No dia 23 de Setembro realizar-se-ão eleições para a Assembleia Legislativa de Macau. Será a sétima legislatura após a aprovação, em 1976, do Estatuto Orgânico de Macau.
Com o advento do regime democrático em Portugal, em 25 de Abril de 1974, a Constituição aprovada em 1976 define, no artigo 5.º, n.º 4, no texto originário da Constituição de 1976 – artigo 292.º após a revisão constitucional de 1989 – Macau como um território sob administração portuguesa que se rege por estatuto adequado à sua situação especial.[1]
Tendo em conta a situação especial de Macau, a Constituição portuguesa remeteu a organização política e administrativa do Território para um estatuto próprio.
O artigo 21.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico dispunha:
«A Assembleia Legislativa é composta por 23 deputados, designados de entre cidadãos com capacidade eleitoral, da seguinte forma:
a) Sete nomeados pelo Governador de entre residentes de reconhecido mérito e prestígio na comunidade local;
b) Oito eleitos por sufrágio directo e universal;
c) Oito eleitos por sufrágio indirecto».
Eleições por sufrágio directo
Ano | Eleitores inscritos | Votantes | Abstenção |
1976 (B.O. n.° 29, 17/7/76) | 3.647 | 2.846 | 21.96% |
1980 (B.O. de 8/10/80) | 4.195 | 2.600 | 38.02% |
1984 (B.O. de 25/8/84) | 51.454 | 28.970 | 43.70% |
1988 (B.O. n.° 42, 18/10/88) | 67.492 | 20.049 | 70.29% |
1992 (B.O. n.° 39, 30/9/92) | 48.137 | 28.526 | 40,74% |
1996 (B.O. n.° 41, 7/10/96) | 116.445 | 75.093 | 35.51% |
2001 (B.O n.º 41, 8/10/01) | 159.813 | 83.644 | 47.66% |
População em milhares
1984 | 390.8 |
1986 | 423.2 |
1988 | 443.5 |
2001 | 440.0 |
Nas eleições de 1984 verificou-se um aumento significativo do número de eleitores inscritos. O recenseamento eleitoral tinha o seguinte enquadramento:
O Decreto-Lei n.º 4/76/M, de 31 de Março, aprovado pelo Governador Garcia Leandro, dispunha no artigo 2.º, sob a epígrafe (capacidade eleitoral), que «são eleitores da Assembleia Legislativa:
a) os cidadãos portugueses de ambos os sexos, maiores de 18 anos, completados à data do encerramento eleitoral, que tenham residência habitual no território eleitoral;
b) os cidadãos chineses que reúnam as condições da alínea anterior e tenham residência habitual no território eleitoral há mais de cinco anos à data do recenseamento.»
O Decreto-Lei n.º 9/84/M, de 27 de Fevereiro, aprovado pelo Governador Almeida e Costa, que regula o recenseamento para as eleições da Assembleia Legislativa e do Conselho Consultivo, previa no artigo 4.º, n.º 1 que seriam eleitores todos os cidadãos maiores de 18 anos, residentes em Macau, independentemente do número de anos de residência.
São colocados, «em pé de igualdade, os cidadãos de nacionalidade portuguesa e os cidadãos de outras nacionalidades, nomeadamente os chineses». O direito de voto é, substancialmente, alargado.
A Lei n.º 10/88/M, de 6 de Junho revogou o D.L. n.º 9/84/M, de 27 de Fevereiro, e era mais restritiva no que respeita à capacidade eleitoral, uma vez que, relativamente às pessoas singulares, passou a ser exigido, como é destacado no preâmbulo do diploma, um período consecutivo de três anos de residência no Território.
Alterações na composição da Assembleia Legislativa
Na legislatura, 1984/1988, foram eleitos, por sufrágio directo, Carlos Assumpção, Manuel de Mesquita Borges, Lau Cheoc Vá, Leonel Alves, Alberto Dias Ferreira e Alexandre Ho: uma maioria de portugueses locais ou radicados.[2]
Nas eleições de 1988, quarta legislatura, foram eleitos, pela primeira vez, por sufrágio directo, os seguintes deputados: Alexandre Ho, Carlos Assumpção, Leong Kam Chun, Kuong Po, Wong Cheong Nam e Leonel Alves. Uma maioria de pessoas de etnia chinesa.
A vitória da lista «Associação de Amizade» de Alexandre Ho, que obteve 8.245 votos – 44,59%, talvez indiciasse uma evolução política do eleitorado porque se traduziu numa vitória de uma lista não «tradicional» face a uma lista «institucional».
Mas nas eleições de 1992, Ng Kuok Cheong da lista «Associação para um novo Macau Democrático» foi eleito obtendo 3.412 dos votos: 12,39%. Ng Kuok Cheong trabalha na Cáritas e foi considerado um candidato pró-democracia, referindo o jornal «Hong Kong Standard», na edição de 21/9/92, que a Associação que representava teve origem no movimento de 4 de Junho na China.
Alexandre Ho que concorreu como cabeça de lista da «Associação de Amizade» obteve, apenas, 1.965 votos.
Nas eleições de 1996, Alexandre Ho, não obteve o número de votos suficientes para ser eleito: 1.690.
Alexandre Ho é, actualmente, presidente do Conselho de Consumidores.
Nas eleições de 1996, Ng Kuok Cheong foi eleito obtendo 6.631 votos.
Desta forma tem sido assegurada a presença, na Assembleia Legislativa, de uma lista não «tradicional».
Continuidade política
A actual presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou, natural de Xangai, foi eleita, em 1976, por sufrágio directo na lista da Associação para a Defesa dos Interesses de Macau liderada por Carlos d`Assumpção. Em 1988 foi eleita deputada por sufrágio indirecto. Em 1992 concorreu às eleições directas tendo sido eleita pela lista Unidade para o Futuro de Macau. Em 1996 foi eleita deputada por sufrágio indirecto pelo colégio eleitoral dos interesses empresariais.
O actual Chefe do Executivo Edmundo Ho foi eleito por sufrágio indirecto em 1988. O pai Ho Yin foi em 1976 e 1980, primeira e segunda legislatura, deputado nomeado pelo Governador. Ho Yin liderou a comunidade chinesa nos acontecimentos do «1, 2, 3» em 1968.
Ma Man Kei, politicamente reconhecido por Pequim, foi eleito por sufrágio indirecto em 1976, 1980, 1984 e 1988
Eleições por sufrágio indirecto
Foi referido, anteriormente, que o artigo 21.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico dispunha que dos 23 deputados que constituem a Assembleia Legislativa, oito eram eleitos por sufrágio indirecto.
Os deputados eleitos por sufrágio indirecto foram, desde 1976, maioritariamente membros da comunidade chinesa.
Deputados nomeados
O artigo 21.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico dispunha que dos 23 deputados que constituem a Assembleia Legislativa, sete eram nomeados pelo Governador de entre residentes de reconhecido mérito e prestígio na comunidade local.
Os deputados nomeados pelo Governador foram, desde 1976, maioritariamente portugueses radicados e macaenses.
As próximas eleições no dia 23 de Setembro de 2001
As eleições para a sétima legislatura são as primeiras após a transferência da administração portuguesa para a chinesa e a constituição da Região Administrativa Especial de Macau em 20 de Dezembro de 1999.
Estatísticas demográficas dos Serviços de Estatística e Censos, relativas ao 2.º trimestre de 2001, estimam a população de Macau em 440 mil pessoas.
O Território rege-se agora pela Lei Básica, que prevê uma evolução do número de deputados eleitos por sufrágio directo: nas próximas eleições serão 10 em vez dos actuais oito; em 2005 passarão a 12 e em 2009 a composição pode mesmo ser alterada de acordo com o ponto 3 do Anexo II da Lei Básica.
Ao sufrágio directo concorrem 15 listas num total de 96 candidatos.
Para os 10 lugares no sufrágio indirecto concorrem exactamente dez candidatos, que serão escolhidos por 625 associações sócio-profissionais agrupadas em quatro colégios eleitorais:
Interesses Sociais
|
Até 1999
|
2001
|
Acréscimo
|
Empresariais
|
30
|
53
|
77%
|
Laborais
|
50
|
54
|
8%
|
Laborais
|
28
|
44
|
57%
|
Assistenciais
|
79
|
148
|
87%
|
Culturais
|
21
|
85
|
305%
|
Educacionais
|
12
|
21
|
75%
|
Desportivos
|
56
|
220
|
293%
|
Total
|
276
|
625
|
126%
|
Participação portuguesa
Às eleições por sufrágio directo concorrem a «Nova Esperança» e a «Macau Sempre» cujos cabeças de lista são portugueses: José Pereira Coutinho e António Freitas.
José Pereira Coutinho é o actual presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau e António José de Freitas é provedor da Santa Casa da Misericórdia.
A lista «Convergência Para o Desenvolvimento de Macau» tem como cabeça de lista David Chau, sendo o n.º 2 Jorge Fão. Jorge Fão foi presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau.
Nas eleições de 1996 a então presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, Rita Santos, foi a nº 2 da lista de David Chau, um empresário ligado aos casinos.
Nas eleições de 1996, as últimas realizadas sob administração portuguesa, não foi eleito, por sufrágio directo, nenhum deputado português. A «Macau Sempre», cujo presidente é, actualmente, Leonel Alves, obteve então 2.100 votos. Este número de votos teria possibilitado a eleição do cabeça de lista da «Macau Sempre», Carlos Marreiros, caso o universo eleitoral se restringisse aos 48.137 eleitores inscritos para as eleições legislativas de 1992. Em 1992 foi eleito, directamente, Alberto Noronha, cabeça de lista e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau.
Nas eleições por sufrágio indirecto a presença portuguesa limita-se ao advogado Leonel Alves, uma vez que Anabela Richie, que foi presidente da Assembleia Legislativa, não reuniu apoios necessários entre as associações sócio-profissionais.
Nas eleições de 1996 e de 2001 verifica-se uma certa estabilidade no que respeita ao local de nascimento dos eleitores. Em 1996, os naturais de Macau inscritos como eleitores representavam, apenas, 31.4% do total dos 116.445 eleitores inscritos, enquanto que 58.9% tinham nascido na China. Entretanto do total dos eleitores referidos, 59.17% possuíam a nacionalidade chinesa e 34.66% a nacionalidade portuguesa.
Nas eleições de 23 de Setembro de 2001 os naturais de Macau representam 32,58% e os naturais da China 58,09%.
Eleitos por sufrágio indirecto estão também Tong Chi Kin e Fong Chi Keong que, em eleições anteriores, concorreram e foram eleitos no sufrágio directo.
Resultados eleitorais
Mandatos atribuídos a cada lista – Sufrágio directo*
Listas Concorrentes
|
Votos
1996 |
Votos
2001 |
Mandatos
1996 |
Mandatos
2001 |
Macau Sempre- Eleitoral
|
2.100
|
1.569
|
—
|
—
|
Associação “Junto do Povo”
|
—
|
2.216
|
||
Nova Esperança
|
4.551
|
|||
Voz de Classe Média de Macau
|
877
|
|||
Associação de Novo Macau Democrático
|
6.631
|
16.961
|
2
|
|
Associação dos Empregados e Assalariados
|
5.170
|
|||
Associação de Direitos de Cidadãos
|
237
|
|||
Associação de Promoção de Cultura Recreativa e Turística de Macau
|
2.360
|
|||
União dos Operários
|
700
|
|||
Associação Promotora da Juventude Hou In Chio Ieong
|
850
|
|||
Associação Pela Democracia e Bem- Estar Social de Macau
|
1.250
|
|||
União Para O Desenvolvimento
|
10.525
|
12.990
|
2
|
|
Convergência Para o Desenvolvimento de Macau
|
7.439
|
10.016
|
2
|
|
União Promotora Para O Progresso**
|
11.045
|
11.276
|
2
|
|
Associação para Reforma Socio-Económica de Macau
|
9.955
|
1
|
* A ordem das listas é a que resulta das eleições de 2001. Desta forma as listas que tendo concorrido em 1996 não concorreram em 2001 não se encontram referenciadas.
** A lista União Promotora Para o Progresso denominava-se, em 1996, UNIPRO.
Ng Kuok Cheong da lista «Associação para um novo Macau Democrático» venceu claramente as eleições. Contudo a eleição de dois deputados não alterou os equilíbrios existentes na Assembleia. O campo «tradicional» que concorreu em duas listas elegeu quatro deputados. A União Para o Desenvolvimento agrega o voto dos operários e a União Promotora para o Progresso agrega o voto dos «Kai Fong» que representam as Associações de Moradores e os eleitores de condição económica mais desfavorecida.
Por outro lado, o campo «tradicional» reforçou a sua presença na Assembleia através das eleições por sufrágio indirecto. Tong Chi Kin, Fong Chi Keong que, nas eleições anteriores foram eleitos no sufrágio directo, permanecem na A.L.
A presença portuguesa foi assegurada com a eleição de Jorge Fão, n.º dois da lista «Convergência para o Desenvolvimento de Macau» cujo cabeça de lista foi David Chau.
A lista da Associação dos Trabalhadores da Função Pública, liderada por José Pereira Coutinho, obteve 4.552 votos ficando muito próxima de eleger um deputado.
Como se pode verificar no quadro respectivo houve um aumento do número de eleitores inscritos, mas a abstenção também aumentou.
Nestas eleições houve a substituição do cartão de eleitor num processo muito bem organizado pelos SAFP. Os eleitores sem demoras nem bichas trocaram os seus cartões. Cerca de 30.000 eleitores não levantaram o novo cartão. No entanto, era possível aos eleitores, portadores de cartões antigos, votarem através de uma credencial emitida elos SAFP. Um número insignificante de eleitores utilizou a credencial.
Uma leitura da abstenção deve ter em conta este, bem como outros factos. Macau tem uma população com grande mobilidade. Em anos anteriores houve muitos trabalhadores de Macau que emigraram para trabalhar em Taiwan. Por outro lado houve eleitores que, com a passagem de Administração portuguesa para a chinesa em Dezembro de 1999, emigraram e não cancelaram a sua inscrição nos cadernos eleitorais.
O Chefe do Executivo, através da Ordem Executiva n.º 40/2001, publicada em Suplemento ao Boletim Oficial n.º 41/2001, I Série de 11 de Outubro de 2001, nomeou sete deputados à segunda Assembleia Legislativa da RAEM: Ho Teng Iat; Au Chong Kit aliás Stanley Au; Philip Xavier; Vong Hin Fai; Cheong Vai Kei; José Manuel de Oliveira Rodrigues e Tsui Wai Kwan.
Não foi nomeado deputado, como na primeira Assembleia Legislativa da RAEM, João Leão.
Evolução eleitoral
Como referimos, anteriormente, a Lei Básica prevê uma evolução do número de deputados eleitos por sufrágio directo: nestas eleições foram 10 em vez de oito; em 2005 passarão a 12 e em 2009 a composição pode mesmo ser alterada de acordo com o ponto 3 do Anexo II da Lei Básica.
Na campanha eleitoral a eventualidade de, em 2009, nas eleições para a A.L. os deputados serem, totalmente, eleitos por sufrágio directo não mereceu o apoio incondicional de políticos como Leonel Alves e Jorge Fão.
Outra questão que se coloca é a operacionalidade da Assembleia. A maioria das leis aprovadas resulta de projectos apresentados pela administração uma tendência que já se verificava anteriormente. Os deputados exercem em regime de part-time.
Notas
1 O Estatuto Orgânico aprovado pela Lei n.º 1/76, de 17 de Fevereiro, foi alterado pela Lei n.º 23-A/96, pela Lei n.º 53/79, de 14 de Setembro, e substancialmente pela Lei n.º 13/90, de 10 de Maio. Deixou de vigorar após a transferência da administração portuguesa para a China.
2 Uma análise circunstanciada sobre as eleições, no período entre 1976 e 1988, pode ler-se em «Preliminares do Estudo da Ciência Política», Vitalino Canas, ed. «Publicações O Direito», pg. 209 e ss.
06 de Setembro de 2001