Consumo

A Responsabilidade do Produtor nos Ordenamentos de Portugal e da República Popular da China (RPC)

A Venda de Bens de Consumo, Garantias e Inversão do Ónus da Prova

José Gabriel Mariano

Abordámos nos dois últimos textos[1] o conceito de consumidor em diferentes ordens jurídicas. Apesar de algumas diferenças em certos aspetos relevantes, podemos optar por afirmar que consumidores são os seres humanos. Nós todos, seres viventes e pensantes. Racionalidade consumista por excelência que consomem tudo aquilo que permitir-lhe-á manterem-se vivos. Sobreviver e viver, adquirindo, comprando bens e serviços com sentido não profissional e não lucrativo. O consumo é material e imaterial; físico e corpóreo, intelectual e espiritual. Bastantes exacerbam, ultrapassando todos limites, consumindo muito acima do necessário, do aconselhável, do razoável à constituição e manutenção digna de suas vidas, com eventual prejuízo para si próprios e/ou terceiros.

O ser humano é um consumidor por excelência, mas para poder continuar a manter a sua qualidade estatutária e marca civilizacional precisa de também produzir, fabricar, transformar, distribuir, vender, para depois voltar a fazer o percurso, talvez em outras dimensões da História, antes que consuma todo o planeta Terra.

Ora, é esta a questão que iremos tratar nas linhas que se seguem, abordando naquilo que conseguimos tocar em cada ordenamento jurídico-legal – Portugal e RPC – sobre o produtor e sua adjacente responsabilidade, a venda de bens de consumo, garantias a elas relativas, como também a inversão do ónus da prova nas relações de consumo.

Identificaremos quem é

1. Produtor, o que se define por

2. Produto, bem como o que é

3. Defeito e produto defeituoso,

4. Da indemnização.

5. Da venda de bens de consumo, protegida por

6. Garantias a ela relativas, integrada no

7. Regime legal da inversão do ónus da prova.

Portugal

1. São os seguintes diplomas legais que regulam a responsabilidade do produtor[2] em Portugal: DL n.º 131/2001, de 24/04 que alterou o DL n.º 383/89, de 06/11.

2. Sobre a venda de bens e garantias[3] é o DL n.º 67/2003, de 08/04, alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21/05.

1)

Transpondo para a ordem jurídica interna de Portugal a Diretiva n.º 85/374/CEE, do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros em matéria da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, a lei portuguesa consagra o princípio fundamental de responsabilidade objetiva do produtor: DL n.º 383/89, de 06/11. “É a solução preconizada pela doutrina como a mais adequada à proteção do consumidor na produção técnica moderna, em que perpassa o propósito de alcançar uma justa repartição de riscos e um correspondente equilíbrio de interesses entre o lesado e o produtor”.

De acordo com o diploma legal regulador, a tutela eficaz do lesado justifica:

“a) A noção ampla de produtor;

1. Produtor, o que se define por

2. Produto, bem como o que é

3. Defeito e produto defeituoso,

4. Da indemnização.

5. Da venda de bens de consumo, protegida por

6. Garantias a ela relativas, integrada no

7. Regime legal da inversão do ónus da prova.

De acordo com o diploma legal regulador, a tutela eficaz do lesado justifica:

“a) A noção ampla de produtor;

b) A solidariedade de vários responsáveis;

c) A não diminuição da responsabilidade do produtor pela intervenção de terceiro que tenha contribuído para causar o dano;

d) A inderrogabilidade do regime da responsabilidade;

e) A preservação da responsabilidade decorrente de outras disposições legais.

O intuito de não agravar demasiado a posição do produtor leva a que a responsabilidade objectiva não seja absoluta e explica:

a) O elenco de causas de exclusão da responsabilidade, de que faz parte o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, não se tendo usado da faculdade concedida pela directiva de introduzir a responsabilidade pelos chamados riscos do desenvolvimento;

b) O limite máximo da responsabilidade global pelos danos pessoais em série, de acordo com a nossa tradição jurídica, num montante equivalente ao mínimo consentido pela directiva, e apesar de esta não admitir um limite ao ressarcimento de cada lesado;

c) O prazo de prescrição de três anos, bem como o prazo de caducidade de 10 anos.

Saliente-se, por último, que este diploma não se aplica aos produtos agrícolas naturais que não tenham sofrido qualquer transformação, aos acidentes nucleares e aos produtos postos em circulação antes da sua entrada em vigor”.

Iniciando com o conceito de produtor que é considerado, nos termos do DL n.º 383/89, art.º 2, “(…) o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo”.

Ainda, no seu nº 2, alínea a), considera-se também produtor “Aquele que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua actividade comercial, importe do exterior da mesma produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição”, sendo responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação, nos termos do artigo 1º.

Entende o legislador por produto, de acordo com o artigo 3º, qualquer coisa móvel, ainda que incorporada noutra coisa móvel ou imóvel sendo este, nos termos do artigo 4º, defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação. Contudo, não é considerado defeituoso um produto pelo simples facto de posteriormente ser posto em circulação outro mais aperfeiçoado.

De acordo com o artigo 8.º do diploma em apreço, “São ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino”, sendo que a prescrição opera quando, nos termos do artigo 11.º “O direito ao ressarcimento prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do dano, do defeito e da identidade do produtor”. Pelo que a caducidade, nos termos do artigo 12.º, acontece no percurso temporal daquele direito, salvo se estiver pendente ação intentada pelo lesado, decorridos que forem 10 anos sobre a data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano.

2)

Transpondo para o ordenamento jurídico português da Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, que tem por objetivo a aproximação das disposições dos Estados membros da União Europeia sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, o DL n.º 67/2003, de 08/04 procede a aprovação de um novo regime jurídico para a conformidade dos bens móveis com o respetivo contrato de compra e venda, celebrado entre profissional e vendedor. Neste, nos termos do artigo 9.º, prevê-se a figura da garantia voluntária que é a declaração pela qual o vendedor, o fabricante ou qualquer intermediário promete reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo da coisa defeituosa vincula o seu autor nas condições constantes dela e da correspondente publicidade, sendo que a mesma, n.º 2, deve ser entregue ao consumidor por escrito ou em qualquer outro suporte duradouro a que aquele tenha acesso.

De acordo com o artigo 2.º, relativamente à conformidade com o contrato, “O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”, presumindo-se “que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:

a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;

b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;

c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;

d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem”.

Pela entrega do bem, como também durante o processo negocial do ato contratual de venda, impende sobre o vendedor o ónus legal de provar que cumpriu o contrato no que respeita à qualidade, conformidade e/ou defeito da coisa vendida, quando nos termos do artigo 3.º do referido diploma determina que “O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue” sendo que “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade, consagrando-se, deste modo, no ordenamento jurídico português, nesta área legal, o regime legal da inversão do ónus da prova.

República Popular da China (RPC)

A Lei da Qualidade do Produto da República Popular da China entrou em vigor a 1 de setembro de 1993, alterada depois em 2000, doravante designada por LQP.

Nos termos do artigo 1º, a lei foi formulada com o intuito de reforçar a supervisão e a regulação da qualidade dos produtos, melhorar a sua qualidade, proteger os direitos e interesses legítimos dos consumidores e salvaguardar a ordem social e económica chinesa, aplicando-se a todas atividades de produção e comercialização no território da República Popular da China, onde os produtores e vendedores são responsáveis pela qualidade do produto. Artigos 2º e 4º.

Deve entender-se a presente lei da qualidade do produto relacionada com a lei de proteção dos direitos e interesses do consumidor da China, uma vez que existem remissões pertinentes. Ambas são leis que existem intrínseca e complementarmente no escopo da proteção dos direitos e interesses do consumidor. De acordo com os artigos 16º e 40 da Lei de Proteção do Consumidor (LPC), remetendo para as normas da presente lei – LQP – a sua regulação, os operadores de negócios, empreendedores ou empresas devem, no seu fornecimento de mercadorias e serviços aos consumidores, cumprir as obrigações nela estipuladas, sobre a qualidade dos produtos e outras leis e regulamentos relativas em causa. Como também responsabiliza o operador de negócios por responder civil e judicialmente perante o consumidor, se as mercadorias e os serviços que fornecem não respeitarem as disposições legais sobre qualidade dos produtos, nomeadamente produção, apresentação e comercialização de produtos defeituosos.

Vejamos a figura do operador de negócios prevista no ordenamento jurídico chinês. Deve, pois, segundo a nossa opinião, ressalvando outra mais douta, entender-se na lei chinesa o operador de negócios, empreendedor, empresário ou empresa, como sendo o produtor, o fabricante, o transformador, o distribuidor, o intermediário, o liberal, o prestador de serviços, o comerciante, o vendedor.

No que concerne especialmente ao produtor – da mesma forma ao que respeita o consumidor, não há definição do sujeito –, o artigo 26º da LQP determina que o produtor é responsável pela qualidade dos produtos que eles produzem, enumerando de seguida os requisitos de qualidade que os mesmos devem obedecer. Elenca, entre os artigos 29.º e 32º as proibições a que os produtores estão sujeitos no desenrolar das suas atividades:

• Proibidos de produzir produtos eliminados de acordo com leis estaduais ou decretos.

• Não podem falsificar o local de origem ou falsificar ou utilizar os nomes e endereços dos outros produtores.

• Não podem falsificar ou utilizar as marcas de qualidade, tais como marcas de certificação e marcas de produtos de boa qualidade.

• Não podem adulterar os seus produtos nem apresentar produtos falsos como produtos genuínos ou de má qualidade como produtos normais ou não-normalizados.

Por sua vez, a LPC – artigo 3º – estipula que o operador de negócios deve, no seu fornecimento de mercadorias produzidas e vendidas por eles ou serviços aos consumidores, respeitar a presente lei, ou respeitar outras leis e regulamentos pertinentes na ausência de estipulações na presente. No mesmo sentido vai o artigo 16º, ressalvando, no entanto, a prioridade a dar-se ao acordo estabelecido entre operadores e consumidores, desde que respeite a Lei e os regulamentos.

Também ali, na LQP – à semelhança da lei do consumidor chinesa –, não se define produto, defeito ou produto defeituoso.

No entanto, os artigos 41º, 42º e 44º – em observação à LQP – tratam dos danos e lesões causados pela atividade produtiva e pelos produtos aos consumidores, obrigando os produtores a proceder a reparações, compensações e indemnizações, onde responsabilizam civil e penalmente os autores dos prejuízos provocados.

Nos termos do artigo 41º, os produtores são responsáveis pela indemnização dos danos causados à pessoa ou propriedade, excepto os próprios produtos defeituosos, devido aos seus óbvios defeitos.

Contudo, os produtores não serão responsabilizados se puderem provar que os produtos não foram colocados em circulação, se os defeitos são inexistentes nesse momento em que são colocados a circular e se os defeitos não são detetados no referido tempo, devido a razões de ordem científicas e tecnológicas.

Sobre a indemnização a prestar em caso de danos e prejuízos causados a terceiros consumidores, o artigo 43º determina se os danos, incluindo ofensas corporais e a morte, forem feitos a pessoa ou a propriedades alheias devido aos produtos defeituosos, as vítimas podem exigir uma compensação aos produtores. Se a responsabilidade depender dos vendedores e a compensação for paga pelos produtores, assiste a estes o direito de regresso perante aqueles, sendo que o período, legal de validade, nos termos do artigo 45º, para exigir-se a compensação referida é de dois anos, a partir da data em que as partes interessadas são consideradas notificadas ou deveriam ter conhecimento da questão.

No que concerne especialmente ao vendedor, este está vinculado a um série de deveres comerciais, tais como apresentação dos certificados de qualidade do produto e marcas, encontrando-se impelido a adoptar medidas para manter a qualidade dos produtos à venda, impedido por isso de adulterá-los ou falsificá-los (artigos 34º a 39º).

Quando estão em causa danos ou prejuízos causados no âmbito da atividade de venda aos consumidores, funcionando para estes como garantes e garantias obrigacionais no contrato de consumo de venda bens, os vendedores são responsáveis pela reparação, substituição ou restituição, como também pela compensação dos danos causados aos utilizadores finais ou aos consumidores se ocorrer um dos seguintes casos:

• Os produtos não têm a propriedade para o uso que devem ter e sem qualquer explicação adiantada;

• A qualidade dos produtos não está em conformidade com as normas ou com as normas especificadas nas embalagens;

• A qualidade dos produtos corresponde à qualidade enunciada na instrução de utilização ou com a qualidade das amostras fornecidas.

Os vendedores têm o direito a recuperar as perdas dos produtores ou dos fornecedores se deles for a responsabilidade ou de outros comerciantes que forneçam os produtos.

Assiste-lhes igualmente o direito de regresso perante o produtor. Caso existam disposições pertinentes nos contratos de comercialização ou de transformação entre produtores, comerciantes ou entre produtores e comerciantes, as partes nos contratos devem aplicar aquelas disposições contratuais.

Se os vendedores não cumprirem o dever de reparar, substituir, devolver ou compensar os danos previstos no primeiro parágrafo deste artigo, os departamentos de supervisão e controlo de qualidade ou as administrações para a indústria e o comércio devem ordenar para proceder-se ao cumprimento (artigo 40º).

Nos termos do artigo 42º, os vendedores são responsáveis pela indemnização se os danos causados à propriedade de terceiros forem provocados por defeitos resultantes da sua exclusiva responsabilidade.

Os vendedores são responsáveis se não puderem identificar os produtores ou os fornecedores dos produtos defeituosos, sendo que se os danos forem feitos a pessoa ou a propriedade alheia devido aos defeitos dos produtos, as vítimas podem exigir uma a compensação aos produtores ou aos vendedores. Caso a responsabilidade depender dos produtores e a remuneração for paga pelos vendedores, estes podem exigir o direito de regresso perante aqueles. Para exigir-se a compensação referida é igualmente, nos termos do artigo 45º, de dois anos, a partir da data em que as partes interessadas são consideradas notificadas ou deveriam ter conhecimento da questão.

Pela entrega do bem, como também durante o processo negocial do ato contratual de venda, julgamos nós, salvaguardando outra melhor opinião, impende sobre o vendedor o dever de provar que cumpriu o contrato no que respeita à qualidade, conformidade e/ou defeito da coisa vendida, quando do artigo 45º retira-se o entendimento de que sobre o vendedor, pela entrega do bem, como também durante o processo negocial do ato contratual de venda, impende o ónus legal de provar que cumpriu o contrato no que respeita à qualidade, conformidade e/ou defeito da coisa vendida, ao determinar que os operadores empresariais são responsáveis pela reparação, substituição ou restituição de mercadorias, se a reparação, substituição ou restituição de mercadorias for garantida por disposições do Estado ou acordadas entre operadores empresariais e consumidores, sendo que aqueles serão igualmente responsáveis pela substituição ou devolução de mercadorias, se estas ainda avariarem após serem reparadas duas vezes no prazo da reparação garantida.

APONTAMENTOS

A responsabilidade civil é o instituto jurídico adequado para repor a situação anterior, para impor o pagamento de uma indemnização quando alguém causa danos ou prejuízos a uma outra pessoa. Pelo que sempre que se aborde a problemática da reparação do dano, indemnização, perdas, ressarcimento, é na responsabilidade civil que deve pousar o seu enquadramento teórico e legal. O importante a reter é que sempre que uma pessoa não cumpra a assunção de uma obrigação, seja ela legal ou contratual, deverá ser responsabilizada e reparar o dano causado pelo incumprimento. É que não há responsabilidade civil sem dano.

No tema em questão, consagrando-se a responsabilidade civil objetiva do produtor, é possível demandar directamente o produtor sempre que este coloque no mercado e faça circular mercadoria defeituosa e que, por essa razão, cause danos ao consumidor. Há que atender ao facto de como a lei define produtor, produto e defeito. Na mesma medida é também de salientar os tipos de danos passíveis de ressarcimento, isto é, que danos são indemnizáveis, o prazo de 3 anos de prescrição para fazer valer o direito à indemnização, bem como o prazo de caducidade de 10 anos que impende sobre os produtos defeituosos causadores de danos postos em circulação pelo produtor.

É de referir o princípio da não derrogação aplicado à responsabilidade civil do produtor, no sentido de se proibir a sua exclusão ou limitação perante o lesado. Temos ainda a consagração da responsabilidade direta do produtor perante o consumidor, pela reparação ou substituição de coisa defeituosa, o que representa uma inovação muito expressiva introduzida pelo Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril.

Neste sentido e conforme vem referido no preâmbulo do agora citado diploma legal, “Trata-se, nesta solução, tão-só de estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor pelos defeitos de segurança, já hoje prevista no Decreto-Lei, de 6 de Novembro, com um regime de protecção do comprador que já existe em vários países europeus e para que a directiva que ora se transpõe também já aponta”.

Finalmente devemos, ainda, dar conta do ónus da prova, relativamente à existência do dano, do defeito do produto e do nexo de causalidade entre o defeito e o dano, impender sobre o consumidor lesado, o que parece, em nosso entender, uma solução desadequada face às novas realidades produtivas e comerciais, como pode observar-se através do Acórdão do STJ, 63/10.0YFLSB, 09-09-2010: “1.º – É escopo principal da responsabilidade civil do produtor a protecção adequada e eficaz do público utente ou consumidor em geral, exposto ao perigo e ao dano cuja fonte são os defeitos dos produtos postos em circulação.

2.º – O DL 383/89, de 6 de Novembro consagra o carácter objectivo da responsabilidade do produtor.

3.º – Neste regime – no da responsabilidade civil do produtor – a prova do defeito – tal como do dano e do nexo de causalidade entre aquele e este – cabe ao lesado.

4.º – Mas o lesado já não precisa de demonstrar a existência do defeito no domínio da organização e risco do produtor no momento em que o produto foi posto por este em circulação. Esta existência é presumida por lei, cabendo ao produtor ilidi-la, convencendo o Tribunal da probabilidade ou razoabilidade da inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação.

5.º (…).”

Ressalva-se a inversão do ónus da prova prevista pelo D.L. n.º 67/2003, sobre a venda de bens de consumo e garantias.

Conforme diz Ferreira de Almeida[4], “se com o princípio de efeito relativo se combinar a clássica exigência de culpa como fundamento da responsabilidade, cabendo ao lesado, na responsabilidade civil extracontratual, o ónus da prova dos seus requisitos, facilmente se verifica que o sistema redunda geralmente em efectiva desresponsabilização das empresas fornecedoras”.

DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PRODUTOR

• Da responsabilidade: os vários tipos de responsabilidade jurídica

Conforme afirma João Caupers[5], “O conceito jurídico de responsabilidade traduz sempre a ideia de sujeição às consequências de um comportamento. Trata-se de um conceito de base ética, que remete originariamente para uma relação causal entre a adopção consciente e voluntária de um comportamento lesivo de valores socialmente relevantes – e, por isso, merecedores de protecção – e as consequências reprováveis resultantes de tal comportamento. Naturalmente que, sendo o direito um sistema de ordenação de relações entre pessoas, tais consequências, para lá da censurabilidade, hão de se ter repercutido negativamente na esfera jurídica de alguém que não o seu próprio autor.

Consoante a natureza e a importância dos valores lesados pelo comportamento, podem conceber-se várias espécies de responsabilidade:

— a responsabilidade criminal ou penal, consequência da prática de um crime, uma conduta muito grave, por pôr em causa valores decisivos da vida em sociedade;

— a responsabilidade disciplinar, resultante de um ilícito desta natureza;

— a responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, decorrente de um prejuízo causado alguém”.

Assim apresentam-se três espécies de responsabilidade:

• Responsabilidade civil

• Responsabilidade penal

• Responsabilidade administrativa

Responsabilidade Civil

A nós interessa-nos, em especial e apenas, fazer uma breve referência ao conceito de responsabilidade civil, por ser pertinente à questão da responsabilidade do produtor, não abordando os outros dois tipos de responsabilidade, penal e administrativa.

Assim.

Ocorre responsabilidade civil quando alguém causa danos a outrem, ficando o causador dos danos obrigado a indemnizar a quem os sofreu. A responsabilidade civil consiste, pois, na obrigação de indemnizar.

Segundo Inocêncio Galvão Telles, a responsabilidade civil “consiste na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém. Trata-se de indemnizar os prejuízos de que esse alguém foi vítima. Fala-se de indemnizar porque se procura tornar o lesado indemne dos prejuízos ou danos, reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento causador destes (art. 562.º)”. A responsabilidade civil implica a culpa como fundamento do dever de reparar o dano. Não havendo culpa não há dever de reparar o dano, o que faz com que tenha de se provar o nexo de causalidade entre o dano e a culpa do agente. Em determinadas situações prevê-se a responsabilidade civil sem culpa. Isto é, existe o dever de indemnizar pelo dano causado, sem haver a necessidade de se provar a culpa do agente que o causou.

Os danos são patrimoniais ou não patrimoniais (morais).

A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva ou pelo risco. Também pode ser obrigacional ou extra obrigacional[6].

A responsabilidade obrigacional “supõe a falta de cumprimento de uma obrigação”. A extra obrigacional pressupõe “o dever de indemnizar prejuízos sofridos por outrem, mas não porque se tenha de cumprir uma obrigação anterior”[7]. Pressupõe três requisitos: a violação da lei, a inexistência de incumprimento e a obrigação de indemnizar por danos causados a alguém. Não existe uma relação contratual. A responsabilidade civil nasce, neste caso, não pelo facto do devedor faltar ao cumprimento de uma obrigação, violar um contrato preestabelecido, mas sim pelo facto de a lei responsabilizar alguém por outros motivos.

A responsabilidade subjetiva ou por factos ilícitos ocorre quando nasce da prática de um ato ilícito. É alguém que viola, com a sua conduta ilícita, um direito de uma pessoa. Para que haja conduta ilícita tem de haver uma atuação com dolo ou mera culpa (art.º 483.º, n.º 1, do Cód. Civil). A responsabilidade objetiva surge quando existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos em que, especificadamente, a lei assim o determinar (art.º 483.º, n.º 2). Há responsabilidade pelo risco quando alguém assume práticas vantajosas de conduta que envolvem potenciais perigos e riscos.

Conforme diz Galvão Telles[8], “concebe-se, ainda, que alguém responda pelos prejuízos doutrem em atenção ao risco criado pelo primeiro, mesmo que este proceda sem culpa ou até licitamente e mesmo que, inclusive, os danos não provenham de acto seu e sim de acontecimento natural ou de acto de terceiro ou de acto do próprio lesado”. A responsabilidade pelo risco é regulada pela lei (art.º 499 e ss).

O produtor e o consumidor. O mercado e a lei.

O Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro[9], alterado pelo Decreto-Lei n.º 131/2001, de 24 de Abril, e a Lei da Qualidade do Produto (LQP) da República Popular da China (RPC) são os diplomas reguladores da responsabilidade do produtor e da matéria relativa a produtos defeituosos, respetivamente em Portugal e na China. Conforme vem plasmado no preâmbulo do citado diploma português, “no artigo 1.º consagra-se o princípio fundamental de responsabilidade objectiva do produtor, desenvolvido nas normas sucessivas. É a solução preconizada pela doutrina como a mais adequada à protecção do consumidor na produção técnica moderna, em que perpassa o propósito de alcançar uma justa repartição de riscos e um correspondente equilíbrio de interesses entre o lesado e o produtor”.

Com a presente legislação portuguesa, decorrente de diretivas comunitárias, do mesmo modo que na legislação chinesa, procura-se incutir um espírito mais prudente ao produtor, no sentido deste reduzir os riscos da introdução no mercado de um seu produto, diminuindo, desta feita, possíveis defeitos.

Por sua vez na RPC, como já atrás foi referido, a lei foi formulada com o intuito de reforçar a supervisão e a regulação da qualidade dos produtos, melhorar a sua qualidade, proteger os direitos e interesses legítimos dos consumidores e salvaguardar a ordem social e económica, aplicando-se a todas as atividades de produção e comercialização em território chinês, onde os produtores e vendedores são responsáveis pela qualidade do produto.

Retiramos pois de ambos os ordenamentos jurídicos que o consumidor, atualmente, não mantém uma relação direta com o produtor, quer devido ao desenvolvimento e à especialização “quer mesmo por razões de repartição de competências dos riscos da actividade económica entre os diversos agentes, o que implica uma crescente separação entre a actividade produtiva e a comercialização”[10]. No mesmo sentido diz Pinto Monteiro[11], “a expressão responsabilidade do produtor procura fazer face a um problema candente da actualidade, em virtude de a automatização do processo produtivo, a produção em série, a distribuição em cadeia dos produtos, e o desmembramento da produção-comércio, virem conferir características específicas ao problema da responsabilidade pelos danos causados por coisas defeituosas ou perigosas”.

O vendedor, por sua vez, não é mais do que um intermediário para a distribuição de produtos. Neste ciclo económico, cabe ao produtor a posição dominante. A ideia de que só o vendedor é o responsável perante o consumidor está, hoje em dia, de acordo com as condições atuais de produção e de comercialização de bens, perfeitamente ultrapassada.

No sentido da responsabilização do produtor considera Calvão da Silva[12] que “responsabilizar directamente o produtor é fazer responder pelos danos resultantes de produtos defeituosos e perigosos circulantes no mercado a verdadeira contraparte, em sentido material e económico, do consumidor, ofuscando juridicamente o revendedor que desempenha papel economicamente apagado e irresponsável. Responsabilizar directamente o produtor é fazer deste a contraparte jurídica do consumidor – a que se eximira pela cisão entre a produção e o comércio -, como que reconstituindo uma operação económica unitária, cujos verdadeiros e substanciais pólos são produtor e o consumidor (…)”. Retira-se, deste modo, que a responsabilização direta do produtor pela apresentação ao mercado de produtos defeituosos, no confronto com o consumidor, é, nas possibilidades oferecidas pela lei, a melhor forma de permitir a reparação (indemnização). As funções reparadoras e preventivas da responsabilidade civil funcionam, pois, na sua plenitude.

Cumpre a função reparadora porque, conforme refere Mota Pinto[13], “(…) sendo o produtor o sujeito melhor colocado para fazer a análise custos / benefícios do produto – é ele que configura o produto e antevê os riscos e perigos conexos ao seu uso regular – é também o sujeito em melhores condições para fazer o seguro da responsabilidade civil derivada dos seus produtos, fazendo incluir os prémios nos preços de venda ao público”. Por outro lado, continua o mesmo autor, cumpre a função preventiva, uma vez que “(…) ao incidir sobre o que está na base do dano e que, portanto, pode provocar de novo eventos danosos, a responsabilidade funcionará como incentivo à sua redução e eliminação, estimulando um melhor controlo do risco e medidas preventivas (…)”.

O objetivo da lei tem a ver com o princípio social que pugna a ideia de que “(…) quem aproveita o resultado útil de certa actividade produtiva, deverá igualmente suportar os riscos que decorrem dessa mesma actividade”[14].

No âmbito da responsabilidade civil não ilícita ou objetiva do produtor em caso de existência de dano causado por um defeito do seu produto, sendo que hoje a lei permite a demanda direta do produtor por defeitos existentes nos produtos, é necessário delimitar as noções de produtor, produto e defeito.

A questão central relativamente aos produtos defeituosos é a sua segurança e não a sua aptidão para a realização do fim a que é destinado, sendo que deve importar:

1. A apresentação do produto no que concerne à sua informação, embalagem, etiquetagem, rotulagem;

2. A função que está prevista o bem;

3. O momento da entrada em circulação no mercado do produto, uma vez que não passa a ser considerado defeituoso um produto pelo facto de ser posto em circulação outro mais aperfeiçoado.

Nos termos do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 383/89[15] (alterado pelo Decreto-Lei n.º 131/2001, de 24 de Abril), “O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”. Quer isto dizer que, caso o consumidor sofra algum dano provocado por defeito do produto é-lhe facultada a possibilidade legal de demandar directamente o produtor que o colocou e o fez circular no mercado, independentemente de haver culpa deste.

Vejamos, primeiro, o que a jurisprudência portuguesa entende por consumidor, para depois relacionar, em termos jurisprudenciais, com o universo do produtor e dos produtos[16]:

O conceito de consumidor, constante da Lei n.º 29/81, de 22-08, da Lei n.º 24/96, de 31-07, do DL n.º 359/91, de 21-09, da Directiva 1999/44/CE, de 25-05, e do DL n.º 67/2003, de 08-04 (entretanto reformulado pelo DL n.º 84/2008, de 21-05) tem um sentido restrito, mas coincidente, em todos esses diplomas: consumidor é a pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados exclusivamente a uso não profissional, por pessoa (singular ou colectiva) que exerça com carácter profissional um actividade económica que vise a obtenção de benefícios.

É a finalidade do acto de consumo que determina, essencialmente, a qualificação do consumidor como sujeito do regime de benefício que aqueles diplomas legais regulamentam, partindo da presunção de que se trata da parte mais fraca, menos preparada tecnicamente, em confronto com um contratante profissional, necessariamente conhecedor dos meandros do negócio que exercita”.

Assim, de acordo com o determinado pelo art.º 1.º do DL 383/89, no âmbito da responsabilidade sem culpa do produtor ou da responsabilidade objetiva, não é necessário provar a negligência ou a culpa do produtor ou do importador. No entanto, depende do lesado fazer a prova do dano, do defeito e do nexo de causalidade entre defeito e dano, como bem vem ilustrado no seguinte Acórdão[17] quando conclui que “O A., na acção de responsabilidade civil dirigida contra o produtor, com vista a obter ganho de causa, terá de alegar e provar os seus elementos constitutivos, a saber: os danos, os defeitos e o nexo causal entre estes e aqueles.

Se, em relação aos danos e aos defeitos a produção de prova cai no âmbito da normalidade, já a prova do nexo causal se apresenta, na maior parte das vezes, como sendo muito difícil: perante isso, as regras da experiência de vida, o id quod plerumque accidit e a teoria da causalidade adequada poderão permitir a preponderância da evidência, uma espécie de causalidade na jurisprudência do STJ. Assim, cabe ao consumidor prejudicado o ónus de provar o dano, o defeito e o nexo de causalidade entre um e o outro”.

A tal conclusão chega-se através do art.º 4.º da Diretiva 85/374/CEE[18] e também através do estipulado no art.º 342, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Como também vem reforçado o mesmo entendimento no seguinte trecho do Acórdão do STJ[19] quando considera que “No âmbito do regime de responsabilidade civil do produtor (DL n.º 383/89, de 06-11, alterado pelo DL n.º 131/2001, de 24-04), é irrelevante o apuramento da culpa do produtor (trata-se de uma responsabilidade de índole objectiva) bem como, estando em causa danos resultantes de lesão corporal, o uso profissional ou privado dado ao produto perigoso; por seu turno, a culpa do lesado, qualquer que seja o seu grau, não determina, necessariamente, a exclusão da obrigação de indemnizar.

(…) Demonstrando-se que a escada foi vendida pela ré F sem instruções sobre a sua utilização, é de concluir pela inobservância do dever de informação, sendo que a actividade profissional desempenhada pelo autor é irrelevante para afastar a tutela legal de que este beneficia enquanto consumidor ou para determinar a responsabilidade civil da mesma ré”.

Como já foi observado supra, de acordo com a legislação chinesa (LQP), também há responsabilização pelos danos e lesões causados aos consumidores pela atividade do produtor e pelos produtos comercializados, obrigando os produtores a proceder a reparações, compensações e indeminizações, onde responsabilizam civil e penalmente os autores dos prejuízos provocados.

Essa poder-se-á entender como a regra geral ao nível das leis chinesa e portuguesa, no que toca à responsabilidade do produtor. No entanto, foi consagrada legalmente uma excepção à regra, prevista no art.º 2.º do D.L. n.º 67/2003, como igualmente na lei da RPC (LQP e LPC) as quais serão objeto de um pequeno desenvolvimento mais adiante[20].

Danos a indemnizar

I. “Apenas se considera consumidor para efeitos da Lei da Defesa do Consumidor aprovada pela L 24/96 de 31/7 (LDC) todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.

II. E especificamente no que tange às normas do DL 383/89 de 6/11 (Responsabilidade Civil do Produtor por Coisas Defeituosas) só são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao “uso ou consumo privado” e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.

III. A “ratio essendi” dessa última estatuição normativa é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilize a coisa destruída ou determinada pelo produto defeituoso para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, que não para um fim profissional ou um actividade comercial”[21].

Assim, podemos referir que “No âmbito do regime de responsabilidade civil do produtor (DL n.º 383/89, de 06-11, alterado pelo DL n.º 131/2001, de 24-04), é irrelevante o apuramento da culpa do produtor (trata-se de uma responsabilidade de índole objectiva) bem como, estando em causa danos resultantes de lesão corporal, o uso profissional ou privado dado ao produto perigoso; por seu turno, a culpa do lesado, qualquer que seja o seu grau, não determina, necessariamente, a exclusão da obrigação de indemnizar”[22].

Deste modo, para que seja possível imputar ao produtor a responsabilidade pelos danos causados por um produto com defeito e, ao mesmo tempo, definir-se a indemnização a atribuir ao consumidor lesado, necessário se torna identificar os danos que são indemnizáveis.

São, pois, passíveis de ressarcimento, segundo o art.º 8.º, os seguintes danos:

1. Aqueles que originaram a morte ou lesões corporais;

2. Aqueles causados em bens diferentes do produto defeituoso, desde que sejam destinados ao uso ou consumo privados e o lesado lhes tenha dado principalmente este destino.

Neste sentido, o Acórdão do STJ[23] ao considerar consumidor para efeitos da Lei da Defesa do Consumidor n.º 24/96 de 31/7 todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, transporta este conceito para o plano da relação com o produtor, especificamente no que tange às normas do DL 383/89 de 6/11 (Responsabilidade Civil do Produtor por Coisas Defeituosas) e entende que “só são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao “uso ou consumo privado” e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino”.

Entende o Acórdão que “A ratio essendi dessa última estatuição normativa é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilize a coisa destruída ou determinada pelo produto defeituoso para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, que não para um fim profissional ou um actividade comercial”.

Sendo várias as pessoas responsáveis pelos danos, a responsabilidade é considerada solidária. “Nas relações internas, deve atender-se às circunstâncias, em especial ao risco criado por cada responsável, à gravidade da culpa com que eventualmente tenha agido e à sua contribuição para o dano”. Havendo dúvida, a responsabilidade é repartida em partes iguais (art.º 6.º).

No que toca ao ressarcimento por danos não patrimoniais, apesar de não vir previsto no diploma em causa, tal não significa que esses danos não estejam acautelados legalmente. Deve, pois, recorrer-se ao Código Civil, nomeadamente ao seu art.º 496.º, n.º 1, por força do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 383/89, o qual dispõe que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito”.

Por sua vez, o art.º 10.º afirma o princípio da não derrogação da responsabilidade do produtor perante o consumidor lesado. Nos termos do artigo referido, “Não pode ser excluída ou limitada a responsabilidade perante o lesado, tendo-se por não escritas as estipulações em contrário”.

Apesar deste normativo, o Decreto-Lei em apreço prevê causas de exclusão da responsabilidade do produtor. Nos termos do art.º 5.º, o produtor não é responsável se provar:

“a) Que não pôs o produto em circulação;

b) Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação;

c) Que não fabricou o produto para venda ou qualquer outra forma de distribuição com um objectivo económico, nem o produziu ou distribuiu no âmbito da sua actividade profissional;

d) Que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas;

e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, no momento em pôs o produto em circulação, não permitia detectar a existência do defeito;

f) Que, no caso de parte componente, o defeito é imputável à concepção do produto em que foi incorporada ou às instruções dadas pelo fabricante do mesmo”.

O direito à indemnização deve ser exercido no prazo de três (3) anos a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do dano, do defeito e da identidade do produtor (art.º 11.º), caso contrário prescreve o direito. Por outro lado, a responsabilidade do produtor caduca no prazo de dez anos (10) a contar da data em que colocou o produto em circulação (art.º 12.º).

Da Venda de Bens de Consumo, Garantias e Inversão do Ónus da Prova

Nos termos do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, é aprovado um novo regime que se debruça sobre a conformidade dos bens móveis e imóveis (apesar de não constar no preâmbulo a expressão bens imóveis) com o respetivo contrato de compra e venda, celebrado entre profissional e consumidor. “Inovação bastante significativa consiste na consagração da responsabilidade directa do produtor perante o consumidor, pela reparação ou substituição de coisa defeituosa. Trata-se, nesta solução, tão-só de estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor pelos defeitos de segurança, já hoje prevista no Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, com um regime de protecção do consumidor (…)” (preâmbulo do DL 67/2003). Estabeleceu-se “um conjunto de regras que disciplinam o regime das garantias, legais e voluntárias, que tem contribuído para o reforço dos direitos dos consumidores nesta matéria”. Cinco anos decorridos após a entrada em vigor daquele DL, entendeu-se que era necessário “introduzir novas regras que permitam ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as deficiências que a aplicação daquele diploma revelou” (preâmbulo do DL 84/2008).

Com efeito, determina o art.º 1.º-A que “O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores”. Por sua vez, o art.º 2.º estipula que “O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”. O n.º 2 deste artigo enumera os casos de desconformidade dos bens de consumo com o contrato de compra e venda. O n.º 3 identifica as situações em que se considera não existir falta de conformidade.

• Se o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade

• Não poder razoavelmente ignorar a desconformidade

• Se a falta de conformidade decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.

Por outro lado, o n.º 4 equipara a desconformidade decorrente de uma má instalação do bem de consumo a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efetuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, “ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem”.

No que toca aos direitos do consumidor, prevê o art.º 4.º, n.º 1, que “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”. Deste modo, o presente normativo atribui ao consumidor perante uma desconformidade do bem adquirido o direito de:

• Reparação

• Substituição

• Redução do preço

• Resolução do contrato.

O n.º 2, sobre a reposição sem encargos, prevê que “Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou substituição devem ser realizadas, dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor”.

O período de tempo – prazo de garantia – durante o qual é permitido ao consumidor, em caso de desconformidade, reagir e exercer os direitos que lhe são atribuídos é, nos termos do art.º 5.º, n.º 1, num “prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel”. Funcionando a título de regra geral, o prazo de caducidade e o modo previstos para que o consumidor exerça os direitos atribuídos, nos termos do art.º 4.º, constam do art.º 5.º-A, n.º 1, isto é os prazos de garantia – art.º 5.º –, com a ressalva dos artigos seguintes. Retira-se daquela norma, art.º 5.º-A, n.º 1, que os prazos de garantia e de caducidade são coincidentes. Esquematizando, temos:

• Garantia de dois (2) anos para bens móveis, a contar da entrega do bem

• Garantia de cinco (5) anos para bens imóveis, a contar da entrega do bem.

• Caducidade, nos mesmos termos que a garantia.

No entanto, o n.º 2 deste artigo dispõe: para que o consumidor possa exercer os seus direitos “deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado”. O n.º 3, regulando as situações de caducidade, estatui que “Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor, nos termos do artigo 4.º, caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data.

Este artigo reserva ainda o seu n.º 5, aditado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, o tratamento dos requisitos exigidos para a materialização de uma resolução extrajudicial dos conflitos que eventualmente ocorram entre consumidor e vendedor.

Consta também do citado Decreto-Lei uma norma que responsabiliza directamente o produtor pelo fabrico e colocação no mercado de bens defeituosos. Assim, nos termos do art. 6.º, “Sem prejuízo dos direitos que assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor”.

Relativamente à questão do ónus da prova[24], como atrás já se disse, o presente diploma consagrou uma excepção à regra geral, segundo a qual cabe ao consumidor lesado fazer a prova do dano, do defeito e o nexo de causalidade entre o defeito e o dano. Ora, como se verifica, resulta claramente do D.L. 67/2003, art.º 2.º, n.º 1, o dever de entrega por parte do vendedor dos bens de consumo em conformidade com o contrato, criando-se deste modo uma garantia contratual dos bens de consumo de harmonia com as referências insertas no contrato. Noutro passo, o n.º 2 do mesmo diploma refere-se a uma presunção ilidível de não conformidade relativa a esse dever de garantia, caso os bens não revistam certos requisitos.

Por sua vez, o art.º 3.º, nº 1, do DL 67/2003, impõe ao vendedor que responda perante o consumidor por qualquer defeito do bem que exista no momento da entrega do bem, significando isto como diz M. Frota “que o vendedor, quando põe os bens à disposição do consumidor, tem o dever de o entregar em condições, em conformidade com o contrato, aferindo-se, portanto, a qualidade do bem no momento da entrega”[25]. O nº 2 do mesmo artigo determina que “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade”, sendo esta presunção demonstração da indiscutível “inversão do ónus da prova, uma vez que sendo um período temporal tão alargado seria praticamente impossível ao consumidor fazer valer os seus direitos, daí que a lei imponha o ónus da prova a cargo do vendedor, a quem competirá provar a conformidade do bem, salvaguardando, no entanto, determinadas situações:

– incompatível com a natureza do bem

Exemplo: bem sujeito a prazo de validade ou perecível

– com características da falta de conformidade

Exemplo: má utilização por parte do consumidor ou de terceiro

O consumidor ao topar com a desconformidade do bem, pode perante o vendedor, independentemente, claro está, da culpa deste, denunciar os vícios existentes na coisa e, fazendo-o, pode lançar mão dos quatro remédios facultados pela lei.

Atenção que estas soluções legais não esbarram em qualquer tipo de hierarquização – ao contrário do que se pode depreender da Directiva 1999/44/CE –, devendo o vendedor respeitar sempre a opção que o consumidor entenda exercer, desde que este último não se exceda no exercício dos seus direitos, são eles:

— reparação

— substituição

— redução adequada do preço

— resolução do contrato.”[26]

Assim, nos termos do novo regime de venda de bens de consumo, nos termos daquelas normas, já não impende sobre o lesado consumidor confirmar se o bem comprado não tem defeitos e satisfaz o fim a que se destina, bem como fazer a prova dos factos, mas sim sobre o vendedor.

De acordo com o Acórdão da Relação de Lisboa, I- O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

II- O consumidor tem direito à reposição da conformidade preterida, “por meio de reparação, ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”, sendo o exercício de qualquer desses direitos em opção do consumidor, salvo caso de manifesta impossibilidade, ou de tal constituir abuso de direito.

III- Em matéria de venda a consumidor o (re) vendedor final é ainda responsável pelos danos emergentes e lucros cessantes resultantes da entrega de coisa defeituosa a consumidor, salvo se provar que o cumprimento imperfeito da obrigação não procede de culpa sua.

IV- O referido direito do consumidor a ser indemnizado, nos termos gerais, pode ser exercido isoladamente ou em conjunto com qualquer dos outros “quatro direitos primários”, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e salvaguarda dos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito.

V- Face ao novo regime da venda de bens de consumo, deixa de ser imposto ao consumidor aquando da celebração do contrato, assegurar que a coisa adquirida não tem defeitos e é idónea para o fim a que se destina.

VI- Passando tal averiguação a ser objecto de uma garantia específica, prestada pelo vendedor, cabendo a ele o ónus da prova, segundo as regras gerais, de ter cumprido essa obrigação de garantia”.

Conforme diz Luís Menezes Leitão[27] “A imposição ao vendedor da garantia de conformidade implica uma alteração substancial bastante importante no regime da compra e venda de bens de consumo, na medida em que vem afastar a solução tradicional do caveat emptor (um alerta que avisa um comprador que os bens que ele ou ela compra é “como é”, ou sujeito a todos os defeitos), segundo ao qual caberia sempre ao comprador aquando da celebração do contrato, assegurar que a coisa adquirida não tem defeitos e é idónea para o fim a que se destina. Face ao novo regime da venda de bens de consumo, esta averiguação deixa de ser imposta ao consumidor para ser objecto de uma garantia específica, prestada pelo vendedor, cabendo a ele o ónus da prova, segundo as regras gerais, de ter cumprido essa obrigação de garantia”.

Relativamente ao regime chinês da RPC sobre ónus da prova, remetemos para o que foi abordado atrás, realçando que pela entrega do bem, como também durante o processo negocial do ato contratual de venda, julgamos nós, salvaguardando outra melhor opinião, impende sobre o vendedor o ónus legal de provar que cumpriu o contrato no que respeita à qualidade, conformidade e/ou defeito da coisa vendida, quando do artigo 45º retira-se o entendimento de que sobre o vendedor, pela entrega do bem, como também durante o processo negocial do ato contratual de venda, impende o ónus legal de provar que cumpriu o contrato no que respeita à qualidade, conformidade e/ou defeito da coisa vendida, ao determinar que os operadores empresariais são responsáveis pela reparação, substituição ou restituição de mercadorias.

De forma análoga, a LPC da China responsabiliza o operador de negócios por responder civil e judicialmente perante o consumidor, se as mercadorias e os serviços que fornecem não respeitarem as disposições legais sobre qualidade dos produtos, nomeadamente produção, apresentação e comercialização de produtos defeituosos.

Havendo, em nossa opinião, um sentido convergente entre ambos ordenamentos jurídicos – China e Portugal – no que refere à responsabilização do produtor, bem como da imposição ao vendedor da garantia de conformidade e de impender sobre o mesmo o ónus legal de que cumpriu na íntegra o contrato de compra e venda com o consumidor, no sentido da defesa e proteção deste último, trazemos aqui a jogo a questão do comércio eletrónico, mais conhecido por e-commerce.

Trata-se de preparar a adaptação cultural e jurídica a diversos mercados no âmbito da sua internacionalização, neste caso a promoção e desenvolvimento das relações económicas e comerciais entre os produtores, vendedores e consumidores de Portugal e da China, enquanto mercado com um alto potencial na sua economia muito relevante para as trocas comerciais e para o investimento, quando pensamos especialmente na ligação aos países africanos de língua portuguesa, Timor e o Brasil (América Latina) em recíproca e multilateral interação[28], aos Estados Unidos e ao Canadá e, obviamente à Europa: a União Europeia e a Rússia.

O e-commerce permite partilha de conhecimento do mercado com outros parceiros de negócio, especialmente com e entre os retalhistas – PME’s –, no domínio das entregas e das devoluções, procurando sempre a melhor experiência de compra e venda online.

Atualmente qualquer negócio para ter sucesso tem de eleger os consumidores, seus clientes como foco principal, proporcionando-lhes pôr em marcha o que revela ser uma propensão crescente pelo digital, pela mobilidade e pela compra em linha, ao longo da viagem virtual do consumidor: pré-compra, compra e pós-compra.

Este novo ambiente comercial, económico e financeiro, vigorosamente impulsionado pelo e-commerce – os contactos entre vendedores e consumidores, sempre com a consciência que além dos vendedores existem primeiro os produtores – constitui um dos estímulos mais importantes para retalhistas e outros parceiros de logística[29]. O caminho das entregas reformula-se ininterruptamente, todos os dias, sendo que a melhor forma de se garantir o sucesso das novas soluções é que as mesmas tenham em boa linha de conta as melhores práticas do mercado e se concentrem no respeito e cuidados a ter na resposta efetiva às expetativas daqueles que são a parte mais frágil e tecnicamente impreparada nos contratos de venda e prestação de serviços que são os consumidores, os compradores online.

Para isso é muito importante estar-se atento ao movimento dos principais intervenientes que são os consumidores/compradores e os comerciantes/vendedores em linha, usando as tecnologias emprestadas pela internet e pelo mundo digital.

Assim, tanto as empresas chinesas e portuguesas, como os consumidores de ambas nacionalidades e origens, tendo o domínio, o conhecimento recíproco sobre a realidade jurídico-legal dos produtores e comerciantes nas relações contratuais com os consumidores, destacando aqui o modo e forma similares como hoje se elege a defesa e proteção dos seus interesses e direitos em ambas ordens jurídicas, julgamos que estão abertas todas as portas para um maior incremento e aproximação entre as duas sociedades que geograficamente encontram-se longinquamente distantes, mas que nesta era digital e virtual, podem tornar-se virtuosamente próximas.

A explosão do comércio transfronteiriço[30], no uso do e-commerce, oferece inegáveis oportunidades de venda direta ao consumidor, como do mesmo modo dessas novas oportunidades de negócio irão surgir muitas questões sobre a conformidade, defeitos, reparações, substituições, devoluções, indeminizações, até burlas e apropriações indevidas de dinheiro[31] os bens e produtos a serem confrontadas pelos consumidores, como também entre as próprias empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras.

Deve-se pois exigir maior controlo e fiscalização nas transacções transfronteiriças, em especial aquelas realizadas com o recurso à internet. E da mesma forma preparar, alertando os consumidores para o cuidado a ter com as novas formas e modos tecnológicos de negociar, de comerciar, de ir-se procurando desenvolver saudavelmente, de modo confiável as relações internacionais e multilaterais entre os cidadãos e empresas, como igualmente entre estas.

Sem consumidores não há empresa que vingue!

Notas

1 A Grande Baía – seu sentido finalista do consumidor; O conceito de consumidor nas ordens jurídicas da RAEM – Macau –, República de Portugal, República Federal do Brasil e Reino de Espanha, in Revista O Direito online.

2 DL n.º 131/2001, de 24/04 que alterou o DL n.º 383/89, de 06/11.

3 DL n.º 67/2003, de 08/04, alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21/05.

4 Ferreira de Almeida, Negócio jurídico de consumo: caracterização, fundamento e regime jurídico, Boletim do Ministério da Justiça, 347, Junho de 1985, p. 32, in Francisco Luís Alves, ob. cit. p. 5.

5 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO E OUTROS ENTES PÚBLICOS, Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Direito – sobre A RESPONSABILIDADE do Estado e outros entes públicos.

6 Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, p.p. 212, 213. “É frequente dizer responsabilidade contratual em vez de obrigacional e responsabilidade extracontratual em vez de extra obrigacional, ou estabelecer sinonímia entre as duas ordens de expressões.

Mas rigorosamente não existe essa sinonímia, visto que nem todas as obrigações (mesmo sem falar nas de indemnização) provêm de contrato e por isso nem sempre que se deixa de cumprir uma obrigação se incorre em responsabilidade contratual (…).

A responsabilidade extra obrigacional é, toda ela, extracontratual. A inversa todavia não pode considerar-se verdadeira. A responsabilidade obrigacional será contratual ou extracontratual consoante a obrigação violada provenha ou não de contrato.

Cabe no entanto reconhecer que – abstracção feita dos factos geradores de responsabilidade extra obrigacional – o contrato representa de longe a mancha mais extensa e mais importante no quadro das fontes das obrigações. Ao pé do contrato, o negócio unilateral, a gestão de negócios, o enriquecimento sem causa, etc., assumem relevo muitíssimo menor.

Compreende-se por isso a tendência para identificar a responsabilidade contratual com a obrigacional, tomando a espécie mais significativa pelo género. Mas em bom rigor não existe coincidência entre os dois conceitos, pois o primeiro insere-se no segundo como categoria mais vasta”.

7 Inocêncio Galvão Telles, ob. cit., p. 212.

8 Inocêncio Galvão Telles, ob. cit., p.p. 215 e 216.

9 “O presente diploma transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 85/374/CEE, do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estado membros em matéria da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos”. (preâmbulo do DL n.º 383/89, de 6 de Novembro)

10 Francisco Luís Alves, “A responsabilidade do produtor: soluções e perspectivas futuras”, p. 5, verbo jurídico.net.

11 Cláusulas limitativas e de exclusão da responsabilidade civil, Coimbra, 1985, pág. 315, in Francisco Luís Alves, ob. cit. p. 5.

12 Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, 1999 (reimpressão), p. 93, in Francisco Luís Alves, ob. cit. p. 6.

13 Garantia de bom funcionamento e vícios do produto, (Responsabilidade do produtor e do consumidor), “Colectânea de Jurisprudência”, 1985, III, p. 21, in Francisco Luís Alves, ob. cit. p. 6.

14 Francisco Luís Alves, ob. cit. p. 7.

15 Sem prejuízo das normas gerais de responsabilidade civil e, para além do D.L. n.º 383/89, devemos ter em conta a Directiva 85/374/CEE, dado que estes dois conjuntos normativos contêm a parte substancial das normas aplicáveis à responsabilidade civil do produtor.

16 Acórdãos STJ: 1097/04.0TBLLE.E1.S1, 20-10-2011.

17 Acórdãos STJ: 5521/03.0TBALM.S1, 25-03-2010.

18 Artigo 4º. Cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano.

19 Acórdãos STJ: 207/09.5TBVLP.G1.S1, 15-09-2016.

20 No entanto, tenha-se em conta o seguinte Acórdão do STJ, 2213/10.8TVLSB.L1.S1, 02-06-2016:

“I – Os dispositivos médicos são produtos submetidos ao regime jurídico da responsabilidade civil do produtor, aprovado pelo DL n.º 383/89, de 06-11, alterado pelo DL n.º 131/2002, de 24-04.

II – Por produto defeituoso entende-se – não aquele que é inapto para o fim a que se destina – mas que carece de segurança, a legitimamente esperada, decorrente de um defeito de concepção, de fabrico ou de informação.

III – Porém, se um dispositivo médico for inapto a cumprir com a respectiva finalidade e com isso acarretar riscos para a saúde e/ou integridade física do utilizador, deve ser considerado produto defeituoso para efeitos de aplicação do regime do DL n.º 383/89.

IV- Considera-se produto defeituoso o dispositivo médico com funções de medição, concretamente utilizado por consumidor – um teste para detecção semi-quantitativa do antigénio específico da próstata (PSA), denominado «On call PSA», com a ref.ª TPS 402 – incapaz de cumprir os requisitos de desempenho, ao tempo de vida em prateleira atribuído de 24 meses, podendo produzir resultados de PSA falsos negativos no limite de detecção ou na proximidade deste e conduzir, por sua vez, a um diagnóstico errado ou a um atraso no diagnóstico do cancro da próstata”.

V – Em acção de efectivação de responsabilidade civil do produtor, incumbe ao autor o ónus de alegação e prova do defeito, dano e nexo causal entre o defeito e o dano, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1, do CC.

VI – Na referida acção, uma vez provado o defeito, caberá ao produtor ilidir a presunção da existência deste ao momento da sua comercialização, mediante a prova da probabilidade ou razoabilidade da sua inexistência nessa data (art. 5.º, al. b), do DL 383/89 e art. 342.º, n.º 2, do CC).

21 Acórdão STJ, 04B4057, 13-01-2005.

22 Acórdão STJ, 207/09.5TBVLP.G1.S1, 15-09-2016.

23 Acórdãos STJ: 04B4057, 13-01-2005.

24 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 993/06-2, RL de 12-03-2009.

25 In LEI DAS GARANTIAS – DE QUEM SE EXIGE A GARANTIA: DO PRODUTOR? OU DO FORNECEDOR?

26 Mário Frota, idem.

27 Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, O Novo Regime da Venda de Bens de Consumo, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Vol. II, p. 45.

28 Comércio da China com países de língua portuguesa aumentou 11 vezes desde a criação do Fórum de Macau.

29 CGD e BNU assinam acordo para partilha de informação de mercado sobre a China e os países de língua portuguesa.

30 Sobre o tema. Atualidades:

Explosão do ‘cross-border e-commerce’ dá às PME europeias inegáveis oportunidades, Aicep.

AICEP

Tendências para 2018 no e-commerce conduzem Portugal para fase 4.0, Jornal Económico.

One Belt One Road: Portugal e Macau na «linha da frente» e Sines em posição privilegiada.

Google prepara investimento de 475 milhões de euros na referência de ‘e-commerce’ chinesa JD.

ZILS e Porto de Sines em destaque: entidades chinesas elogiam potencial infra-estrutural luso.

Portugal: an European Hub’ em discussão no contexto da exportação de GNL dos EUA para a Europa.

Portugal abre na terça-feira novo consulado em Cantão, sul da China.

31  PJ alerta para apropriação massiva de dinheiro de transferências bancárias.

Fontes de Consulta:

Telles, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra editora.

Silva, Calvão da, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, 1999.

Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, O Novo Regime da Venda de Bens de Consumo, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Vol. II, p. 37 e ss.

Frota, Mário, Prof., presidente da apDC / director do NetConsumo –

LEI DAS GARANTIAS – de quem se exige a garantia: do produtor ou do fornecedor?

Alves, Francisco Luís, A Responsabilidade do Produtor: soluções e perspectivas futuras, verbo jurídico.net, Mouzinho, 2001/2002

André Neves, A Responsabilidade Objectiva do Produtor, Verbo Jurídico, julho, 2007.

Coelho, Vera Lúcia Paiva, Responsabilidade do produtor por produtos defeituosos – “Teste de resistência” ao DL n.º 383/89, de 6 de novembro, à luz da jurisprudência recente, 25 anos volvidos sobre a sua entrada em vigor, Faculdade de Direito, Universidade do Porto.

Silva, Ana Catarina Mota da Responsabilidade do Produtor pela Conformidade do Bem, Universidade do Minho, Escola de Direito, Outubro de 2012.

Pera, John – Consumer Law in the News, Loyola Consumer Law Review, Volume 28 | Issue 1, Article 6, 2015.

Xu, Junke, Who Will Protect Chinese Consumers? The Past, Present and Future of Consumer Protection Legislation in China, Loyola Consumer Law Review, Volume 24, Issue 1, Article 3, 2011.

China: Product Liability in the People’s Republic of China, Article by Willi Vett. Beiten Burkhardt, 18 May 2010.

Ip, Mary – Marshall, Brenda, Evolution of Chinese consumer protection: Through the lens of product quality laws, Bond Law Review, Volume 26, Issue 2, Article 3, 2014.

Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 131/2001, de 24 de Abril.

Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.

Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (versão atualizada), LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Supremo Tribunal de Justiça, Acórdãos.

Law of the People’s Republic of China on Protection of Consumer Rights and Interests

30/6/2018

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