Doutrina

A Descentralização Previdente do Estado Providência em Recuo

José Gabriel Mariano*

I

Introdução

O presente trabalho integra-se na disciplina de Direito das Autarquias Locais, lecionada pelo Professor Doutor Cláudio Monteiro, subordinado ao tema “os novos modelos de relacionamento entre a administração local autárquica e o poder central”, no âmbito do curso de mestrado profissionalizante em Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Pretende-se pois dar uma perspetiva atual e realista do Poder Local e da sua autonomia, ao mesmo tempo do seu enquadramento legal, dogmático e doutrinário.

Por uma questão de coerência histórica e do próprio sistema municipal autárquico, não se esqueceu de frisar um retorno às suas origens medievais e sua evolução até à Revolução de Abril de 1974.

Focando essencialmente o período a partir da Revolução de 1974, incidindo com justificada pertinência ao momento presente, faremos uma análise relacional entre o Poder Central e o Poder Local e sua autonomia, tendo em conta a evolução e transformação que vem acontecendo desde há uns anos, pelo menos desde a década de oitenta do século XX, na sociedade em geral do mundo atual, em particular na Europa, e que, como consequência, o modelo do denominado Estado Providência está colocado em causa, por aquilo que entendemos ser e justificar o título do presente trabalho – o Estado Providência em recuo –, tanto no âmbito da sua intervenção social, económica, financeira e cultural, em simultâneo com as consequências que daí resultaram e resultam para as autarquias locais portuguesas e da concretização efetiva da descentralização territorial e administrativa do Estado em Portugal.

Procurando perceber os movimentos relacionais entre o centro e a periferia, é nosso objetivo identificar, através de algum diagnóstico, a tendência pendular desses dois pólos, que mais não serão do que duas faces da mesma moeda e que uma sem a outra dificilmente se construirá um Estado democrático, efetiva e verdadeiramente descentralizado.

A Descentralização Previdente do Estado Providência em Recuo

1. Antecedentes históricopolíticos do município em Portugal – centralismo e desarmonia da autonomia local

2. Os ventos da Liberdade e a relativa harmonia da autonomia local. O Estado Providência

2.1 Enquadramento jurídicopolítico constitucional do Poder Local

2.2. Descentralização, Poder Local e Princípio da Subsidiariedade

2.3. Breve referência supranacional constitucional

3. O relacionamento entre o Poder Central e o Poder Local

3.1. A Tutela do Estado sobre as Autarquias Locais. A Tutela Administrativa

3.2. Relacionamento formal e informal entre centro e periferia

3.3. A projetada reforma do Poder Local

3.4. Descida à Terra do ideal reformista da Administração Local

4. O recuo do Estado Providência e a sua (im) previdente descentralização

4.1. A realidade diferenciada municipal e o seu financiamento

II

1. Antecedentes históricopolíticos do município em Portugal – centralismo e desarmonia da autonomia local

Os municípios medievais, até ao século XV, eram comunidades autónomas de auto administração que providenciavam a satisfação das necessidades coletivas básicas, instituíam os seus líderes, administravam a justiça, geriam o património comum dos seus habitantes, determinando-se assim por um direito costumeiro.

Com o nascimento do Estado Moderno em Portugal, a partir do século XIV, esta autonomia comunitária é abalada pelo crescente movimento de política centralizadora do poder político pela nobreza, coincidindo ao mesmo tempo com o processo de desenvolvimento comercial e com a ascensão e afirmação gradual da burguesia mercantil e financeira.

Todo este movimento centralizador do poder político, inicialmente editado pela nobreza e de ascensão e afirmação de uma nova classe social, a burguesia, marcou indelevelmente a evolução social e política de Portugal até finais do século XIX, conformando as características essenciais das instituições e a relação de poder entre as mesmas, através de um conjunto vasto de medidas centralizadoras com foco na autonomia municipal e no direito público.

Com o advento dos tempos, com o iluminismo, a Revolução francesa e os seus princípios enformadores da igualdade, da liberdade e da fraternidade, bem como a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, abrem-se portas à liberdade individual, ao princípio da legalidade e ao princípio da separação de poderes, prenunciando o surgimento do Estado Liberal, e a sua consequente transmutação na limitação do poder político e na repartição do Estado por diferentes órgãos.

Esta alteração social, política e de mentalidades é sintetizada, em Portugal, com a Revolução de 1820 e aprovação da Constituição de 1822, instituindo-se, deste modo, o Estado Liberal politicamente legitimado que assinala em si a limitação do poder político, com a institucionalização do parlamentarismo e dos governos representativos, a liberdade individual e a igualdade dos cidadãos face ao Estado, refletindo uma estrutura integrada e unitária da Administração pública e o império do liberalismo económico.

A Administração pública que até então era a personalização do Rei constituía agora com o liberalismo um elemento da organização do Estado Liberal de direito, adquirindo a feição que atualmente se lhe atribui, isto é, um sistema integrado e unitário de serviços e funcionários que, em representação da comunidade social, económica e política, assegura a satisfação regular das necessidades coletivas.

Ao nível municipal, a Constituição de 1822 garantia um conteúdo formal mínimo de autonomia local, ao constitucionalizar as atribuições das câmaras. Assim, nos termos dos seus artigos 218.º e 223º, respetivamente “O governo económico e municipal dos concelhos residirá nas Câmaras, que o exercerão na conformidade das leis” e “Às Câmaras pertencem as atribuições seguintes:

I – Fazer posturas ou leis municipais; II – Promover a agricultura, o comércio, a indústria, a saúde pública, e geralmente todas as comodidades do concelho; III – Estabelecer feiras e mercados nos lugares mais convenientes, com aprovação da Junta de administração do distrito; IV – Cuidar das escolas de primeiras letras, e de outros estabelecimentos de educação que forem pagos pelos rendimentos públicos, e bem assim dos hospitais, casas de expostos, e outros estabelecimentos de beneficência, com as excepções e pela forma que as leis determinarem; V – Tratar das obras particulares dos concelhos e do reparo das públicas; e promover a plantação de árvores nos baldios, e nas terras dos concelhos; VI – Repartir a contribuição directa pelos moradores do concelho (artigo 228.°), e fiscalizar a cobrança e remessa dos rendimentos nacionais; VII – Cobrar e despender os rendimentos do concelho, e bem assim as fintas, que na falta deles poderão impor aos moradores na forma que as leis determinarem.”

A dicotomia Estado/sociedade civil – oposição entre público e privado – que era característica essencial do Liberalismo, implicava que o Estado concentrasse em si o poder público e a atividade administrativa. Esta subordinação da administração pública ao Estado resultou na anulação dos corpos intermédios do Antigo Regime (ordens, corporações, grémios, mesteres) da regulação de interesses coletivos.

Foi a marca centralizadora e unificadora da organização administrativa do Liberalismo que não permitiu o desenvolvimento da administração concelhia, contradizendo o ideal liberal de favorecimento à autonomia local. Desta forma, a conceção unitária da administração pública, subordinada ao controlo e monopólio do Estado, inibiu o surgimento de uma administração municipal provida de autonomia e livre do controlo Estadual. Os municípios nesta época eram como que serviços do Estado circunscritos a delegações locais do Governo Central.

As instituições municipais eram assim tratadas como administração indireta do Estado e não como administração autónoma.

Com o aparecimento do Estado Novo, em 1926, a Constituição de 1933, a par do Código Administrativo de 1936 e revisto em 1940, caracterizado pela sua natureza autoritária e antidemocrática, a autonomia local foi desarmonizada dos seus valores e princípios fundamentais que a fazem existir como uma verdadeira realidade autonómica administrativa, política e financeira.

O Estado Novo assumia-se como “uma República orgânica e corporativa” onde a “soberania residia em uma Nação” estando limitada pela “moral e o direito”.[1]

O Governo fazia-se representar nos municípios por magistrados administrativos por si nomeados. Estes magistrados presidiam à Câmara Municipal, sendo os vereadores eleitos pelo Conselho Municipal.

O Código Administrativo em vigor regulava e limitava as atribuições municipais através da sua enunciação taxativa. Desta feita, os interesses que os corpos administrativos podiam tratar eram somente aqueles que o Código previa. No que toca às deliberações, a sua eficácia estava dependente da aprovação do governo, bem como no domínio do financiamento local os municípios encontravam-se em completa dependência dos subsídios e comparticipações do Estado, uma vez que era reduzida a sua receita fiscal obtida.

A escassez de receitas municipais, a pobreza de meios, instrumentos e quadros técnicos ajustados levavam a uma situação de dependência do poder local face ao Estado.

No que respeita à relação de tutela entre Estado e municípios, os corpos administrativos, e especialmente as câmaras municipais, estavam sujeitos a uma forte tutela inspetiva, corretiva e substitutiva do governo, relativa à legalidade e ao mérito da sua atividade.

O código previa o regime de tutela, segundo o qual podia suspender temporariamente uma autarquia do direito de escolher os membros dos órgãos e nomear em sua substituição uma comissão administrativa para dirigir os seus interesses.

Este diploma determina que a autarquia local é integrada por uma população e um território, que poderá corresponder a uma freguesia, a um concelho ou a uma província, sendo sempre qualquer parcela do Estado regulada, pelas leis gerais que deste emanam. O centralismo político-administrativo do Estado impunha-se às freguesias através do regedor, que era visto como o representante nomeado do presidente da câmara.

Neste período que se prolongou até ao 25 de abril de 1974, as autarquias locais também não configuravam mais do que uma forma de administração indireta, sendo ao mesmo tempo um meio privilegiado de influência ideológica do regime.

Conforme afirma Helena Torres Marques[2], a vida do Poder Local durante o Estado Novo refletiu e caracterizou-se por um “(…) longo período de centralização feroz, que transformou os órgãos autárquicos em extensões menores de administração central, presididos por mandatários nomeados pelo Governo que haviam de se caracterizar pelo seu espírito de obediência, acomodação e reivindicação controlada.”

III

2. Os ventos da Liberdade e a relativa harmonia da autonomia local. O Estado Providência

Com a Constituição de 1976, saída após a Revolução de 25 de abril de 1974, as autarquias locais passam a ser definidas como pessoas coletivas territoriais, visando a prossecução de interesses próprios das populações respetivas – artigo 235.º, n.º 2 -, representando-as através de eleições, e constituídas por freguesias, municípios e regiões administrativas – artigo 236.º, n.º 1 -. Porém, este último elemento inexiste no plano territorial efetivo. Nas grandes áreas urbanas e nas ilhas, a lei poderá estabelecer, de acordo com as suas condições específicas, outras formas de organização territorial autárquica – artigo 236.º, n.º 4.

As autarquias têm património e finanças próprios e poder regulamentar, sendo tuteladas unicamente pelo Governo – artigos 238.º, 241 e 242.º.

Sendo a Lei Fundamental aprovada a referência histórica da fundação do Estado Providência em Portugal, estabelece-se a generalidade dos direitos a prestações sociais do Estado (direitos sociais), enunciando, entre outros, os direitos à segurança social, à saúde, à habitação, ao ensino, à cultura, ao desporto, à proteção da infância e dos idosos – artigos 63.º a 79.º da Constituição Portuguesa.

A afetuosidade do Estado Providência aos direitos sociais é intrínseca ao caldo democrático em que o regime democrático se alimenta. Como refere Juan Mozzicafredo, “o fundamento político da cidadania assenta principalmente na relação que se estabelece entre os princípios da liberdade individual e os da justiça social”.[3]

Um dos aspetos que tem tido relevância no reconhecimento dos direitos do cidadão no Estado Providência, reforçando assim a ideia de cidadania ativa, é o direito de participação nos procedimentos administrativos, na vida pública e na própria gestão das instituições administrativas.

Na sequência desses direitos, são reconhecidos os interesses difusos, aqueles interesses de ordem geral ligados aos direitos sociais da coletividade à saúde pública, à habitação, à educação, ao património cultural, ao ambiente, ao ordenamento do território e à qualidade de vida, estando a defesa desses interesses legalmente atribuídos aos órgãos das autarquias locais e às associações que os prosseguem.

Pode, pois, afirmar-se que o Estado Providência caracteriza-se pelo estabelecimento de políticas sociais e redistributivas a cargo dos sistemas nacionais de segurança social, saúde e ensino, por um incremento das despesas públicas e do setor público administrativo, pelo surgimento de formas de concertação económica e social e pela ampliação dos direitos de cidadania.

Não se limitando aos cidadãos individualmente encarados, a afirmação dos direitos de cidadania são consequentemente alargados às organizações sociais, sindicais, económicas ou políticas do Estado, sendo que todo o processo de expansão do Estado Providência e de construção da cidadania implica a sua vinculação ao modo de atuação da organização que mais perto se encontra no relacionamento da vida política que se estabelece entre o Estado e a sociedade civil. Neste caso, o município.

Tal como a sociedade em geral, o município recebe em si os valores do Estado Providência, ao nível da afetação da despesa pública como da confirmação do exercício dos seus direitos de cidadania política e institucional, criando, ao mesmo tempo, as condições para o nascimento do Poder Local autónomo e a sua consagração constitucional. É um facto indiscutível que a dinâmica dos municípios foi profundamente alterada com o Estado Providência, sendo certo que o desenvolvimento verificado nas autarquias, ao nível urbano e socioeconómico, se deveu, em grande medida, ao apoio efetuado pelo Estado de transferências de verbas financeiras do seu orçamento geral.

2.1. Enquadramento jurídicopolítico constitucional do Poder Local

A Constituição, no seu artigo 6.º, n.º 1, sem as confundir, emparelha a autonomia local e a descentralização. Assim, consagrando o princípio do Estado unitário e o princípio da subsidiariedade, determina que “O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.”

De acordo com o artigo 235.º, nº 1, da Lei Fundamental, a organização democrática do Estado português depende da existência de autarquias locais, integrando a autonomia local no elenco dos limites materiais da revisão da Constituição – artigo 290.º, al. o), reforçando, deste modo, a sua garantia constitucional.

Devemos, pois, entender que a autonomia local harmoniza-se com uma reserva de liberdade face ao Estado. Sendo um princípio constitucional que dirige as relações entre o Estado e as autarquias, a autonomia local sempre implicará um conteúdo essencial, um núcleo de poderes de auto ordenação, defendido pela garantia constitucional de administração autónoma.

Caracterizando o âmbito da autonomia local segundo as normas e princípios constitucionais, podemos concluir que, adotando a classificação sugerida por António Rebordão Montalvo[4], esta autonomia reveste as seguintes formas:

– Autonomia jurídica – personalização jurídica própria consagrada pela Constituição – artigo 235.º, n.º 2.

– Autoadministração – órgãos representativos eleitos, direta ou indiretamente, artigos – 235.º, n.º 2 e 239.º.

– Autodeterminação – capacidade de as autarquias locais determinarem, pelos seus próprios órgãos, as linhas de orientação da atividade administrativa e terem a capacidade de escolher as formas de as concretizar sem submissão a outros comandos, senão apenas à Lei.

– Autonomia normativa – poder de elaborar regulamentos nos interesses próprios das populações locais e de acordo com as suas singularidades.

– Autonomia administrativa – capacidade de praticar atos jurídicos, atos administrativos, sujeitos apenas ao controlo jurisdicional.

– Autonomia financeira – capacidade de dispor de receitas próprias e afetá-las às despesas aprovadas, de acordo com orçamento próprio – artigo 238.º.

2.2. Descentralização, Poder Local e Princípio da Subsidiariedade

Consagrada constitucionalmente a autonomia do Poder Local, consequência natural desta nova realidade jurídicopolítica constitucional foi o fenómeno da descentralização – Constituição, artigo 6.º, n.º 1 -, afastando a realidade autárquica das formas de administração indireta em que se integrava no Estado Novo.

Como afirma Freitas do Amaral [5]“A existência de autarquias locais, e o reconhecimento da sua autonomia face ao poder central, fazem parte da própria essência da democracia, e traduzem-no no conceito jurídico-político de descentralização.”

A ideia de descentralização caracteriza-se genericamente pela transferência para outros entes de certos poderes exercidos pelo Estado, implicando, deste modo, uma verdadeira transferência de poderes do Estado realizada em benefício de outra pessoa coletiva pública.

Nesta ordem de ideias continua o mesmo autor[6] “Onde quer que haja autarquias locais, enquanto pessoas colectivas distintas do Estado, e dele juridicamente separadas, poderá dizer-se que há descentralização em sentido jurídico.”

A descentralização é assim vista como um meio essencial para fazer crescer e viver a própria democracia, no seu sentido de direito à participação dos interessados no exercício da função administrativa.

A palavra descentralizar “significa tirar do centro e passar para a periferia”, o que, em termos de organização administrativa, a descentralização “é o processo através do qual, reconhecido que não se deve imputar apenas à pessoa coletiva estadual a responsabilidade pela direcção e prossecução das finalidades que caem no âmbito da Administração Pública, se distribuem essas tarefas por pessoas colectivas ou organizações diferentes do estado e a que se fixa um campo de actuação, territorial ou institucional, mais limitado que o dele.

A descentralização é, portanto, um critério de repartição de competências e atribuições entre o Estado e entes distintos”.[7]

A par da descentralização territorial, pode falar-se da descentralização de serviços ou funcional, de base institucional. Nesta forma de descentralização, integrada na administração indireta do Estado, tem-se em vista entregar a gestão de determinados interesses “ou feixe de interesses coletivos” prosseguidos primariamente por aquele ente maior a um serviço personalizado, isto é, a outras pessoas coletivas dotadas de autonomia administrativa, ou financeira, ou financeira e administrativa, no âmbito da devolução de poderes do Estado, regra geral os institutos públicos.[8]

A descentralização territorial harmoniza-se com formas de administração autónoma em que o cumprimento de determinadas funções pertence a entes autárquicos e não ao Estado.

Segundo, Mário Esteves de Oliveira[9], “O fundamento deste tipo de descentralização reside no reconhecimento de que as particulares relações de vizinhança, existentes entre a população dessas parcelas de território nacional, dão origem ao aparecimento de necessidades próprias, que, por serem exclusivas ou assumirem, aí, um cartaz específico, estreitam os laços de solidariedade entre os vizinhos na realização das tarefas necessárias à sua satisfação. E porque se trata de interesses administrativos próprios, exige a democracia que sejam os próprios interessados a resolvê-los: tal exigência se responde descentralizando”.

No entanto, convém realçar que a descentralização territorial é uma das faces da autonomia local, assumindo também a face de autêntica manifestação do pluralismo do tecido social. Segundo o mesmo autor[10], os entes autónomos locais não devem a sua personalidade ao Estado que se limita a reconhecê-la e não a criá-la; a sua autonomia não deriva de uma concessão, do Estado, mas do reconhecimento e respeito deste por uma formação que, historicamente, o antecede”.

Deste modo, as autarquias locais obedecem a dois princípios fundamentais. Por um lado, a descentralização e a atribuição de competências significa atribuições próprias do poder local. Por outro, existem transferências de atribuições estaduais de natureza local para as autarquias.

Um outro tipo de autonomia consagrada é a autonomia financeira, determinando-se que as autarquias locais têm património e finanças próprios, resultantes das receitas constituídas por uma percentagem dos produtos dos impostos arrecadados pelo Estado, das prestações provenientes dos serviços por estas prestadas e dos resultados da gestão do seu património. O regime de finanças locais está previsto na Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, devendo a repartição dos recursos do Estado ter em conta a correção das desigualdades entre autarquias.

A partir de 1976, as autarquias ficam pois capazes de produzir orçamentos e planos de actividade próprios, de terem capacidade de iniciativa em determinados domínios sem ser necessária a aprovação posterior por parte da administração central.

Materialmente relacionado com a descentralização e agindo a seu favor, enquanto princípio regulador entre o Estado e as autarquias, está o princípio da subsidiariedade, o qual envolve no plano da regulação legal a abdicação do legislador nacional a uma regulamentação exagerada das matérias que são atribuições dos municípios, concedendo-lhes uma liberdade de ação consequente aos seus fins.

O princípio da subsidiariedade nasce no domínio religioso (com a encíclica Quadragésimo Anno do Papa XI)[11], transitando para o domínio político e mais tarde para o jurídico.

Originária do latim subsidium, a palavra subsidiariedade significa apoio ou ajuda, podendo, nos tempos atuais, transmitir um duplo significado: a) o nível superior encontra-se em segundo lugar; b) o nível superior tem o dever de ajudar ou apoiar o nível inferior – neste caso os cidadãos – a satisfazer as suas necessidades ou a executar as suas tarefas.

Obedecendo ao princípio fundamental do Estado unitário, a Constituição portuguesa consagra no seu artigo 6.º, n.º 1, que o Estado respeita na sua organização e funcionamento os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.

Conforme explica José de Melo Alexandrino[12], “a função primária do artigo 6.º, n.º 1, é a de, no plano da distribuição vertical de poderes, lembrar ao legislador o respeito por esse critério orientador (ou seja, a de garantir a poliarquia)”.

Também no plano do direito e da legislação de âmbito autárquico, nomeadamente o n.º 2 do artigo 2.º da Lei-quadro de transferências de atribuições e competências para as autarquias locais – Lei n.º 159/99, de 14 de setembro – este princípio vem desenvolvido, segundo o qual as atribuições e competências “devem ser exercidas pelo nível da administração melhor colocado para as prosseguir com racionalidade, eficácia e proximidade aos cidadãos”.

O princípio da subsidiariedade foi consagrado, internacionalmente, pela Carta Europeia da Autonomia Local, segundo o qual “o exercício das responsabilidades públicas deve incumbir, de preferência, às autoridades mais próximas dos cidadãos” e “a atribuição de uma responsabilidade deve ter em conta a amplitude e a natureza da tarefa e as exigências de eficácia e economia” – artigo 4.º, n.º 3.

Podemos pois entender que, fundamentalmente, a noção jurídicoconstitucional de subsidiariedade se exprime no sentido da limitação das esferas do poder mais afastadas das pessoas, “em favor das estruturas democráticas de poder mais próximas do cidadão.”[13]

2.3. Breve referência supranacional constitucional

Enquadrando o Poder Local em fontes supranacionais, podemos referir que a Carta Europeia da Autonomia Local – de 15 de outubro de 1985 – apresenta-se como o único tratado internacional de defesa dos direitos das autarquias locais da Europa, vigorando na ordem jurídica nacional desde outubro de 1990.

No preâmbulo da Carta afirma-se que “a defesa e o reforço da autonomia local nos diferentes países da Europa representam uma contribuição importante para a construção de uma Europa baseada nos princípios da democracia e da descentralização do poder”, consagrando no seu artigo 3.º, n.º 1, o conceito de autonomia local entendido como “o direito e a capacidade efectiva de as autarquias locais regulamentarem e gerirem nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações uma parte importante dos assuntos públicos”.

Verifica-se que dos elementos direito e capacidade efetiva, constantes da norma, se pode concluir que o direito formal de regulação e gestão de determinados interesses públicos deve ser acompanhado dos instrumentos necessários ao seu efetivo exercício. Consequentemente, para além de já estar implícito neste preceito, são identificadas, nos artigos 4.º e 9.º da Carta, a autonomia administrativa e a autonomia financeira das autarquias locais.
Ainda no âmbito da concretização da autonomia local, é instituído o princípio da suficiência ou da proporcionalidade dos recursos financeiros no que toca às atribuições que por lei lhes são confiadas.

IV

3. O relacionamento entre o Poder Central e o Poder Local

3.1. A Tutela do Estado sobre as Autarquias Locais. A Tutela Administrativa

Enquadrado e decorrente da descentralização e do princípio da subsidiariedade, o Estado mantém com as autarquias locais relações orgânicas, funcionais e organizativas para a prossecução do interesse geral, colectivo e nacional.
Diferentemente do que acontece com as relações que integram os órgãos da administração central direta e indireta do Estado, onde se impõem os poderes de direção e de superintendência, nas relações com as autarquias e os seus órgãos impera o poder de tutela do centro sobre a periferia.

No âmbito do poder tutelar, estabelece a Constituição – artigo 242.º, n.º 1 – que “A tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei” – no n.º 2 – “As medidas tutelares restritivas da autonomia local são precedidas de parecer de um órgão autárquico, nos termos a definir por lei” – e no seu n.º 3 – que “A dissolução de órgãos autárquicos só pode ter por causa acções ou omissões ilegais graves.”

A Lei Fundamental prevê a tutela no seu sentido mais indeterminado e estrutural da Administração Pública, como ao mesmo tempo no sentido de competência e atividade administrativa do Governo – artigos 267.º, n.º 2, 199.º, alínea d) e 227.º, n.º 1, alínea m), aqui os poderes de tutela confiados às Regiões autónomas sobre as autarquias locais.

Perante este enquadramento constitucional, compete ao Governo -199.º, alínea d) – e aos governos regionais da Madeira e dos Açores – 227.º, n.º 1, alínea m) – exercerem poderes de tutela sobre a atividade administrativa das autarquias locais.

Assim, a forma mais importante de intervenção do Estado sobre a gestão das autarquias reveste a forma de tutela administrativa que, segundo Freitas do Amaral[14] [15], “consiste dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação.”

E conforme ilustra Cláudio Monteiro[16], na qualidade de deputado, “uma medida de tutela pressupõe por definição um acto de um órgão administrativo relativamente a actos de outro órgão administrativo”. A tutela do Governo sobre a administração autónoma, conforme afirma Rui Medeiros[17], “é uma exigência do Estado de direito democrático, só sendo admissível a falta de tutela mediante expressa credencial constitucional.

Deve então entender-se a tutela – fora de discussões dogmáticas e doutrinais, e para o que aqui nos interessa – como uma relação jurídica de controlo, sentido este que afasta a ideia de direção ou de orientação, tornando-se indispensável para distinguir a tutela perante as outras relações interadministrativas. Esta figura carrega em si o poder de controlo.

A tutela administrativa exercida sobre as autarquias locais baseia-se num controlo que corresponde à verificação do cumprimento da legalidade, entendida esta forma de poder de controlo administrativo como uma tutela de inspeção ou inspetiva. É assim um controlo da legalidade.

Circunscrevendo-se a tutela administrativa sobre os municípios ao controlo da legalidade, todas as ações tutelares integradas no artigo 242.º deverão basear-se numa relação causal com a verificação de um ato ou de uma omissão ilegal, afastando o mérito da atuação, entendido este como a oportunidade ou a conveniência de determinado ato ou de certa omissão atribuídos ao órgão tutelado.

No entanto, conforme afirma André Folque[18], “parece indispensável começar por reconhecer que a tutela administrativa não se esgota neste controlo, nem em geral, nem especificamente a tutela administrativa sobre as autarquias locais, em cuja disciplina constitucional deparamos, por uma lado, com a identificação da tutela como verificação do cumprimento da lei (art. 242.º, n.º 1), mas por outro lado, com a previsão de um quadro genérico de medidas restritivas da autonomia local a adoptar pelo órgão tutelar (art. 242.º, n.º 2), maxime a dissolução do órgão autárquico, em caso de acto ou omissão ilegal grave (art. 242.º, n.º 3).”

Da Constituição resultam princípios em que o primeiro é a limitação da tutela administrativa ao controlo da legalidade, decorrente do artigo 242.º, norma esta que se apresenta como especial relativamente à parte final da alínea d) artigo 119.º, como também do n.º 2 do artigo 267.º.

Outro ainda é o de que o poder tutelar obedece ao princípio da tipicidade das formas de tutela, segundo o qual “a tutela administrativa não se presume, só existindo quando a lei expressamente a prevê, nas modalidades que a lei consagrar e nos termos e dentro dos limites que a lei impuser.”[19]

No âmbito deste princípio da tipicidade legal da tutela e em sua obediência, encontramos as medidas tutelares, referidas expressamente no artigo 242.º, n.º 2, da Constituição, que são ações que envolvem medidas restritivas desvantajosas ou intervenções tutelares não desvantajosas para a autonomia local, sendo a medida mais importante a sanção tutelar e confiada exclusivamente à jurisdição administrativa, nos termos da Lei 27/96, de 1 de agosto (LTA) – artigos 11.º e 15.º -, retirando ao Governo a aplicação dessas medidas, o que reflete uma manifestação da proteção da autonomia local com a jurisdicionalização da tutela.

Importa referir que no âmbito da LTA, por imperativo constitucional da garantia da autonomia local, estão excluídas a tutela revogatória e a tutela substitutiva, estando regulada expressamente a tutela inspetiva (artigos 3.º e 6.º da LTA).

3.2. Relacionamento formal e informal entre centro e periferia

Após o 25 de abril de 1974 e após a Constituição de 1976, os municípios e os seus autarcas debatem-se com inúmeros obstáculos no desenvolvimento local, conduzindo à necessidade de uma atitude que poderemos apelidar, como diz Inês Maria Leal Cerca Oliveira[20], por “Município Providência”, sem, no entanto, haver consagração legal. Perante uma nova realidade, o alargamento da população sem poder económico às instâncias do Estado, o surgimento de alianças sociais ao nível local, as autarquias locais são impulsionadas a concretizarem novas funções económicas e sociais, sendo através do aparecimento de uma elite política local que exige a transferência de recursos, que o poder local se autonomiza politicamente, de uma forma empreendedora e reivindicativa.

Surgiu então uma nova realidade. Os municípios deparam-se com comunidades sem quaisquer infraestruturas ou equipamentos básicos necessários à sustentação da vida coletiva e comunitária. Os autarcas saídos das primeiras eleições em regime democrático reivindicam para si, como competência autárquica, o desenvolvimento local dos próprios territórios. Contudo, ao mesmo tempo da determinação e da necessidade de desenvolver os municípios, as autarquias são confrontadas com a falta de recursos financeiros, por falta de legislação sobre as finanças locais.

Se até à revolução de abril verificava-se um desenvolvimento defeituoso e uma autoritária regulação legislativa, através de uma concentração dos recursos financeiros na administração central e o desprezo pela democracia local e estadual, com o renascimento da democracia, nascem as elites políticas locais e a necessidade de descentralização, provocando um incremento das reivindicações locais e regionais por políticas que combatessem as desigualdades, simultaneamente com a exigência de interlocutores políticos próximos das populações.

No entanto, e apesar da consagração constitucional da descentralização territorial, o processo “descentralizador” tarda a tornar-se realidade, devido ao entorpecimento do legislador ordinário na sua implementação. Assim, se as atribuições e competências das autarquias são legisladas em 1977, é em 1979 que começa a vigorar a primeira Lei das Finanças Locais.

Também o desencontro entre o poder central e o poder local é mútuo e é real, contribuindo para um atraso no amadurecimento da autonomia local. De um lado, verifica-se que em algumas áreas, a legislação e regulamentação centrais desacompanham ou tardam a responder a determinadas práticas autárquicas mais arrojadas. Do outro, acontece que é a vontade política autárquica que não se mobiliza a um ritmo que é legalmente exigido, estipulado.

Este contra-senso vem a tornar-se numa característica decisiva da realidade portuguesa.

Numa fase inicial de legitimação do poder local pela delimitação das suas competências e atribuições, verificou-se que esta fase correspondia na verdade a uma partilha de custos ao invés de uma partilha de responsabilidades.
É certo que face à crise financeira que se viveu no pós 25 de Abril e a necessidade de impedir certas despesas, o Estado preferiu partilhar com o poder local os custos da crise. Houve como que uma comunhão ou compromisso contratual, no sentido de que determinadas funções são atribuídas ao poder local não ao nível formal de princípio fundacional e estruturante do regime, mas sim em termos de responsabilização de financiamento voluntários pela periferia, consumindo-se a comunhão ou o compromisso no cumprimento do acordado especificamente entre ambos.

Com sociedades locais de baixos níveis de desenvolvimento económico, grandes assimetrias regionais e necessidades em infraestruturas urbanas, o desempenho das autarquias focou-se na criação de equipamento indispensável, na sua estruturação básica, e na reorganização dos espaços urbanos.

O aumento dos recursos financeiros decorrentes da adesão de Portugal, em 1986, à CEE veio proporcionar a criação de bastantes projetos autárquicos que não aconteceriam de outro modo. Desta forma, o estabelecimento de uma política regional comunitária permitiu a grande parte dos Estados Membros uma reestruturação administrativa e o desenvolvimento dos níveis infranacionais de governo, afetando-os diretamente nas decisões assumidas e no desenvolvimento das suas regiões.

Com o êxodo das populações para os grandes centros urbanos e o envelhecimento das periferias, o poder local procura outras formas de travar esse movimento, uma vez que a criação de infraestruturas e equipamentos não se mostram capazes de o impedir. É eleito um outro objetivo que é a procura da capacidade de gerar emprego de modo a fixar as populações, obrigando assim ao planeamento, à modificação da estrutura administrativa, a uma efetiva relação com a sociedade civil, à gestão municipal de infraestruturas e ao atender das reivindicações das freguesias.

Esta necessidade de desenvolvimento local fez com que os serviços municipais se aproximassem das populações, o nível de eficácia das competências municipais aumentasse, surgindo um núcleo de relações, ao nível do município, em que um número maior dos habitantes participava.

Ao mesmo tempo, este momento conjuntural do poder local levou ao nascimento do movimento associativo intermunicipal para que fossem encontradas soluções supramunicipais para o seu desenvolvimento. Exemplo significativo desta nova realidade foi a criação, em 1984, da Associação Nacional de Municípios Portugueses, que, pouco depois, no seu II Congresso, em 1985, reivindicou uma maior descentralização de competências para as autarquias locais.

A realidade associativa municipal portuguesa é bastante forte e ativa atualmente, com a criação de associações entre municípios para fins específicos, focando em questões do saneamento básico, tratamento de águas residuais ou dos lixos urbanos, como também à elaboração de Planos Diretores Intermunicipais. A vida associativa intermunicipal está assim vinculada à solução de problemas e objetivos comuns, extinguindo-se ou criando-se associações, consoante se concretizem uns ou surjam outros.

Com o Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de março, são alargadas as atribuições e competências dos municípios, passando a cumprir a sua atividade ao nível do equipamento rural e urbano, saneamento básico, energia, transportes e comunicações, educação e ensino, cultura, saúde, tempos livres e recreio.

Ao mesmo tempo que o Poder Central facultou ao Poder Local um largo conjunto de atribuições e competências, não lhes facultou, no entanto, os meios financeiros e técnicos necessários à concretização das novas funções, pelo que o poder local se debatia com uma enorme falta de recursos. Perante esta incoerência, sem recusar esta nova situação jurídica, as autarquias invocam a sua maior proximidade com as populações e a necessidade de melhorarem as suas condições de vida, simultaneamente com o desenvolvimento social e local, para obrigar a transferências do Orçamento Geral do Estado.

Com a publicação e entrada em vigor da Lei nº 159/99, de 14 de setembro e da Lei nº 169/99, de 18 de setembro, já alterada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de janeiro, a realidade das atribuições e competências das autarquias locais é juridicamente alterada, sendo mesmo inovadora.

As atribuições dos municípios, de acordo com a Lei nº 159/99, de 14 de setembro, que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, bem como de delimitação da intervenção da administração central e da administração local, procurando concretizar os princípios da descentralização administrativa e da autonomia do poder local, incluem então:

– equipamento rural e urbano;

– energia; transportes e comunicações;

– educação;

– património, cultura e ciência;

– tempos livres e desporto;

– saúde;

– ação social;

– habitação;

– proteção civil;

– ambiente e saneamento básico;

– defesa do consumidor;

– promoção do desenvolvimento;

– ordenamento do território e urbanismo;

– polícia municipal e cooperação externa.

Contudo, esta alteração e transferência de atribuições e competências, não vieram, de um modo geral, acompanhada da devida regulamentação, o que prejudicou o desempenho funcional e financeiro das autarquias.

Neste contexto, autores defendem, como Mozzicafreddo[21], que “o poder local só poderá continuar como sistema político local e independente dos grupos locais e da Administração Central, se as suas acções de desenvolvimento se basearem em consensos alargados nos sectores sociais locais, diminuindo o caráter ideológico-partidário da acção política local. Outro aspecto importante será a necessidade de uma maior autonomia do poder e da sociedade local, relativamente à Administração Central. Este grau de autonomia relacionar-se-á com o nível de desenvolvimento económico local, que entretanto se for alcançando. O desfasamento entre o possível e o real, aliado a uma inexistência de estratégias de desenvolvimento local, leva a que os executivos locais tentem solucionar essa disparidade através de um fechamento político da sua gestão, em vez de agirem activamente sobre as sociedades locais.

Podemos, no entanto, afirmar que os municípios, mesmo convivendo com as dificuldades financeiras que enfrentam ganham uma maior autonomia ao nível das suas atribuições e competências, e ao reforçarem o seu papel tornam-se em instituições que não se limitam à criação do saneamento básico, para serem entidades que se preocupam com o bem estar das populações e com o desenvolvimento local, encaminhando-se por outros e mais novos domínios de atividade como o planeamento e ordenamento do território, o ambiente, a educação e a ação social.

Um outro plano de relacionamento entre a administração central e o poder local, o qual se situa na informalidade dialética da política institucional, baseia-se na comunicação e troca política, onde impera a figura do autarca eleito, como figura carismática, de prestígio e de topo da comunidade que representa, suportado por uma máquina partidária de relevância local.

Assim, pelo acesso direto a elementos da administração central ou através da sua rede de contactos pessoais e familiares, o autarca procura encaminhar recursos para o seu concelho com a finalidade de satisfazer as necessidades locais.

Constata-se pois uma mudança na forma de comunicar entre a periferia e o centro a par de uma mudança na base social de recrutamento político local e das elites locais, com um alargamento indeterminado às bases populares, e de uma sustentação da política local formada por partidos, grupos, associações e atividades organizadas ao nível local e nacional, bem como a exigência por parte das populações a intervenções de âmbito público, ao invés de atuações para a satisfação de necessidades individualizadas.

Esta alteração política, social e económica permitiu abrir um caminho ao autarca para se impor como o ideal mediador entre a Administração Central e a sociedade civil, tornando-o no único ente político para a obtenção de novos recursos públicos e de novos relacionamentos de contactos sociais para a implementação de orientações de política nacional através da iniciativa local.

A generalidade desses relacionamentos e contactos são muito valorizados para se transpor dificuldades materiais e relacionais, ao que impele o autarca a um desempenho de dupla atividade com a realidade local e a realidade do poder central.

Pois, esta atividade política do autarca de aceder ao centro e influenciá-lo pode revestir uma forma direta e outra indireta.

A forma indireta procede-se através das associações municipais, assumindo estas a característica de organismos intergovernamentais, sendo os problemas discutidos de índole coletivo que atingem diversos autarcas e não apenas um autarca.

Os contactos diretos, como meio privilegiado para a obtenção de recursos e financiamento, em que os intervenientes políticos do centro e da periferia se esbarram cara a cara, decorre do facto de as necessidades municipais não serem somente coletivas. Daí que as singularidades de certas necessidades de determinada autarquia poderem ser mais facilmente satisfeitas pela reivindicação e negociação individual do que pela coletiva, permitindo uma interpenetração informal e uma influência relevante da periferia no centro, para que assim aquelas singularidades da comunidade em concreto sejam atendidas e os problemas apresentados possam ser resolvidos com a rapidez desejada.

3.3. A projetada reforma do Poder Local

A reforma da Administração Local, enquadrada pelo Documento Verde[22] e pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/2011, de 22 de setembro, tem quatro eixos estruturantes:

– o sector empresarial local[23],

– a organização do território[24],

– a gestão municipal, intermunicipal e o financiamento,

– a democracia local.

Nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/2011, de 22 de setembro, pretende o Governo submeter à Assembleia da República para aprovação os princípios orientadores e os eixos estruturantes da reforma da administração local autárquica, considerando-a prioritária de modo a reforçar a descentralização e a proximidade com os cidadãos, ao abrigo de uma ideia de sustentabilidade e de coesão nacional, onde é visado um novo modelo de gestão e de suporte da missão dos entes públicos envolvidos, no interesse do desenvolvimento económico, social e cultural do país.

No âmbito desta reforma, assinalaremos também o Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica, de 17 de maio.

Assim, nos termos deste Memorando e no âmbito das medidas orçamentais – ponto 3.44 –, ficou mencionado que “Existem actualmente 308 municípios e 4259 freguesias. Até Julho de 2012, o Governo desenvolverá um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significativamente o número destas entidades. O Governo implementará estes planos baseado num acordo com a CE e o FMI. Estas alterações, que deverão entrar em vigor no próximo ciclo eleitoral, reforçarão a prestação do serviço público, aumentarão a eficiência e reduzirão os custos”.

No que se refere às intenções agora mencionadas, já entrou em vigor a Lei n.º 22/2012 de 30 de maio, que aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica.

Neste Memorando foram ainda previstas a proibição da criação de novas empresas públicas locais – ponto 3.28 -, a redução dos cargos dirigentes num mínimo de 15% até ao final de 2012 – ponto 3.41 -, bem como a limitação das admissões de trabalhadores na administração local – ponto 3.49.

Relativamente ao Documento Verde, são plasmados diversos objetivos, como:

– o reforço do municipalismo e a sustentabilidade financeira,

– a transparência,

– a simplificação das estruturas organizacionais,

– a coesão territorial, a redução da despesa pública,

– a melhoria da vida dos cidadãos,

– a melhoria da prestação do serviço público, com o aumento da eficiência e redução dos custos, tendo em conta as singularidades locais,

– a promoção da coesão e competitividade territorial.

É também no Documento Verde que são identificados os objetivos gerais da administração local, sendo pois os que se seguem:

1) Promover maior proximidade entre os níveis de decisão e os cidadãos;

2) Valorizar a eficiência na gestão e afetação de recursos, potenciando economias de escala;

3) Melhorar a prestação do serviço público;

4) Considerar as especificidades locais;

5) Reforçar a coesão e a competitividade territorial.

Por fim, no âmbito da Resolução n.º 40/2011 do Conselho de Ministros, no seu Ponto 3, são invocados os princípios orientadores da reforma da administração local autárquica e que são os seguintes:

a) Maior proximidade e descentralização administrativa;

b) Reforço do municipalismo e da intervenção das freguesias como estratégia de desenvolvimento;

c) Eficiência na gestão e afectação dos recursos públicos, potenciando economias de escala;

d) Reforço de sustentabilidade da estrutura autárquica, numa perspectiva de dimensão e de escala;

e) Valorização da prestação de serviço público;

f) Especial consideração pelas especificidades locais;

g) Reforço da coesão e competitividade territorial.

Serão aqui referidos, nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/2011, alguns dos conteúdos dos eixos estruturantes identificados.

Assim, no setor empresarial local pretende-se:

– assegurar a suspensão da criação de novas empresas;

– estabelecer os critérios para a extinção e fusão de empresas locais;

– alargar o âmbito de monitorização e de controlo a todas as entidades que integram o perímetro do atual Setor Empresarial Local (SEL);

– iniciar o procedimento legiferante conducente à criação de um novo enquadramento legal para o setor;

– rever o regime legal relativo a outras estruturas que, no âmbito dos entes públicos locais que nelas participam, prosseguem idênticos fins, designadamente fundações, associações, cooperativas e outras entidades.

Quanto à organização do território visa-se:

– rever o actual mapa administrativo, com vista à redução substancial do actual número de freguesias[25], através de soluções que permitam a respetiva aglomeração, tendo em conta as respetivas tipologias e desde que salvaguardadas as especificidades locais;

– elaborar uma matriz de critérios demográficos e geográficos, tendo presente a tipologia decorrente das noções de freguesia predominantemente urbana, de freguesia maioritariamente urbana e de freguesia predominantemente rural;

– estimular o processo de integração de municípios, tendo por pressuposto o respeito pelas especificidades e identidades territoriais próprias.

Para a gestão municipal, intermunicipal e financiamento, tem-se em vista:

– avaliar o impacto decorrente do exercício de competências por parte de estruturas associativas municipais, utilizando como modelo duas das comunidades intermunicipais (CIM) já existentes, uma com características rurais ou predominantemente rurais e uma outra de feição urbana, tendo por objetivo a sua articulação com as atuais competências dos órgãos municipais e a sua consequente redefinição, promovendo-se uma reformatação dos seus poderes e potenciando-se a racionalização dos recursos públicos;

– promover a alteração do regime jurídico do associativismo municipal, objetivando a sua regulação, racionalização e aglutinação.

Finalmente, relativamente à democracia local é pretensão “promover a discussão política e cívica relativamente às alterações a introduzir no enquadramento legal autárquico, nomeadamente no que respeita às seguintes temáticas estruturantes:

a) Lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais;

b) Eleitos locais;

c) Formação e composição dos executivos;

d) Organização do território e definição das sedes das freguesias;

e) Atribuições dos municípios e competências dos órgãos municipais;

f) Atribuições das freguesias e competências dos órgãos das freguesias;

g) Estruturas orgânicas e dotação de cargos dirigentes.”

3.4. Descida à Terra do ideal reformista da Administração Local

Após um breve olhar sobre os três documentos referidos, constata-se a intenção do Poder Central, decorrente da realidade económica, financeira e orçamental que impõe a adoção de novos modelos de gestão e de desenvolvimento, de levar a cabo uma mudança estrutural e ao mesmo tempo estratégica do modelo atualmente consagrado para a administração local autárquica. É pois uma reforma da gestão, do território e uma reforma política que pretende propiciar uma administração mais eficaz e a racionalização dos recursos públicos, aliada a uma carência de diagnóstico dos problemas e dificuldades existentes.

Antes de tudo o mais devemos analisar o alcance da reforma em curso, começando pelo que vem referido no ponto 4.2. do Documento Verde. Aí se afirma que “A reforma da Administração ao nível do novo enquadramento legal autárquico deverá assentar sobre o seguinte princípio orientador: alteração e compatibilização da actual Lei Eleitoral e do Regime Jurídico dos Municípios e Freguesias de acordo com a Reforma da Administração Local (…).” Isto é, aqui fica-se com a impressão que primeiro reforma-se e depois legisla-se, no sentido de que será a futura lei a adaptar-se ao conteúdo da reforma política da administração local[26].

Ainda no âmbito do Documento Verde, denota-se uma multiplicação de objetivos onde encontramos, para além dos objetivos específicos dos quatro eixos estruturantes, outros objetivos gerais diferentes. Esta disseminação de objectivos, conjugada com a falta de diagnóstico, é motivo para colocar em causa se não há uma falta de perceção clara do horizonte da reforma, mesmo que se denotem sobre cada um dos eixos objetivos praticáveis e claros: – racionalização do sector empresarial local; – redução significativa do número de freguesias; – reforço do intermunicipalismo.

Noutra face, relativamente aos documentos em apreço, não se retira qualquer diagnóstico dos problemas e bloqueios que se pretende dar solução[27], excetuando o caso do primeiro eixo estruturante (o sector empresarial local) e eventualmente no segundo eixo estruturante (a organização do território ). É certo que há um enfoque nos vícios do centralismo e no excesso de freguesias e de eleitos locais, como também o reconhecimento da necessidade do “aprofundamento do estudo e do debate sobre as novas perspectivas de organização local, de competências, de financiamento e de transferência de recursos, assim como relativamente ao actual enquadramento eleitoral autárquico”.[28]

A propósito do diagnóstico não realizado sobre os problemas e bloqueios que enfermam o ordenamento jurídico das autarquias locais, José de Melo Alexandrino[29] identifica as grandes deficiências do nosso sistema nas matérias que se indicam:

(i) contradições, entorses e ambiguidades – algumas das quais emergentes da Constituição – do sistema de governo local; (ii) problemas graves ao nível da definição da comunidade local (pela incapacidade de tomar como referência os residentes e não os eleitores); (iii) problemas na divisão administrativa do território (seja ao nível das grandes cidades, seja ao nível supramunicipal e inframunicipal); (iv) problemas derivados da uniformidade de regime (sem uma adequada diferenciação das realidades); (v) indefinição, lacunas e inoperacionalidade do regime jurídico de criação e extinção dos municípios e freguesias; (vi) problemas com a definição das atribuições das autarquias locais e também com a desprotecção das autarquias locais frente ao legislador; (vii) enfim, problemas ao nível da informação, do controlo, da cooperação e da articulação das intervenções entre os vários níveis da administração.

Desta feita, uma reforma estrutural nos moldes pretendidos, tendo que resolver dificuldades relativas ao ordenamento jurídico, não deverá estar particularmente preocupada com os problemas jurídicos. Deverá sim preocupar-se, tratando-se de instituições e de organizações muito particulares, em ponderar mais sobre os problemas políticos, os problemas de identidade, os problemas de reequilíbrio territorial, os problemas organizativos, financeiros e económicos, isto é, com as diferentes dimensões da questão autárquica.

E assim não será impossível constatar e concluir que as relações entre o centro e o local não têm, e nem devem ter, um movimento unidirecional, iniciando-se no centro e terminando no local. Pelo contrário, verifica-se a permanência de mecanismos de troca e negociação entre ambos. As relações entre o centro e a periferia estão numa permanente tensão dialética, confirmada por um mecanismo de regulação, denominado por Grémion como “regulação cruzada”[30].

Este conceito demonstra que o relacionamento entre o centro e a periferia não se concretiza apenas de uma forma vertical, mas sobretudo, numa linha horizontal, uma vez que o relacionamento entre as autoridades centrais e locais conforma-se também numa forma de controlo social suprajurídico e infrapolítico incrementada na base da negociação do sistema políticoadministrativo local[31].

Não existe pois um destino fatalista e hierárquico das normas jurídicas do topo para a base, sobressaindo os elementos de troca e negociação entre os diferentes níveis. Ambos os níveis coabitam e complementam-se, relevando a tónica deste relacionamento nos segmentos da comunicação e troca política.

4. O recuo do Estado Providência e a sua (im) previdente descentralização

No Estado Providência, reclama-se a intervenção profunda e condicionante do Estado sobre a orgânica e o funcionamento da sociedade. Exige-se ao Estado que seja o modelador, o conformador da vida económica e social, como produtor de bens, como empresário, como agente de crédito, como organizador de serviços públicos.

O Estado deve definir os objetivos que interessam alcançar pela sociedade, cabendo, simultaneamente, o planeamento, a orientação e o controle da atividade dos restantes sujeitos económicos, com vista a que tais objetivos sejam efetivamente realizados. Compete ao Estado estruturar a realidade económica e social, estruturar de acordo com outras condicionantes, nomeadamente as de caráter político jurídico.

Assim, o Estado intervém pelas formas e para os fins mais diversos, dirigindo, incentivando ou fiscalizando a atividade dos restantes sujeitos económicos e sociais, participando ele próprio, como sujeito, nessas tarefas, produzindo, comercializando e distribuindo inúmeros bens e serviços úteis à coletividade.

O aparecimento do Estado Providência tem, na sua origem, o exemplo keynesiano. Assim torna-se indispensável harmonizar a economia de mercado e o desenvolvimento económico com a necessidade ética e social de pleno emprego, objetivo que apenas seria alcançável com a ampliação das funções do Estado. Este tornar-se-ia, social e economicamente, num mecanismo regulador e propiciador do crescimento económico.

A edificação do Estado Providência implicou a expansão do seu campo de ação e do seu aparelho administrativo. Tal facto permite compreender a razão pela qual o processo de descentralização não tenha tido o impulso pretendido. O alargamento do âmbito de intervenção e o crescente aumento da despesa pública colocou a interrogação sobre quanto tempo mais o Estado conseguiria aguentar o constante aumento dos custos dos sistemas de saúde, de ensino e de segurança social sem aumentar a carga fiscal nem ceder posições na crescente concorrência internacional.

Com despesas realizadas acima dos recursos disponíveis – estando aquelas dependentes da acumulação dos recursos existentes -, a consequência foi a crise financeira, resultado de um excesso de despesas públicas, a par da ineficácia do Estado em controlar as crises do capitalismo, de um capitalismo financeiro desregulado. O facto de o Estado ter focado a sua racionalidade no cumprimento das normas legais instituídas e não na qualidade e adequação dos resultados das suas políticas e o facto de emergir um novo sentir sociocultural e económico com o desejo à diferença e ao individualismo reivindicado pelos cidadãos, que começou a contrastar com a visão de solidariedade coletiva e de dinâmica igualitária entre todos os cidadãos, colocou em crise os fundamentos do Estado Providência em Portugal e noutras áreas do globo, em especial na Europa, nos finais do século XX, fazendo-o recuar na qualidade de Estado garante do bem estar social e económico.

Para o Estado Providência era um dado adquirido que as despesas em capital social afastavam as crises económicas e as consequentes despesas sociais, vindo, porém, a constatar-se que a actuação do Estado tendia a enfraquecer os mecanismos de gestão das crises.

Foi neste ambiente que, um pouco por toda a parte, surgiram ideias de reforma do Estado e de modernização da sua Administração, focadas nos vetores gestionário e organizativo.

O Estado, personalizado na Administração Publica, passou a dedicar-se a um número cada vez menor de tarefas, de caráter cada vez mais especializado e que se destinam, em grande medida, a atividades de gestão, controlo e incentivo, numa lógica de desintervenção estadual[33].

Na sua obra “A Fuga para o Direito Privado”[34], Maria João Estorninho, afirma que “É verdade que, nestes anos noventa, o ambiente é propício à defesa de tais soluções, uma vez que, por um lado, existe uma certa dose de encantamento pelos dotes do indivíduo, bem assim como a redescoberta da sua capacidade de resolver problemas, e, por outro lado há também (e sobretudo) um enorme desalento em face da falência do Estado-Providência.

Conforme refere Inês Maria Leal Oliveira Cerca[35], “A crise do Estado-Providência e do paradigma keynesiano, aliado à descredibilização do modelo tradicional destas políticas, levou ao aparecimento de um novo modelo de construção das políticas públicas e à emergência do paradigma da territorialidade. De acordo com este novo paradigma, o Estado, ao defender a partilha de responsabilidades pelo colectivo, vai acabar por delegar essas funções e competências no próprio colectivo, verificando-se uma redefinição do papel e da imagem tradicionalmente ligada ao Estado. A territorialidade é definida como um modo de reconfiguração da acção, de acordo com os princípios da proximidade, participação, cidadania, coresponsabilização e autodeterminação, e não mais um apoio material à actuação do Estado.

Estes princípios podem assim ser postos em prática, com respeito pelo princípio da subsidiariedade, segundo o qual se consagra a necessidade de aproximar os centros de decisão e o quotidiano dos cidadãos. Este princípio implicará a difusão de novos níveis de poder e responsabilidade.

Este paradigma da territorialidade fará com que se dê relevância, segundo Fernando Ruivo[36], no que respeita à localização das políticas públicas, “à importância do local; dos laços sociais; das diferenças entre os locais; do formal e do informal; do papel do poder local; das redes locais; das pertenças sociológicas ao território; do peso das solidariedades primárias, e, por último, a importância dos actores locais.

Cumpre realçar, como um elemento fundamental da territorialização, o valor das relações formais e informais existentes no território. A implementação eficaz de uma política deve sempre encontrar suporte nas redes sociais existentes nesse território. Uma boa articulação com as redes locais poderá tornar mais eficiente a concretização das políticas planeadas pelo Estado central, geralmente burocráticas e formais. Deste modo, a informalidade ajudará a enquadrar localmente a hierarquia e verticalidade de que são dotadas as políticas centrais.

O papel do poder local e a sua forma de atuar tornam-se assim relevantes na concretização das políticas públicas.

As redes sociais locais representam a força e a coesão do território, como também da sua organização sóciopolítica e por isso devem ser levadas em conta no processo de localização das políticas. As redes são pois formas privilegiadas de resolução de determinados problemas, quer individuais, quer coletivos.

Os fins da territorialização ligam-se à integração e localização das políticas às suas diferentes existências e formas, procurando conciliar os interesses públicos e os interesses privados de cada indivíduo, sempre com o sentido de a administração salvaguardar e defender os interesses da população como um todo, mas também os interesses privados de cada indivíduo.

Aqui também tem a sua marca distintiva a descentralização, vista como o aparecimento de novos centros de decisão, ao nível periférico ou local, com organizações e órgãos locais não dependentes hierarquicamente da administração central do Estado, com autonomia administrativa e financeiramente, com competências próprias e representando os interesses locais, o que demonstra o fortalecimento da democracia e o sentido de cidadania com a participação dos cidadãos nos destinos do coletivo.

Apesar de a descentralização ser uma realidade indiscutível no nosso ordenamento jurídico, levanta-se a questão do seu efetivo enraizamento ser mais no plano jurídico em desfavor da sua implementação como política concreta e conformadora de um autêntico reconhecimento das autonomias dos interesses próprios das populações autárquicas, na definição dos seus destinos políticos, sociais, económicos e financeiros.

Partindo da norma constitucional que determina que “As atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da descentralização Administrativa” – artigo 238.º, nº 1, – e daqueloutra que confere às autarquias património e finanças próprios e que “O regime das finanças locais será estabelecido por lei e visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau” – artigo 238.º, n.º 2 –, é, na sequência e revogando o Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Março, publicada a Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para o poder local, como também é publicada a Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, que aprova a Lei das Finanças Locais, revogando a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto.

No âmbito do quadro de transferências de atribuições e competências, a regulamentação não se faz de imediato, sendo exemplo disso, o diploma relativo aos Conselhos Locais de Educação, Cartas Escolares, e a construção, apetrechamento e manutenção de estabelecimentos de educação e ensino, que só foi publicado em 2003 (Decreto-Lei nº 7/2003, de 15 janeiro).

A descentralização de competências veio demonstrar as limitações do poder local, que passou a possuir um número alargado de competências imperfeitas.

Perante este grande número de competências, tomando apenas o domínio da educação como exemplo, eram necessários meios materiais para essa descentralização se verificar e não apenas as meras declarações de vontades descentralizadoras: “Pretendendo constituir-se como uma aproximação das realidades, não pode restringir-se à mera criação administrativa e jurídico-dogmática que concede de forma descendente algumas funções originariamente pertencentes ao centro. (Ruivo, Veneza …)”[37]

Ao mesmo tempo da falta de meios materiais para a realização da concreta descentralização, pode afirmar-se que o poder local sofreu também com a crise financeira e com a desresponsabilização do Estado pós Providência, sendo a descentralização aproveitada para transferir ao poder local competências que o poder central não tinha como garantir, havendo “(…) uma descentralização da crise. Ou seja, descentralização de algumas funções particularmente sensíveis às políticas restritivas da última década e meia, por implicarem quer investimento quer aumento de pessoal, ou ambos.”[38]

4.1. A realidade diferenciada municipal e o seu financiamento

A descentralização administrativa parece não corresponder ao que a Constituição portuguesa anseia e permite para a sua concretização.

O artigo 237º, nº 1, da Constituição da República estabelece que as atribuições das autarquias locais e as competências dos seus órgãos serão reguladas de harmonia com o princípio da descentralização administrativa. Estabelece ainda o seu artigo 267.º, n.º 1, que a Administração Pública deve ser estruturada de modo a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva. Diz ainda o mesmo artigo que, para esse efeito, a lei estabelecerá formas adequadas descentralização administrativa.

Segundo o atual regime jurídico, as autarquias podem prosseguir a sua atividade em todos os domínios que correspondam a interesses específicos da sua população e não estejam atribuídos expressamente por lei a outros órgãos administrativos.

Verifica-se, no entanto, que o alargamento do âmbito de ação dos Municípios tem sido realizado mais pelo exercício de poderes implícitos, retirados da cláusula geral de atribuições – artigo 13.º da Lei n.º 159/99 –, ao invés de poderes expressos descentralizados pelo Estado, pelo que não deixa de ser uma realidade a efetividade dos poderes, em razão da autonomia local e da capacidade financeira, assegurados pela Constituição e pela lei.

Deve reconhecer-se que tem vindo a ocorrer, desde há alguns anos, a um processo de reestruturação do sector administrativo do Estado, que é propício ao desenvolvimento da descentralização. A aprovação da Lei n.º 159/99, que previu as próximas etapas do processo de descentralização, é a sua confirmação.

Apesar de os Municípios portugueses terem a mesma organização e as mesmas competências de base, existem entre eles grandes diferenças relativamente à sua capacidade técnica e financeira e aos meios humanos disponíveis. Neste sentido, a Lei n.º 159/99 estabeleceu no seu artigo 6.º que as novas competências transferidas para os Municípios possam não ser universais, favorecendo somente algum ou alguns. Será, pois, esta uma descentralização municipal discriminada no que respeita à sua substância e aos seus destinatários, conferindo aos municípios estatutos de competência diferenciada. De acordo com esta Lei, as novas competências deverão ser transferidas para os Municípios que tenham “condições objectivas para o seu exercício” (artigo 6.º, n.º 2), prevendo que essa transferência seja efetuada pela celebração de contratos entre os serviços da administração central que exercem a actividade em causa e os Municípios interessados no seu exercício.

Conforme se retira do artigo 3º, nº 1, da Carta Europeia da Autonomia Local, a autonomia local é não só o direito, mas também a capacidade efetiva das autarquias locais regularem e gerirem uma parte importante dos assuntos públicos. Desta forma, a relação política e institucional do Estado com os municípios desenvolve-se no plano dos poderes que a estes são atribuídos, como ao mesmo tempo no plano dos meios financeiros que lhes são confiados para que tais poderes sejam realmente concretizáveis.

A verdade é que atualmente os municípios portugueses não conseguiram alcançar um grau aceitável de autonomia financeira. A dependência dos municípios das transferências do Orçamento do Estado é ainda muito forte e a participação dos municípios no conjunto da despesa pública nacional continua a ser relativamente baixa. Contrariamente, a fiscalidade local tem uma importância reduzida na estrutura das receitas municipais. Abstraindo das taxas, ela é constituída por impostos que só são municipais quanto ao destino da respetiva coleta. De resto, são centrais: na criação, na fixação das taxas, no estabelecimento de isenções, na liquidação; na cobrança. Talvez se contrariasse esta realidade – a forte dependência do Orçamento de Estado – pelo reforço das receitas fiscais dos municípios.

As Autarquias Locais encontram-se, há muito tempo, numa situação muito delicada, uma vez que foram sendo diminuídas as suas receitas nos últimos anos. Conforme consta da Resolução do Conselho Geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses, de 07/05/2012, as Autarquias Locais, em 2012, receberam do Orçamento do Estado um valor idêntico ao que fora transferido no ano de 2005.

Simultaneamente, o Governo efectuou e pretende efectuar um conjunto importante de alterações que são limitadoras da autonomia local.

A legislação que tem vindo a ser produzida pelo Governo e a prática quotidiana onde se pede às Autarquias Locais para fazerem cada vez mais com cada vez menos meios – tendo por fundo a crise e as dificuldades que o País atravessa – feriram com gravidade a Autonomia Local, sem que se vislumbre qualquer terapêutica para a recuperar:

a) Desde logo a Lei dos Compromissos, claramente limitativa da autonomia administrativa e financeira, arrisca a resumir a gestão municipal à gestão de tesouraria e os eleitos a adjuntos de tesoureiros.

b) A redução do número de dirigentes e dos trabalhadores, em clara violação da autonomia municipal; O Poder Central faz cortes cegos que, nalguns casos, poderão provocar graves problemas de exercício de diversas competências.

c) A alteração do regime jurídico do sector empresarial local, com a consagração de rácios de solvabilidade que levarão ao encerramento de muitas empresas municipais, sem se ter em conta que muitas delas prosseguem objectivos sociais, e sem que se apliquem os mesmos critérios às empresas do sector empresarial do Estado, afinal um dos principais causadores do descontrolo das contas públicas.

d) Acresce ainda que a revisão da lei eleitoral, com drástica redução do número de eleitos, irá contribuir para a diminuição de democraticidade interna nos órgãos municipais.”[39] (Sobre a Lei dos Compromissos[40]).

Assiste-se também à diminuição das receitas provenientes do Orçamento do Estado e à diminuição de receitas de impostos que são receitas municipais – em particular o IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e Derrama[41].

Segundo a mesma Resolução do Conselho Geral “já se atingiu o ponto de inviabilização do normal funcionamento das Autarquias Locais, num claro desrespeito pela Constituição e por décadas de autonomia.

Assim, continua: “Em tal contexto social e político, a questão que verdadeiramente se coloca é a da subsistência das Autarquias Locais, enquanto entidades de população e território, dotadas de autonomia. Verdadeiramente o que se coloca em causa com todas estas restrições e vicissitudes é a autonomia do Poder Local.

Convém realçar que as medidas que afrontam o estatuto do Poder Local e as suas finanças locais são uma prática continuada de alguns anos. Tem-se assistido de facto ao deteriorar das finanças locais com uma Lei, aprovada em 2006 (Lei n.º 2/2007 [43] [44]), que nunca veio a ser aplicada (ao que parece viu a sua aplicação durante 6 meses) e caso fosse executada, traria desequilíbrios financeiros gravíssimos aos Municípios mais dependentes do OE. Esta deterioração também se reflete na diminuição gradual e sucessiva das verbas transferidas do OE para os Municípios, na atribuição de competências, sem a correspondente transferência dos meios materiais e financeiros, no facto de os Municípios executarem numerosas competências que a Administração Central se abstém de executar, na diminuição do IMT, derrama, e das taxas de urbanização e edificação, por força da recessão económica, e na diminuição progressiva do peso das receitas e despesas municipais nas receitas e despesas do Estado[45].

É de se observar que a autonomia local é erigida em defesa das próprias populações, para que elas mesmas possam gerir os seus interesses e decidir os seus destinos. Menos autonomia representa mais centralização e a consequente perda de importância das comunidades locais. As autarquias locais não são delegações nem serviços da administração indireta do Estado, muito menos instrumentos locais da ação do Governo.

Com menos recursos a transferir para as autarquias locais, que se traduzem numa diminuição em milhares de milhões de euros nos últimos anos, podemos considerar como um forte entrave para o desenvolvimento da sua autonomia.

Perante este cenário o Conselho Geral [46], em jeito de desespero, enuncia, entre outras, as consequências prejudiciais que a política dos Governos irá provocar, alertando para a asfixia financeira definitiva do Poder Local, a redução do exercício de competências por parte dos Municípios, nomeadamente das que não são da responsabilidade municipal, a diminuição dos apoios municipais prestados pelas Câmaras Municipais às populações carenciadas, o que irá necessariamente traduzir-se no aumento das dificuldades das famílias e no aumento da conflitualidade social, a alteração do modelo de Poder Local construído nos últimos 35 anos, com a criação de uma nova Administração Local, com menos autonomia, asfixiada financeira e administrativamente, menos democrática e menos participada.

Neste contexto, podemos pois constatar que a descentralização de competências ainda não aconteceu na sua plenitude, permanecendo o poder local ainda bastante dependente do poder central, tanto a nível financeiro como legislativo, em particular no que toca às regulamentações legislativas e ao setor da fiscalidade municipal.

Conclusão

É no contexto do presente processo de reestruturação do Estado, de redefinição das suas funções e de diminuição da sua intervenção na sociedade que hoje se coloca a problemática da sua relação com os Municípios, na perspetiva da descentralização e da autonomia local.

A autonomia local parece justificar que o caminho seja no sentido da municipalização do processo tributário relativo aos impostos que constituem receita municipal, porquanto o atual modelo de administração fiscal centralizada não protege suficientemente a posição dos municípios, de modo a reforçar as suas receitas e torná-los menos dependentes do Poder Central. Isto implicaria que o centro de gravidade do financiamento municipal se deslocasse do Orçamento do Estado para o sistema fiscal, pela ampliação da fiscalidade exclusiva dos municípios e da municipalização do processo tributário respeitante a esses impostos.

A verdade da vida, no entanto, não tem mostrado esse rumo ao destino do Poder Local e da sua autonomia, bem pelo contrário. A falta de regulamentação legislativa no âmbito das leis parlamentares de transferências de atribuições e competências, a insuficiente existência de meios materiais e financeiros para corresponder às atribuições e competências que lhes são conferidas, os cortes sucessivos de verbas transferidas pelo Orçamento de Estado, parecem inviabilizar, senão mesmo fazer retroceder, todo o processo de desenvolvimento de autonomia do Poder Local, consagrado constitucionalmente em 1976.

Vejamos então a nova proposta de Lei das Finanças Locais, aprovada em Conselho de Ministros, em 27 de dezembro de 2012.

A ilustrar temos a certificação das contas do município por um auditor externo, prevista nesta proposta. Com certeza que este auditor será de nomeação ou indicação governamental, com o intuito de fiscalizar as contas municipais e eventualmente também com o direito de veto. Este seria um elemento estranho ao município e de atuação intrometida evidente na gestão dos destinos autárquicos, relembrando o período do Estado Novo. Também está prevista uma diminuição da possibilidade de os bancos poderem emprestar dinheiro, com a limitação ao endividamento pelo município, dificultando assim a sua capacidade de investimento e de empreendimento, logo a sua autonomia financeira.

Difícil é aceitar que Portugal com uma constituição democrática e estruturada nos princípios da descentralização e da subsidiariedade do Estado se veja hoje numa encruzilhada, não em termos jurídicos do seu ordenamento, mas numa atitude governativa dos atores que vão sentando nas cadeiras do poder, que tem vindo a dificultar e a prejudicar a autonomia local, volatilizando as suas opções e posições políticas sobre a descentralização e autonomia local, quando ocupam ou não ocupam aquelas cadeiras.

Se durante o Estado Novo os Municípios foram transformados em organismos de administração indireta do Estado, controlados política, administrativa e financeiramente pelo governo, exonerados de autonomia e de recursos financeiros, em total dependência e subordinação face ao Poder Central, após a implantação do regime democrático, a Constituição e as Leis ordinárias transformaram quase radicalmente no plano jurídico e nos planos social e económico a autonomia local portuguesa.

No entanto, têm-se constatado políticas governativas e algumas medidas legislativas que não respeitam a autonomia e a dignidade dos municípios, colocando-os mais dependentes administrativa e financeiramente em relação ao Estado, configurando, porventura, violações à Constituição Portuguesa e à Carta Europeia da Autonomia Local.

Tememos pois que, apesar da consagração constitucional e da existência de Leis ordinárias estabelecendo e preparando o caminho para a concretização progressiva da autonomia local, possamos estar a caminhar para uma cada vez maior dependência autárquica do Poder Central, conformando-se os municípios em órgãos camuflados da administração indireta do Estado.

Podemos, então, estar a assistir de facto a uma da transição da descentralização previdente para uma descentralização imprevidente de um Estado Providência em recuo.

Notas

1. Oliveira, César (1996a) – “O Estado Novo e os Municípios Corporativos”, in Oliveira, César (dir.), História dos Municípios e do Poder Local. Círculo de Leitores, 285-325; In Oliveira, Inês Maria Leal Cerca, PODER LOCAL E EDUCAÇÃO: QUE RELAÇÃO? A Descentralização de Competências Educativas para o Poder Local, Dissertação de Mestrado em Sociologia Políticas Locais e Descentralização: as novas áreas do social p. 14.

2. “10 Anos de Poder Local”, intervenção na Assembleia da República a 12 de Dezembro de 1986, in Cadernos Municipais, 38/39, 2-4, in Oliveira, Inês Maria Leal Cerca, ob. citada, p. 20.

3. Estado Providência e Cidadania em Portugal, (1997) 1ª ed., Lisboa, Celta, p. 194, in Montalvo, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal (2003), p.

4. O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal (2003), pp. 57-58.

5. Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª ed., p. 486.

6. Ob. citada, p. 486.

7. Oliveira, Mário Esteves de, Direito Administrativo, 2.ª reimpressão, vol. I, p. 183.

8. Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., 1.º vol I., p. 252.

9. Ob. Citada, p. 183

10. Ob. Citada, p. 184.

11. Alexandrino, José de Melo, Direito das Autarquias Locais, in Paulo Otero / Pedro Gonçalves (coords.), Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. IV, Coimbra, 2010, p. 100.

12. Ob. Citada, p. 101-102.

13. Alexandrino, José de Melo, ob. citada, p. 103.

14 Ob. citada, p. 880.

15. Segundo Freitas do Amaral existem cinco modalidades de tutela administrativa: a) tutela integrativa; tutela inspetiva; tutela sancionatória; tutela revogatória; tutela substitutiva. Ob. citada, pp. 883 e 884.

16. Intervenção do deputado Cláudio Monteiro na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em 1997 (CERC/97), in Folque, André, A Tutela Administrativa nas Relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), p. 243.

17. Folque, André, in ob. Citada, p. 258.

18. Ob. Citada, p. 340.

19. Alexandrino, José de Melo, Direito das Autarquias …, ob. citada, p. 267.

20. Ob. citada, p. 24

21. Oliveira, Inês Maria Leal Cerca, ob. citada, p. 30.

22. Documento Verde da Reforma da Administração Local, “Uma Reforma de Gestão, uma Reforma de Território e uma Reforma Política”.

23. Concretizada pela Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto.

24. Ver Lei n.º 22/2012 de 30 de maio.

25. Lei n.º 22/2012 de 30 de maio.

26. Neste sentido, Alexandrino, José Melo, Tópicos desenvolvidos da lição proferida, em 4 de Novembro de 2011, no Módulo “A interioridade no tempo e no espaço”, no I Curso pósgraduado sobre Direito da Interioridade, organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em colaboração com a Câmara Municipal de Bragança, p. 18.

27. Referindo na generalidade a problemas e a bloqueios, sem nunca os identificar, cfr. Documento Verde…, p. 5.

28 Preâmbulo da Resolução n.º 40/2011, de 22 de Setembro.

29. Alexandrino, José Melo, Trabalho citado, p. 19.

30. Cerca, Inês Maria Leal Oliveira, ob. Citada, p. 37

31. Para Grémion, o conceito de “regulação cruzada” é “(…) a forma de controlo social suprajurídico e infrapolítico que se desenvolve a partir da negociação em torno da regra no sistema político-administrativo local.” In Cerca, Inês Maria Leal Oliveira, ob. citada, p. 37

32 “As várias medidas que essa reforma tem provocado na generalidade dos países ocidentais têm como característica comum a desintegração do Estado Providência, isto é, a ruptura da sua anterior homogeneidade e centralização.
Esta ruptura manifestou-se por duas formas clássicas: a nível orgânico, através da criação de serviços desconcentrados do Estado e de novas entidades de direito público e de direito privado exteriores à Administração Pública; e a nível territorial, por via dos processos de regionalização e de descentralização municipal.
O desdobramento do Estado em novos organismos exteriores à sua Administração tradicional (institutos, empresas públicas, fundações, sociedades anónimas, comissões reguladoras, autoridades administrativas independentes, agências executivas) teve efeitos vários, que só muito sumariamente podemos aqui identificar. Uma primeira consequência consistiu na perda de identidade do Estado-Providência e no enfraquecimento da coesão social por ele representada. Uma segunda consequência traduziu-se na diluição da legitimidade política do Estado que se excluiu de sectores cada vez mais vastos da prestação de serviços e da produção de bens, entregando a sua gestão a altos funcionários ou a administradores recrutados fora do aparelho do Estado e desprovidos de mandato popular e de legitimidade política. Uma terceira consequência dessa transformação do Estado Providência consistiu na diluição do conceito de cidadania, uma vez que ela deixou de estar reportada exclusivamente ao Estado, para passar a afirmar-se face a cada um dos vários centros de satisfação de interesses e de prestação de serviços.
A transformação do Estado Providência num novo paradigma de Estado, o chamado Estado Pluralista, gerou uma Administração policêntrica, constituída por uma constelação de novos órgãos que coexistem com interesses e lógicas distintas e constituem múltiplos centros de poder. O Estado vai-se reestruturando, redefinindo as suas funções estratégicas e fazendo intervir nessa “recomposição funcionalista” os Municípios, as Regiões, as organizações supra-nacionais e também os sectores privado e social.” In Relatório e Projecto de Resoluções referentes ao tema “Organização do Estado e do Poder Local”, definido pelo Conselho Directivo da ANMP como um dos temas prioritários a debater no XIV Congresso, abril 2004, pp-2-3.

33. O ideia de que “small is beautifill” e a fé na capacidade individual do indivíduo e da empresa. Estorninho, Maria João, A Fuga para o Direito Privado, p. 12.

34. Página 12.

35. O Poder Local e Educação…, ob citada, p. 40

36. Cerca,  Inês Maria Leal Oliveira, ob. citada, pp. 40-41.

37. Cerca, Inês Maria Leal Oliveira, O Poder Local e a Educação…, ob. citada, p. 48.

38. Idem, p. 49.

39. Resolução do Conselho Geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses, de 07/05/2012.

40. “A publicação da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, e do Decreto-lei nº 127/2012 de 21 de Junho, coloc(ar)am à gestão autárquica um conjunto de novos desafios que vão mudar radicalmente os conceitos normalmente utilizados para a concretização das estratégias e políticas que cada eleito assume para a respetiva autarquia, seja ela de pequena ou grande dimensão, seja município ou freguesia, tenha maior ou menor capacidade/disponibilidade financeira . Doravante, em vez dos orçamentos que permitiam a execução de despesas em valores, muitas vezes superiores à receita efetiva, o que agora importa são mesmo as verbas recebidas. (…)  Se tivermos verbas disponíveis podemos encomendar. Podemos fazer obra. Concretizar subsídios. Disponibilizar apoios. Se não tivermos, teremos de aguardar que venham a existir (independentemente das estimativas orçamentais, mais ou menos otimistas que se possam fazer).” Fernando Seara, in Diáriode Notícias, 20/07/12.

41 A derrama é um imposto municipal que incide sobre o lucro tributável das pessoas coletivas, sendo a sua taxa fixada anualmente.

42. Segundo Fernando Ruas, presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, “a nova lei agrava as limitações da autonomia do poder local, traz prejuízos à coesão territorial e agrava as assimetrias e, como tal, é lesiva dos pequenos municípios.” in.

43 Foi aprovada, em Conselho de Ministros, no dia 27 de dezembro de 2012, a nova proposta de Lei das Finanças Locais. “O diploma tem por base 7 princípios: Princípio da legalidade; Princípio da estabilidade orçamental; Princípio da autonomia financeira; Princípio da transparência; Princípio da solidariedade nacional recíproca; Princípio da equidade intergeracional; Princípio da coordenação entre finanças locais e finanças do Estado. O Governo legislou sobre a redução de empresas municipais; redução de dirigentes municipais e estruturas orgânicas; reorganização administrativa do território; reforço do intermunicipalismo; reorganização do mapa das sub-regiões; descentralização de competências do Estado Central para a Administração Local; revisão das competências das autarquias e das entidades intermunicipais.Da nova Lei das Finanças Locais, destacam-se as seguintes medidas:1. Certificação das contas do município por um auditor externo.2. Mecanismo de detecção precoce – quando o valor da divida total é 100% da média da receita, a Direção Geral da Administração Local (DGAL) informa a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal. No caso de a ultrapassagem do limite ser de 150%, a DGAL informa o Banco de Portugal – que alertará todo o sistema financeiro para o endividamento do município, diminuindo as hipóteses de um banco lhe emprestar dinheiro.3. Para os casos de ruptura financeira dos municípios, é criado um Fundo de Apoio Municipal com participação dos Municípios e do Estado. Os municípios que recorram a este Fundo serão acompanhados por um responsável designado pela Administração do referido Fundo e estarão obrigados a um programa de austeridade.4. Aumenta-se a estabilidade das receitas municipais com o fim do imposto de transmissão de imóveis.5. O conceito de endividamento líquido é substituído por uma dupla regra que conjuga a “regra de ouro” para o saldo corrente e com o limite para a divida total.” in.

44. Merece a “profunda oposição” da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), afirmou esta sexta-feira, em Coimbra, Fernando Ruas.”Se a proposta que conheço” através da comunicação social, “mandar para um município alguém que não foi eleito, mas tem o título de gestor para vetar as contas do município”, estar-se-á perante “uma perfeita ingerência.. Essa possibilidade, preconizada na proposta governamental, “é uma machadada na autonomia do poder local”, sublinhou o presidente da ANMP. “Nunca admitiríamos que um gestor viesse vetar as contas” de um município. “Acompanhá-las, criticá-las, como já acontece”, é compreensível”, mas se “essa figura [com poder de veto] passar a constar” da nova lei “estaremos em desacordo” (…). In Correio da Manhã, 28 de dezembto 2012.

45. Resolução do Conselho Geral da ANMP, idem.

46. Resolução do Conselho Geral da ANMP, idem.

Fontes de Consulta e Referência

Fontes Bibliográficas

Alexandrino, José de Melo, Contexto e Sentido da Reforma do Poder Local, Tópicos desenvolvidos da lição proferida, em 4 de Novembro de 2011, “A interioridade no tempo e no espaço”, no I Curso pós-graduado sobre Direito da Interioridade, organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em colaboração com a Câmara Municipal de Bragança.

Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 3.ª ed. 5.ª reimpressão da edição de novembro de 2006, Almedina, 2010.

Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10.ª ed., Coimbra, 1982.

Caetano, Miguel; Barata, J.P. Martins; Pessoa, Vítor; Esteves, Céu M., Regionalização e Poder Local em Portugal, Oficinas Gráficas do Parque Municipal de Exposições de Braga, 1982.

Cerca, Inês Maria Leal Oliveira, Poder Local e Educação: Que Relação? – A Descentralização de Competências Educativas para o Poder Local, Dissertação de Mestrado em Sociologia – Políticas Locais e Descentralização: as novas áreas do social – Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2007

Estorninho, Maria João, A Fuga para o Direito Privado, Almedina, SA.
Montalvo, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal, Almedina – Coimbra, 2003

Faria, Carlos Vieira de, O Poder Local face aos desafios do século XXI: Desejos e Realidade – MALHA URBANA Nº 9 – 2010

Folque, André, A Tutela Administrativa nas Relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, Limitada, 2004.

Neves, Ana, A reorganização da Administração local autárquica, setembro 2012

Oliveira, Mário Esteves, Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 1984

Otero, Paulo e Gonçalves, Pedro, Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. IV, Almedina, SA, 2010

Documentos institucionais

Associação Nacional Municípios Portugueses, Resolução do Conselho Geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), maio 2012

Associação Nacional Municípios Portugueses, Resolução, proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012, Associação Nacional Municípios Portugueses

Associação Nacional Municípios Portugueses, Orientações Aprovadas pelo Governo para o O.E. 2011, Conselho Directivo, outubro, de 2010

Associação Nacional Municípios Portugueses, Comunicado de Imprensa, Os portugueses não aguentam mais sacrifícios, Conselho Directivo da ANMP.

Documento Verde da Reforma da Administração Local, Gabinete do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, setembro, 2011

Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica, de 17 de maio 2011

Relatório e Projecto de Resoluções referentes ao tema “Organização do Estado e do Poder Local”, definido pelo Conselho Directivo da ANMP como um dos temas prioritários a debater no XIV Congresso, abril 2004.

Fontes Legais

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Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, regime jurídico da tutela administrativa

Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais

Lei nº 169/99, de 18 de setembro, com as alterações feitas pela Lei nº 5- A/2002, de 11 de Janeiro

Lei nº 41/2003, de 22 de agosto

Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, Lei das Finanças Locais

Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro

Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica

Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto

Decreto-Lei nº 77/84, de 8 de março

Decreto-Lei nº 7/2003, de 15 de janeiro

Decreto-lei nº 127/2012 de 21 de Junho

Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/2011, 22 de setembro

Constituição de 1822

Carta Europeia de Autonomia Local – Decreto do Presidente da República n.º 58/90, de 23 de outubro

* Jurista, Trabalho no âmbito do Curso de Mestrado Profissionalizante em Direito Administrativo, 2012/2013, Janeiro de 2013.

É autor dos artigos «A Procuratura dos Negócios Sínicos» e o «O Tribunal Privativo dos Chinas de Macau».

31/8/2014

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