algo mais mitigadamente, AFONSO QUEIRÓ, op. cit., págs. 380 e 382; VITALINO CANAS, op. cit., págs. 76, 78 e 81; JORGE NORONHA E SILVEIRA, O início da vigência das leis no ordenamento de Macau, Lisboa, 1991, maxime págs. 57 e ss. E, em visão oposta, DIMAS DE LACERDA, parecer in Revista do Ministério Público, ano I, n.º 2, pág. 78 (para quem as normas e os princípios constitucionais só poderiam vigorar em Macau, quando não contrariassem as normas e os princípios decorrentes do próprio estatuto do território).

[7] Por força do artigo 6º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 5/75, de 14 de Março.

[8] Como sempre temos sustentado: Manual…, II, págs. 46 e ss. Cf. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 6.ª ed., Coimbra,1993, págs. 65 e ss., maxime 69.

[9] Assim já escrevíamos em A Constituição de 1976, cit., pág. 214.

[10] Cf., entre nós, por exemplo, JORGE MIRANDA, A Revolução de 25 de Abril e o Direito Constitucional, Lisboa, 1975, pág. 20 e Manual…, II, cit., págs. 224 e ss.; GOMES CANOTILHO, Constituição dirigente e vinculação do legislador, Coimbra, 1982, págs. 277 e segs.; MENEZES CORDEIRO, Princípios Gerais de Direito, in Polis, 4, 1986, págs. 1490 e ss.; RUI MACHETE, Os princípios estruturais da Constituição de 1976 e a próxima revisão constitucional, in Revista de Direito e Estudos Sociais,1987, págs. 355-356; OLIVEIRA ASCENSÃO, op. cit., págs. 401 e ss.

[11] MENEZES CORDEIRO, op.cit., loc. cit., pág. 1491.

[12] Cfr. Manual…, IV, 2.ª ed., Coimbra, 1993, págs. 307-308.

[13] Cf., por todos, DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 4.ª ed., Lisboa, 1972, págs. 181 e ss.

[14] Ou, por causa disso, se se preferir.

[15] Sobre o princípio da igualdade na recente doutrina portuguesa, v. CASTANHEIRA NEVES, O instituto dos “assentos” e a função jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra, 1983, págs. 118 e segs.; JOÃO MARTINS GLARO, O princípio da igualdade, in Nos Dez Anos da Constituição, obra colectiva, Lisboa, 1987, págs. 31 e ss.; MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, Princípio da igualdade – fórmula vazia ou “carreada” de sentido, Lisboa, 1987 (separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358); FERNANDO ALVES CORREIA, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, págs. 393 e ss.; JORGE MIRANDA, Manual…, IV, págs. 198 e ss.; MARTIM DE ALBUQUERQUE, Da igualdade – Introdução à Jurisprudência, Coimbra, 1993; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., págs. 124 e ss.

A bibliografia noutros países é imensa, como se sabe.

[16] Sobre a distinção entre estas duas categorias de direitos, v. Manual…, VI, cit., págs. 92 e ss.

[17] V. a análise de DWORKIN, Taking rights seriously, 1977, 5.ª reimpressão, Londres, 1987, págs. 223 e ss.

[18] Como dizia o art. 5º da Constituição de 1933.

[19] O Direito é proporção: MICHEL VILLEY, Le Droit et les Droits de l’Homme, Paris, 1983, págs. 97 e ss.

[20] Cf., por todos, XAVIER PHILIPPE, Le contrôle de porportionnalité dans les jurisprudence constitutionelle et administrative française, Paris, 1990; ALVES CORREIA, op. cit., págs. 441 e segs.; GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 382 e ss.

[21] Recordem-se os art.os 18º, n.º 2, 19º, n.º 4 e n.º 8, 30º, n.º 5, 267º, n.º 3, 270º e 272º, n.º 2.

[22] Cf., por exemplo, AUGUSTO CERRI, L’Eguaglianza nella Giurisprudenza della Corte Costituzionale, Milão, 1976; WALTER F. MURPHY e JOSEPH TANNENHAUS, Comparative Constitutional Law – Cases and Commentaries, Nova Iorque, 1977; CHARLES LEBEN, Le Conseil Constitutionnel et le principe d’égalite devant la loi, in Revue du droit public, 1982, págs. 295 e ss.; FRANCISCO RUBIO LORENTE, La igualdad en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional. Introdución, in Revista Espanola de Derecho Constitucional, 1991, págs. 9 e ss.

[23] Cf. CASALTA NABAIS, Les droits fondamentaux dans la jurisprudence du Tribunal Constitutionnel, in La Justice Constitutionnelle au Portugal, obra colectiva, Paris, 1989, págs. 245 e ss.

[24] Parecer n.º 1/76 da Comissão Constitucional, de 14 de Dezembro de 1976, in Pareceres, I, pág. 11.

[25] Parecer n.º 8/79, de 27 de Maio de 1979, ibidem, VII, pág. 356.

[26] Parecer n.º 26/82, de 28 de Julho de 1982, ibidem, XX, págs. 223-224.

[27] Acórdão n.º 458, de 25 de Novembro de 1982, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, Abril de 1983, págs. 335 e 336.

[28] Acórdão n.º 14/84 do Tribunal Constitucional, de 8 de Fevereiro de 1984, in Diário da República, 2.ª série, n.º 108, pág. 4189.

[29] Acórdão n.º 44/84, de 22 de Maio de 1984, in Diário da República, 2.ª série, n.º 159, págs. 6156-6157.

[30] Acórdão n.º 76/85, de 6 de Maio de 1985, ibidem, 2.ª série, n.º 131, de 8 de Junho de 1985, pág. 5365.

[31] Acórdão n.º 80/86, de 12 de Março de 1986, ibidem, 1.ª série, n.º l3, de 9 de Junho de 1986.

[32] Acórdão n.º 400/91, de 30 de Outubro de 1991, in Diário da República, l.ª série-A, n.º 263, de 15 de Novembro de 1991.

[33] Acórdão n.º 806/93, de 30 de Novembro de 1993, in Diário da República, 2.ª , série, n.º 24, de 29 de Janeiro de 1994, págs. 885 e 885-886.

[34] Acórdão n.º 231/94, de 9 de Março de 1994, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 98, de 28 de Abril de 1994, págs. 2056 e 2057.

[35] E, mais tarde, através do Decreto-lei n.º 58/92/M, a antigos conservadores.

[36] Cf. ANTÓNIO VITORINO, Preâmbulo e Nota Justificativa, in A Feitura das Leis, obra colectiva (Instituto Nacional de Administração). II. 1986, págs. 123 e ss.

[37] MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, op. cit., págs. 24 e 26-27.

[38] Cf., por todos, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, A Justiça e a Comunidade em Macau: problemas sociais, a Administração pública e a organização comunitária no contexto da transição, in Administração, 1991, págs. 447 e ss.

[39] Sobre a liberdade de trabalho e profissão, v. Manual…, IV, págs. 432 e ss. e autores citados.

[40] Art. 145º, § 3.º da Carta Constitucional; art. 23º, § 3.º da Constituição de 1835; art. 3º, § 26º da Constituição de 1911; art. 8º, n.º 7 da Constituição de 1933.

[41] Cf. ROGÉRIO SOARES, A Ordem dos Advogados – Uma Corporação Pública, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3809, Dezembro de l991, págs. 228 e ss.; JOÃO PACHECO DO AMORIM, A liberdade de escolha da profissão de advogado, Coimbra, 1992, págs. 27 e ss.; JORGE MIRANDA, Manual …, IV, cit., págs. 441-442; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 263.

[42] Sobre a distinção entre restrições e condicionamentos de direitos, liberdades e garantias, v. VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, págs. 229 e ss. e 329-330; e Manual…, IV, cit., pág. 297.

[43] Cf. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 265.

[44] As medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, não se baseando em qualquer razão constitucionalmente imprópria, pelo que se impõe a sua consonância com o sistema jurídico constitucional. A ratio legis deve adequar-se aos objectivos prosseguidos pela Constituição. Não se podem criar situações de desigualdade à margem dos princípios e objectivos constitucionais no seu conjunto (MARTIM DE ALBUQUERQUE, op. cit., pág. 337).

[45] Cf. o debate sobre a aprovação da “Declaração Conjunta”, in Diário da Assembleia da República, 5.ª legislatura, l.ª sessão legislativa, l.ª série, n.º 20, reunião de 11 de Dezembro de 1987, págs. 684 e ss.; LAZAR FOCSANEANU, La déclaration conjointe sino-portugaise sur Macao, in Revue Generale de Droit International Public, 1987, pág. 1279 e ss.

[46] V. MACEDO DE ALMEIDA, Os grandes desafios da localização da justiça em Macau, in Administração, 1992, págs. 703 e ss., maxime 704: a política de justiça a desenvolver pela administração portuguesa até 1999 não pode deixar de ser balizada pela ideia mestra de garantir a futura autonomia legislativa, administrativa e judicial do Território, criando um sistema global de justiça dotado de vitalidade e auto-suficiência, capaz de se manter operacional após a transferência de poderes para a República Popular da China.

[47] Cf. também GARY C. NGAI, Reforma política e jurídica em Macau e Lei Básica, in Administração, 1988, págs. 209 e ss.; FRANCISCO GONÇALVES PEREIRA, Declaração Conjunta, Modelo de Transição e Reforma da Administração, ibidem, 1991, págs. 71 e ss.; CHIO IN FONG, A localização das leis de Macau – Reflexão e perspectiva, ibidem, 1992, pág. 729 e ss.

[48] O que se diz do sistema judicial vale, por identidade de razão, para o sistema de ensino (do primário ao superior) e para o sistema administrativo (sobre este, v. MANUEL GAMEIRO, Localização: enquadramento para um debate fundamental, in Administração, 1988, págs. 681 e ss.).

Texto publicado na edição de ‘O Direito’ de Junho de 1995.

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