O direito de propriedade intelectual (que abrange o direito de autor e o direito de propriedade industrial), relacionado, por exemplo, com patentes, é um direito fundamental. Desde logo, porque é abrangido pelo âmbito de protecção do direito de propriedade privada. A jurisprudência e a doutrina incluem, ainda, este direito no direito ao desenvolvimento da personalidade.
Sendo assim, a restrição do referido direito só pode ser admitida por razões ponderosas, por exemplo por motivos de interesse público (sujeita a critérios de ponderação com os interesses que se visem proteger) e que não afecte o núcleo essencial deste tipo de direito de propriedade que, no caso das patentes, está relacionado com a protecção de invenções no domínio da tecnologia durante 20 anos a contar da data do pedido.
O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (Acordo TRIPS), Anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), que entrou em vigor na ordem jurídica internacional em 1 de Janeiro de 1995, prevê, no proémio do artigo 31.º, que a legislação de um Membro pode permitir outras utilizações do objecto de uma patente sem o consentimento do respectivo titular, incluindo a utilização pelos poderes públicos ou por terceiros autorizados pelos poderes públicos. Contudo, a utilização de uma patente sem o consentimento do respectivo titular está sujeita a várias condições. Por exemplo, nos termos do segundo parágrafo da al. b) do referido artigo, a autorização da utilização, sem necessidade de obter o consentimento do titular em condições comerciais razoáveis, apenas se pode verificar em situações de emergência nacional ou noutras circunstâncias de extrema urgência, ou em caso de utilização pública sem finalidade comercial.
Por outro lado, nos termos da al. h) do artigo 31.º, o titular da patente deve receber «uma remuneração adequada a cada caso concreto, tendo em conta o valor económico da autorização».
Como, nos termos da al. f) do artigo 31.º, a autorização da utilização do objecto de uma patente, sem o consentimento do respectivo titular, se destina, predominantemente, ao fornecimento do mercado interno do membro que autorizou essa utilização, verificou-se a necessidade de, por motivos de saúde pública, se passar a abranger, também, a exportação de produtos farmacêuticos para países importadores elegíveis que enfrentassem problemas de saúde pública.
Nesse sentido, o Acordo TRIPS foi alterado em 6 de Dezembro de 2005 e entrou em vigor na ordem jurídica internacional em 23 de Janeiro de 2017. Uma das alterações consistiu no aditamento do artigo 31.º-A, cujo n.º 1 passamos a transcrever: «As obrigações de um membro exportador por força da alínea f) do artigo 31.º não serão aplicáveis no que respeita à concessão, por parte desse membro, de uma licença obrigatória, na medida do necessário à produção de um (de) produto(s) farmacêutico(s) e à sua exportação para um ou mais membros elegíveis, em conformidade com as condições previstas no n.º 2 do Anexo do presente Acordo».
O objectivo desta alteração foi permitir «a qualquer Membro da OMC exportar produtos farmacêuticos fabricados ao abrigo de uma licença obrigatória, a fim de abastecer os países em desenvolvimento cuja capacidade de produção seja insuficiente».
A definição de «produto(s) farmacêutico(s)» está prevista na al. a) do n.º 1 do Anexo do Acordo e abrange, por exemplo, a produção de vacinas. A definição de «membro importador elegível» prevista na al. b) do n.º 1 do Anexo do Acordo inclui, por exemplo, qualquer país membro menos desenvolvido ou qualquer outro membro que notifique que apenas utilizará o sistema previsto no Protocolo como importador e «membro exportador», cuja definição está prevista na al. c) do n.º 1 do Anexo do Acordo, é caracterizado como produtor de produtos farmacêuticos para um membro importador elegível e para os exportar para esse membro.
Foi publicado, em O Direito, em 7 de Fevereiro de 2019, um texto relacionado com patentes intitulado «Curva de aprendizagem».
18/5/2021