Jogo

Proibição de acesso às salas de jogos dos casinos

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 1840/05.0TBESP.P1.S1

Data do Acórdão: 29/03/2012

Sumário

I – A exploração e a prática de jogos de fortuna e azar e a execução das obrigações das concessionárias ficam sujeitas à inspecção tutelar do Estado, exercida pela IGJ e pelas demais entidades a quem a lei atribua competência neste domínio (cfr. art. 95.º do DL n.º 422/89, de 02-12)

II – Por sua iniciativa, ou a pedido justificado das concessionárias, ou ainda dos próprios interessados, o Inspector Geral de Jogos, pode proibir o acesso às salas de jogo quaisquer indivíduos, por períodos não superiores a cinco anos (cfr. art. 38.º, n.º 1, do DL n.º 422/89 de 02-12, redacção alterada pelo DL n.º 10/95, de 19-01).

III – O legislador quis também responsabilizar as concessionárias atribuindo-lhes o poder dever de colaborar com aquela Inspecção nesse controlo.

IV – Tendo o autor tomado consciência da sua compulsividade para o jogo, a solicitação à IGJ da sua interdição de acesso às salas de jogos de todos os casinos do país por um determinado período, configura uma providência que visa salvaguardar um direito subjectivo de personalidade do autor em conformidade com o estatuído no n.º 2 do art. 70.º do CC.

V – E tendo sido, na sequência dessa solicitação à IGJ, ordenada a proibição, nasce para o autor uma expectativa jurídica de que, independentemente da sua vontade (compulsiva ou não) será impedido de aceder às salas de jogo dos casinos.

VI – E tendo a ré Casino sido notificada pela IGJ com a menção dos elementos de identificação do autor, passa a pender sobre a ré a obrigação de impedir a entrada do autor, nas salas de jogos dos casinos de que é concessionário, neste caso, no casino de X.

VII – Não obstante essa notificação, a ré não cumpriu tal obrigação, porquanto um mês após tal proibição, o autor teve acesso ao casino de X e ali recomeçando jogos de roleta e em máquinas, sendo certo que o autor era aí um jogador conhecido, quer pelos responsáveis do casino, quer pelos respectivos funcionários.

VIII – Declarada a proibição de o autor aceder às salas de jogo dos casinos e notificada a ré dessa proibição, passou a impender sobre esta o ónus de accionar os mecanismos específicos do controlo de acesso de modo a vedar a sua entrada naquelas salas, pelo que o comportamento omissivo e permissivo por parte da ré viola o disposto no citado art. 38.º da Lei do Jogo, dando lugar a obrigação de reparar os danos que dessas omissões ocorrerem, nos termos do art. 486.º do CC.

IX – E sendo o autor pessoa conhecida dos responsáveis do referido Casino, seria para estes de fácil execução vedar-lhe a sua entrada nos serviços de portaria das salas de jogo, ao contrário do que foi feito quando permitiram ao autor com as suas omissões o acesso livre, a ponto até de o incentivarem com convites para eventos sociais no Casino, conduta esta no contexto supra descrito, susceptível de integrar um juízo de reprovação ético jurídico, que configura da parte da ré um comportamento culposo.

X – E neste domínio, considera-se, no entanto, ajustada a repartição das culpas em 1/3 para o autor e 2/3 para a ré feita pelas instâncias, à luz do critério do art. 570.º, n.º 1, do CC, porque em função da matéria de facto que vem provada relacionada com a conduta das partes, a culpa da ré nos surge, aqui, mais intensa que a do autor.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

AA, intentou no Tribunal Judicial da comarca de Espinho acção com processo ordinário contra BB, SA pedindo a sua condenação na quantia de €240.000,00 acrescida de juros vincendos após citação até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de € 50.000,00 a título de danos morais e nas sanções administrativas decorrentes da violação das disposições legais, ou, se assim se não entender, a comunicação a entidades competentes a conduta da Ré para os fins tidos por convenientes.

Fundamenta o pedido alegando, em síntese:

Jogava no Casino de Espinho, explorado pela Ré, desde o último trimestre de 2003.

Viciou-se no jogo, passando a ser um cliente conhecido no referido Casino.

Começando a tomar consciência dos riscos associados ao jogo, tentou colocar um ponto final nessa situação, solicitando em 2/012/2003, por sua iniciativa, a interdição de acesso a sala de jogos, nos termos do art. 38º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro.

Por despacho do Inspector Geral de Jogos de 10/12/2003, foi deferida a sua pretensão, tendo sido ordenada a respectiva proibição de acesso às salas de jogos de todos os casinos do país, pelo período de dois anos.

Esta decisão foi comunicada à Ré, na pessoa do Director de Serviços de Jogos.

Cerca de um mês após a proibição, não conseguindo resistir à tentação, voltou ao Casino de Espinho. Começou a jogar forte, na roleta, apostando diariamente, desde o meio da tarde até às 03:00 e mesmo 04:00 horas do dia seguinte, entre 500,00 a 8.000,00 euros.

Os funcionários da ré sabiam da proibição comunicada, expressando-o, mas permitiam-lhe que continuasse a joga, ao invés do que faziam com outros jogadores.

Era conhecido dos funcionários e frequentava os restaurantes e o salão nobre, sem nada pagar. Pernoitava, se o pretendesse, no Hotel Apartamento…

Era convidado para jantares de gala, mediante convites endereçados para sua casa.

O autor estava desorientado e não conseguia viver sem o jogo. Quanto dinheiro levantava ou trocava, quanto perdia ao jogo.

Em consequência disso, perdeu a sua actividade profissional de negociante de veículos automóveis.

Ao tempo do deferimento da proibição tinha viaturas no valor de 60.000,00 euros, que perdeu no jogo, pois de cada vez que fazia uma venda, ia jogar.

Nas suas contas bancárias tinha cerca de 40.000,00 euros, que também gastou no casino da ré. Perdeu ainda ao jogo 10.000,00 euros de dinheiro que havia emprestado a pessoas amigas.

Passou, então, a pedir dinheiro emprestado, tendo pedido 100.000,00 euros entre Setembro de 2004 e os primeiros meses de 2005.

Em Maio de 2005 tinha perdido tudo, tendo destruído a quantia de 240.000,00 euros. Tinha, como ainda tem, muitas dívidas.

Perdeu o crédito, credibilidade, dignidade, amigos e alegria de viver. Está presentemente desempregado, com tendências suicidas.
Tudo isto porque a ré não cumpriu uma ordem, emanada e notificada, violando-a.

As entradas do autor no casino foram registadas, nos termos do art. 52º daquele Decreto-Lei.

A ré violou igualmente o disposto nos artigos 118º, 119º, al. h), e 125º do mesmo diploma legal, e constituiu-se na obrigação de o indemnizar pelos prejuízos havidos.

2. Citada a ré, deduziu contestação, impugnando a versão do autor e alegando que as entradas do autor no casino nunca foram objecto de registo.

O autor pediu apenas a interdição de acesso às salas de jogo dos casinos.

O acesso às salas de máquinas é, e sempre foi, livre, sendo apenas recusado nas situações previstas no art. 36º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.

Não se prevê na legislação reguladora da exploração de jogos qualquer mecanismo de identificação dos frequentadores das salas de máquinas automáticas.

A elevada frequência dessas salas, em certos dias e horas, inviabiliza também qualquer tipo de controlo e de prévia identificação dos frequentadores.

Até 21/02/2005 apenas o acesso às salas de jogos tradicionais e às salas mistas era precedido de controlo e identificação; a partir dessa data, o acesso às salas mistas passou também a ser livre.

Não pode, por sua exclusiva iniciativa e responsabilidade, instalar sistemas de controlo e identificação dos frequentadores no acesso a essas salas de jogo.

Na notificação da decisão de interdição do acesso do autor havia uma mera cópia da sua fotografia a preto e branco, a qual não permite a identificação visual e presencial da sua pessoa.

Depois de 17/12/2003, o autor não acedeu à sala de jogos tradicionais, nem entre essa data e 17/02/2005 acedeu à sala mista.

A notificação de proibição do autor em aceder às salas de jogos, seguindo para a Direcção do Serviço de Jogo, não foi transmitida para a Direcção dos Serviços Comerciais, pelo que ele continuou a integrar a listagem de convidados para especiais eventos culturais e de animação.

Invocando o direito de regresso contra o Estado Português, em caso de ser condenada a pagar ao autor qualquer indemnização, requereu a intervenção acessória provocada daquele, a fim de intervir nestes autos como seu auxiliar na defesa.

3. Replicou o autor, reiterando a posição anteriormente assumida e manifestando oposição ao requerido chamamento do Estado.

4. Admitida a intervenção acessória do Estado, foi citado o Ministério Público.

5. Realizou-se audiência preliminar, com a efectivação do saneamento e condensação do processo, esta sem reclamação.

6. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo-se respondido à matéria de facto, sem qualquer reclamação.

Proferida a sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e condenada a ré BB –, S.A. a pagar ao autor AA a quantia de 82.893,33 euros (oitenta e dois mil oitocentos e noventa e três euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva para as obrigações civis, desde a citação até efectivo e integral pagamento, no mais a absolvendo do pedido formulado.

Não foi, no entanto, proferida qualquer condenação contra o Estado, porque se considerou que, sendo caso disso, caberia à Ré BB fazer valer contra aquele o direito de regresso.

7. Inconformada com a sentença, interpôs a ré recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou aquela decisão.

Novamente inconformada interpôs recurso de revista para este Tribunal.

A Ré nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

1- Uma vez que a condenação da recorrente assentou não instituto da responsabilidade civil extracontratual, deverá ser precedida e deverá assentar, entre outros requisitos, na existência de ilicitude e culpa no comportamento da pretensa lesante.

2 – No caso dos presentes autos não ocorre, salvo o devido respeito, nem um nem outro de tais requisitos.

3 – A ilicitude há-de traduzir-se ou na violação de um direito subjectivo de outrem, ou na violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

4 – Não se verifica no caso presente a violação de um qualquer direito do recorrido, dado que os direitos subjectivos protegidos pelo instituto da responsabilidade civil são direitos absolutos, que têm por destinatários todos os demais cidadãos e todas as entidades, públicas e/ou privadas.

5 – E têm ainda, como contrapartida, da parte do respectivo titular um direito a exigir um comportamento, activo ou omissivo dos titulares passivos de tal direito, mesmo quando, como seria o caso, tal se tratasse de uma obrigação passiva universal.

6 – Não se vê que no caso dos presentes autos, como direito geral de personalidade, possa ser invocado por parte do recorrido um direito de protecção relativo a aspectos e comportamentos desviantes de uma personalidade normal.

7- O caso dos presentes autos, assim, e no que toca ao dito requisitos da ilicitude, apenas poderia fundar-se na violação, da parte da ora recorrente, de uma disposição legal destinada a proteger interesses de outrem, ou seja, no caso, do recorrido e de pessoas que se encontrem na mesma situação.

Apenas…

8 – Não se vê que alguma disposição legal destinada a proteger as pessoas que, sendo habituais frequentadores dos casinos, peçam por sua iniciativa a sua interdição de acederem às respectivas salas de jogos, tenha sido violada pela ora recorrente.

9 – A actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar nos casinos é uma actividade regulada e pormenorizadamente regulada, estando as concessionárias obrigadas a cumprir escrupulosamente o respectivo regime legal.

10 – Nos termos de tal regulação, não está prevista a existência de um serviço de identificação dos frequentadores no acesso às salas de máquinas e hoje também, nas salas mistas dos casinos, ao contrário do que sucede no acesso às salas de jogos tradicionais, pelo que não podia a recorrente instalar tal serviço.

11 – No acesso a tais salas as concessionárias, e portanto a ora recorrente, apenas pode ter porteiros, que apenas estão obrigados a solicitar aos frequentadores, no momento do acesso, o respectivo cartão de acesso quando a aparência do frequentador for de molde a suscitar dúvidas sobre a sua maioridade.

12 – Em nenhum outro caso existe a obrigação dos ditos porteiros em exigir a identificação dos frequentadores no momento de acesso a tais salas de jogo, pelo que se não vê que norma legal tenha sido violada.

13 – É verdade que os frequentadores que, nos termos do disposto no art. 38 do Dec-Lei nº 422/89, de 02.12, tomem a iniciativa de pedir a sua interdição de aceder às salas de jogos dos casinos, estão, face á legislação vigente, de algum modo desprotegidos, e sem forma de verem executada a decisão que lhes defira essa pretensão.

Apenas…

14 – Essa pretensão é dirigida à Inspecção Geral de Jogos – hoje Direcção dos Serviços de Jogos – e esta entidade tem o dever – e só esta entidade tem tal dever – de implementar um regime de acesso às salas de jogos que permita a executoriedade e eficácia das medidas e decisões que tome a tal respeito.
15 – Dever esse que, inexplicavelmente, não foi exercidos até à presente data

16 – O que não pode é “atirar-se” sobre as concessionárias uma responsabilidade sem que a actividade de exploração dos casinos e salas de jogos seja dotada de uma regime legal que lhes permita implementar um controlo eficaz no acesso a tais salas de jogo.

17 – Repare-se que mesmo a implementação de um sistema de vigilância e controlo electrónico no interior das salas de jogos e nos respectivos acesso constitui obrigação da Inspecção-Geral de Jogos, e apenas pode ter por objectivo a protecção e segurança de pessoas e bens.

Por outro lado,

18 – Ainda que houvesse no caso ilicitude no comportamento omissivo da ora recorrente, sempre estaria ausente o requisito da culpa, mesmo na sua forma mais suave da mera e simples negligência.

19 – Já que a notificação que lhe foi efectuada da decisão relativa à interdição de acesso às salas de jogos dos casinos ao ora recorrido, vinha acompanhada de uma fotocópia a preto e branco de uma fotografia “tipo-passe” do visado, e que impossibilitava de todo a identificação visual de quem quer que fosse.

20 – Acresce que existem centenas de proibições de acesso às salas d e jogos sendo praticamente impossível, como o douto acórdão em parte reconhece, que os porteiros procedam à identificação de todos aqueles que pretendem aceder às salas de jogos do casino de Espinho.

21 – E nem vale argumentar, como faz o douto acórdão ora em análise, que o recorrido era pessoa conhecida dos responsáveis e funcionários das salas de jogos do casino de Espinho, dado que esse conhecimento não tem que corresponder, e raramente corresponderá, ao efectivo e total conhecimento da sua identidade.

22 – Correspondendo antes, na grande maioria dos casos, a um conhecimento de “vista” ou simplesmente por via de um nome, apelido ou simples “alcunha” insuficiente para estabelecer qualquer identificação com “AA, filho de CC e de DD, nascido a 12 de Novembro de 1974, na freguesia de Massarelos, concelho do Porto, solteiro, vendedor, residente na Casa…, Vila Boa do Bispo, 4630 Marco de Canavezes, titular do Bilhete de Identidade n? 0000000, emitido em 22 de Novembro de 2002, pelos Serviços de Identificação Civil do Porto, válido até 22 de Novembro de 2007”.

23 – E não permitindo, assim, que desse conhecimento, sem mais detalhes da sua natureza, razão de ciência e alcance, se possa extrair conclusão alguma que a recorrente tivesse sabido da entrada e permanência do recorrido no interior das salas de jogos do Casino de Espinho.

24 – Não sendo exigível à recorrente, face à lei em vigor e às demais circunstâncias que rodearam o caso dos presentes autos, inexiste também culpa da sua parte, dado que o conceito de culpa, mesmo na sua forma menos grave da mera negligência, pressupõe sempre a ideia da exigibilidade de uma conduta mais diligente.

25 – Esta conclusão não é contrariada pelo facto de, em algumas vezes, o recorrido ter sido beneficiado com ofertas de serviço nos bares e restaurantes do casino de Espinho, ou beneficiado com convites para eventos especiais noutras dependências do casino, que não as salas de jogos.

26 – Já que para que tais convites e ofertas pudessem ser aqui relevantes, necessário seria que se tivesse provado saber a recorrente qual a verdadeira identidade do convidado, e que a mesma coincidia com a pessoa identificada na notificação recebida a 17.12.2003, prova essa não efectuada no caso dos presentes autos.

27 – O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos arts. 483 nº 1 do C. Civil, e dos arts. 36 nºs 1 e 2, 38º e 41 nº 3, todos do Dec-Lei nº 422/89, de 02.12, na redacção que lhes foi dada pelo Dec-Lei nº 10/95, de 19.01, e no que toca á última das disposições citadas, na redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei nº 40/2005, de 17.02.

Nos termos expostos, e nos mais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve a presente revista ser concedida, e consequentemente revogado o douto acórdão recorrido, com a improcedência total da presente acção.

O A apresentou contra- alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir,

II- Fundamentação:

A matéria de facto provada nas instâncias é a seguinte:

1. O autor era jogador das salas de jogo do Casino de Espinho, Grupo BB, explorado pela ré (A).

2. Por despacho de 10/12/2003, a Inspecção Geral de Jogos, a requerimento do autor, determinou a proibição deste de aceder às salas de jogos tradicionais, máquinas automáticas e jogo do bingo de todos os casinos do país, pelo período de dois anos (B).

3. No dia 17/12/2003 a ré tomou conhecimento, por notificação da Inspecção-Geral de Jogos, da proibição de acesso do autor, a pedido do mesmo, às salas de jogos de todos os casinos do país, pelo período de dois anos (C).

4. Da notificação referida em C) constavam elementos de identificação e fotografia do autor (D).

5. Antes da data referida em C) o autor era convidado para as festas e galas realizadas no Casino de Espinho (E).

6. Após a data referida em C) a ré enviou ao autor convites para eventos sociais no Casino de Espinho (F).

7. Após a data referida em C) o autor recebeu da parte da ré pelo menos duas ofertas de dormida no Aparthotel BB, explorado pela ré (G).

8. Durante o período de dois anos referido em C), o autor levantou com cartões bancários em terminais multibanco, situados nas instalações do casino, a quantia de 63.740,00 euros (H).

9. A ré explora, de forma exclusiva, os jogos de fortuna e azar da zona de jogo permanente de Espinho, ao abrigo do contrato de concessão e exploração celebrado com o Governo Português e publicado no DR, III Série, 14/02/89 (I).

10. O facto referido em A) ocorre desde Outubro de 2003 (1º).

11. O autor começou, desde essa altura, a fazer apostas de valores cada vez maiores e de maior risco (2º).

12. Tornando-se um jogador conhecido no Casino de Espinho, quer pelos responsáveis deste, quer pelos respectivos funcionários (3º).

13. Um mês após a data referida em B) o autor regressou ao Casino de Espinho, recomeçando a jogar roleta (4º).

14. Em inícios do ano de 2004, a direcção da sala de jogo do Casino de Espinho ofereceu ao autor, gratuitamente, os serviços de bar da sala de máquinas e ainda do restaurante (8º).

15. Após a data referida em C), o autor frequentou o restaurante Bacará e o salão nobre, ambos do casino da ré, sem nada pagar (9º).

16. O autor chegava a jogar, durante o período de dois anos referido em C), em sete máquinas em simultâneo (10º).

17. O autor, muitas vezes, jogava desde o meio da tarde até às três e quatro horas do dia seguinte (11º).

18. O autor era conhecido por um dos jogadores mais fortes da roleta (em máquina) (12º).

19. Durante o período de dois anos referido em C) os funcionários da ré permitiram a permanência do autor nas instalações do Casino de Espinho (14º).

20. O autor jogava, em regra, diariamente valores entre os 500,00 e os 8.000,00 euros (15º).

21. No período de dois anos referido em C), o autor despendeu montante não inferior a 124.340,00 euros a jogar no Casino de Espinho (16º).

22. O autor perdeu a actividade profissional que, à data referida em C), exercia (17º).

23. O autor passou por períodos de angústia, tristeza e desequilíbrio emocional (18º e 19º).

24. Durante o período de dois anos referido em C), por força dos convites referidos em F), o autor deslocou-se às instalações do Casino e, uma vez aí, sentindo-se incentivado, jogou (23º).

25. Pelo menos uma das ofertas referenciadas em G) ocorreu no ano de 2005 (25º).

26. Aquando da inscrição da proibição de acesso do autor no registo informático dos serviços de controlo de acesso da ré, não existia qualquer registo de cartão de acesso do autor na sala de jogos tradicionais e na sala mista (26º).

27. Após a data referida em C) o autor não obteve cartão de acesso à sala de jogos tradicionais e à sala mista (27º).

28. Sem cartão de acesso os serviços de portaria da ré não permitem a entrada nas salas de jogos tradicionais e sala mista (28º).

29. Depois da data referida em C) o autor não acedeu à sala de jogos tradicionais (29º).

30. Entre a data referida em C) e o dia 17 de Fevereiro de 2005 o autor não acedeu à sala mista (30º).

31. A identificação dos frequentadores no acesso às salas de máquinas ou salas de bingo é dificultada, em certos dias da semana e em certas horas, pelo significativo afluxo de pessoas (31º).

32. Recebendo ainda a ré centenas de notificações da Inspecção Geral de Jogos idênticas à referida em C (32º).

33. A fotografia aludida em D) era uma fotocópia a preto e branco (33º).

34. No período de dois anos referido em C), a Inspecção Geral de Jogos tinha sedeada nas instalações do Casino de Espinho uma equipa com um número de inspectores nunca inferior a sete (34º).

35. Tais inspectores têm os seus gabinetes nas instalações do Casino de Espinho (35º).

36. Tendo liberdade de actuação no desempenho da sua actividade inspectiva, circulando por todas as áreas e salas de jogos do Casino de Espinho (36º).

37. A Inspecção Geral de Jogos aprovou e pagou na íntegra o sistema de controlo e identificação dos frequentadores das salas de jogos do Casino de Espinho (37º).

38. A Inspecção Geral de Jogos nunca notificou ou exigiu da ré a instalação ou introdução de alterações no sistema de controlo de acesso dos frequentadores às salas de máquinas, salas de bingo e salas mistas (38º).

39. E não deu instruções à ré no sentido de adoptar procedimentos diferentes relativos ao acesso às diferentes salas de jogos, tendentes a proceder à identificação do autor, por forma a impedir o seu acesso (39º).

Apreciando:

Conforme se constata o A vem pedir a condenação da Ré, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causou, por não o ter impedido de aceder às salas de jogo do Casino de Espinho, durante o período de dois anos, em que esteve interditado pelo despacho de 10/12/2003 do Inspector Geral de Jogos de aceder às salas de jogos de todos os casinos do país, não obstante a Ré ter tido conhecimento da proibição através da notificação da Inspecção Geral de Jogos, que ocorreu em 17/12/2003.

A Ré, nas suas conclusões de recurso insurge-se contra o facto do Acórdão recorrido ter assentado a sua decisão na verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual enunciados no art. 483 do C. Civil consubstanciados fundamentalmente na violação de um direito subjectivo do recorrido, por conduta ilícita e culposa da Ré.

Vejamos, antes de mais, o que provado a este respeito:

O autor era jogador das salas de jogo do Casino de Espinho. Grupo… explorado pela Ré (A);

Por despacho de 10/12/2003, a Inspecção Geral de Jogos, a requerimento do autor, determinou a proibição deste de aceder às salas de jogos tradicionais, máquinas automáticas e jogo de bingo de todos os casinos do país, pelo período de dois anos (B);

No dia 17/12/2003 a Ré tomou conhecimento, por notificação da Inspecção Geral de Jogos, da proibição de acesso do autor, a pedido do mesmo, às salas de jogos de todos os casinos do país, pelo período de dois anos (C);

Da notificação referida em C) constavam elementos de identificação e fotografia do autor (D);

Um mês após a data referida em B) o autor regressou ao Casino de Espinho recomeçando a jogar roleta (4º);

Em inícios do ano de 2004, a direcção da sala de jogo do Casino de Espinho ofereceu ao autor, gratuitamente, os serviços de bar da sala de máquinas e ainda do restaurante (8ª)

Após a data referida em C), o autor frequentou o restaurante Bacará e o salão nobre, ambos do casino da Ré, sem nada pagar (9º)

O autor chegava a jogar, durante o período de dois anos referido em C) em sete máquinas em simultâneo (10º)

O autor, muitas vezes, jogava desde o meio da tarde até às três e quatro horas do dia seguinte (11º)

O autor era conhecido por um dos jogadores mais fortes da roleta (em máquina) (12º).

Durante o período de dois anos referido em C) os funcionários da Ré permitiram a permanência do autor nas instalações do casino de Espinho (14º)

O autor jogava em regra diariamente valores entre os 500,00 e os 8.000,00 euros (15º)

No período de dois anos referidos em C), o autor despendeu montante não inferior a 124.340 euros a jogar no Casino de Espinho (16º);

O autor perdeu a actividade profissional que á data referida em C) exercia.

Estes os factos que se destacam, dos quais resulta efectivamente provado que o A durante o período em que esteve proibido de entrar nas salas dos casinos, entrou e jogou de facto nas salas do casino de Espinho e que a Ré teve conhecimento dessa interdição, mas nada fez para impedir o acesso do Autor às salas de jogo.

É, pois, com base nessa omissão da Ré (nada fez durante o mencionado período para impedir o A de ter acesso às salas de jogo) que o A fundamenta o seu pedido indemnizatório.

A Ré, nomeadamente sob a conclusão 4ª, começa por considerar que, no caso em apreço, não existe violação de um qualquer direito subjectivo do recorrido, mas tal alegação não procede.

Vejamos:

A respeito do direito de personalidade o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos in Direito de Personalidade ed. Almedina pag. 46/47 e segs. refere que o “Direito ocupa-se da personalidade de um modo objectivo e de um modo subjectivo. A tutela da personalidade humana tem uma vertente objectiva e uma vertente subjectiva. A primeira pode designar-se direito objectivo de personalidade e a segunda direito subjectivo de personalidade.

E mais adiante escreve o citado autor:

Constitui o direito objectivo de personalidade a regulação jurídica relativa à defesa da personalidade consagrada, quer no direito supranacional, quer na lei constitucional, quer na lei ordinária, cuja ratio se funda em razões de ordem pública e de bem comum e que é alheia à autonomia privada… Fazem parte do direito objectivo de personalidade o direito internacional sobre direitos humanos, o direito constitucional sobre os direitos fundamentais relativos á dignidade humana, o direito penal das pessoas e ainda o direito civil.

Por seu turno, no dizer do autor “o entendimento da defesa da personalidade como direito subjectivo é qualitativamente diverso. São profundamente diferentes, embora não deixem de estar intimamente ligadas, a tutela objectiva e a tutela subjectiva da personalidade. A primeira é constituída como um dever de agir perante os outros; a segunda como direito subjectivo absoluto que cada um tem de defender a sua própria dignidade como Pessoa”.

Na tutela subjectiva da personalidade, não se trata já de um dever geral de respeito, mas antes de um direito pessoal, de um direito subjectivo de defender a dignidade própria, de exigir o seu respeito e de lançar mão dos meios juridicamente lícitos necessários, adequados e razoáveis para que essa defesa tenha êxito. Estes meios traduzem-se em poderes jurídicos que existem na titularidade de cada indivíduo, que são inerentes à sua qualidade humana e cujo exercício é livre e depende de autonomia de cada um”.

É neste enquadramento que se insere o disposto no art. 70 nº 2 do C. Civil segundo o qual “independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim d e evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida”.

Como diz ainda o citado Autor in ob cit. pag. 57 “há poderes potestativos, que permitem ao titular requerer e obter em juízo as providências preventivas e atenuantes consagradas no nº 2 do art.70, ou o poder de desvinculação às limitações voluntárias de direitos de personalidade, consagrado no art. 81º. Há ainda o poder de ser indemnizado pela sua violação.

Estes poderes constituem os meios que o titular do direito subjectivo de personalidade tem ao seu alcance para assegurar o êxito da sua personalidade.

O fim que o direito subjectivo de personalidade visa proteger é a dignidade do seu titular, a sua dignidade enquanto pessoa, não uma pessoa em geral, nem um membro da humanidade, mas apenas a pessoa única, individual e individuada, irrepetível e infungível”.

O Autor ao requerer a sua interdição às salas de jogo dos casinos do país, com vista a defender-se da sua compulsividade do jogo, utiliza precisamente uma das providências adequadas à defesa do direito pessoal consubstanciado nesse interesse subjectivo de se afastar das salas de jogo e, com isso, preservar a sua dignidade pessoal salvaguardando a sua personalidade.

Estamos, aqui, perante um direito subjectivo de personalidade do autor com vista a salvaguardar a sua dignidade pessoal, que merece a tutela do direito, conforme decorre do citado art. 70 do C. Civil.

E sendo assim a Ré ao permitir ao Autor o acesso às salas de jogo, não obstante estar notificada pela Inspecção Geral de Jogos da sua interdição, contribuiu de forma decisiva para a violação daquele direito subjectivo do A, como mais adiante melhor se demonstrará.

A Ré não cumpriu tal obrigação, tendo antes o autor um mês após tal proibição de acesso regressado ao casino de Espinho e ali recomeçado a jogar roleta (cfr. facto 13) chegando a jogar em sete máquinas em simultâneo (cfr. facto 16), desde o meio da tarde até às 03/04 h do dia seguinte (cfr. facto 17) tendo a Ré – durante esse período de 2 anos – permitindo a permanência do autor nas instalações do casino de Espinho.

Mas, além da dessa violação do direito subjectivo de personalidade, verifica-se também no caso dos autos violação de disposição legal destinada a proteger interesse alheio.

O art. 486 do C. Civil dispõe que «as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando independentemente dos outros requisitos legais, havia por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido».

Consagra-se neste preceito uma solução prudente.

Segundo a sua disciplina, as omissões só geram responsabilidade civil, desde que – além dos demais requisitos da lei – se verifiquem dois requisitos específicos:

Que existisse o dever jurídico da prática do acto omitido; que o acto omitido tivesse seguramente ou com maior probabilidade obstado ao dano (cfr. Almeida, Direito das Obrigações, 3ª ed. pag. 369 e também Vaz Serra in BMJ 84º 108).

Os demais requisitos da lei são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano, o nexo causal entre o facto e o dano ( Cfr. o citado art. 483 nº 1 do C. Civil e A. Varela in “Das Obrigações em geral” 9ª ed. pag. 544).
No que concerne a este último dos requisitos apontados «a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que em concreto, conduziram ao dano». (cfr. A. Varela ob. citada pags. 925 e 926 e nota 1).

O citado normativo remete-nos para a lei que regulamenta os jogos de fortuna e azar – DL nº 422/89 de 2.12, posteriormente alterada pelo DL 10/95 de 19.01 e pelo DL nº 40/ 2005.

Desde o primeiro diploma que veio regular o jogo, Decreto 14643 de 3 de Dezembro de 1927 até ao diploma em vigor à data dos factos destes autos – DL nº 422/89 de 2/12 com a redacção dada pelo DL nº 10/95 de 19 de Janeiro – se possa detectar e afirmar uma tutela administrativa nas modalidades correctiva – ou integrativa – inspectiva e substitutiva.

Da análise do diploma em vigor é possível distinguir nele a atribuição de uma competência genérica e uma competência específica à Inspecção Geral de Jogos.

A competência genérica contém-se fundamentalmente nos limites da tutela inspectiva, que permite fundamentalmente tutelar “averiguar e inteirar-se do modo de funcionamento do ente tutelado, para verificar se o mesmo se processa em termos legais (cfr. art. 95 nº 4 1ª parte do DL nº 422/89).

É neste quadro inspectivo que surge o art. 38 nº 1 do citado diploma que dispõe: O art. 38º da Lei do Jogo (na redacção dada pelo DL nº 10/95) prescreve:

«1. Por sua iniciativa, ou a pedido justificado das concessionárias, ou ainda dos próprios interessados, o Inspector Geral de Jogos pode proibir o acesso às salas de jogos a quaisquer indivíduos, nos termos do presente diploma, por períodos não superiores a cinco anos.

2. Quando a proibição for meramente preventiva ou cautelar, não excederá dois anos e fundamentar-se-á em indícios reputados suficientes de ser inconveniente a presença dos frequentadores nas salas de jogos.

3. Das decisões tomadas pelo Inspector-Geral de Jogos, ao abrigo do disposto nos números anteriores e nos arts. 36.º e 37.º, cabe recurso para o membro do Governo responsável pela área do turismo, nos termos da lei geral.».

O art. 95 nº 1 do DL nº 422/89 estabelece o princípio geral segundo o qual “a exploração e a prática de jogos de fortuna e azar e a execução das obrigações das concessionárias ficam sujeitas à inspecção tutelar do Estado, exercida pela Inspecção Geral de Jogos e pelas demais entidades a quem a lei atribua competência neste domínio”.

A afectação em exclusivo da inspecção, fiscalização e controlo da actividade do jogo de fortuna e azar, praticado nos casinos e outros locais devidamente autorizados por lei, à Inspecção Geral de Jogos tem como pressuposto o interesse de ordem pública expressamente assumido no citado art. 95º

Constata-se que atento os interesses públicos em causa de atribuir à Inspecção Geral dos Jogos (Administração), chamando também as concessionárias à co-responsabilidade de numa primeira análise colaborarem na selecção qualitativa dos frequentadores através da emissão de cartões de acesso, ou não permitindo o acesso às salas de jogo.

O legislador quis responsabilizar as concessionárias, atribuindo-lhes o poder dever de colaborar com aquela Inspecção nesse controlo, sem esquecer a tutela dos interesses públicos visados como o condicionamento do acesso às salas de jogo. E afigura-se-nos ainda não ser de todo em todo de afastar a possibilidade de haver o dever de praticar o acto omitido por força de negócio jurídico. É que o concessionário de jogo, enquanto parte num contrato administrativo de colaboração subordinada, sofre as limitações decorrentes duma cláusula de submissão explícita ou implícita às leis, regulamentos e actos administrativos que durante a execução do contrato exprimam exigências de interesse público servido, quanto ao objecto do contrato (neste sentido Ac. STA de 12/11/2003, Pleno da Secção do Contencioso, Recurso 44 798/02). E não obstante esse mesmo contrato não se estabelecer entre autor e ré, o facto é que o relacionamento entre autor e ré apenas se dá porque existe este contrato administrativo que permite a esta a exploração do casino.

Ora, retomando o caso em análise, como acima referimos foi a omissão da Ré que fez com que o Autor entrasse nas salas de jogo do casino em pleno período de interdição, ainda por cima, tratava-se de um jogador conhecido no casino, a ponto de até ter despesas pagas no bar e restaurante, tal era a o seu volume de “jogo”.

Efectivamente, perante a notificação da Inspecção Geral dos Jogos a Ré tinha o poder dever de tomas as medidas necessárias para impedir o autor de ter acesso às salas de jogo, tanto mais que até se tratava de um jogador conhecido do Casino da Ré, e, por isso, não vale dizer que a fotografia que acompanhava a notificação não permitia a identificação do Autor.

Neste particular, acompanhamos o Acórdão recorrido quando conclui:

Esta notificação fez pender sobre a Ré a obrigação de impedir a entrada do autor nas salas de jogos do Casino de Espinho, desde as salas de jogos tradicionais e máquinas automáticas ao bingo, o que não sucedeu. O autor recomeçou a jogar em máquina (roleta) logo um mês depois da interdição e chegava a jogar em sete máquinas em simultâneo, desde o meio da tarde até às três e quatro horas do dia seguinte (nºs 13, 16 e 17 dos factos provados) com a complacência dos responsáveis do casino e dos seus funcionários.

Nestas salas, embora não se exija um cartão de acesso mas apenas um documento de identificação (art. 36 nº 3 da lei do Jogo), pelo que os funcionários e responsáveis do casino sempre podiam ter exercido o controlo do acesso do autor

Como se diz no Acórdão recorrido “a atitude da Ré não se ficou, no entanto, pela omissão do cumprimento da notificação da Inspecção geral de Jogos. Mais do que isso, adoptou condutas que aliciavam o autor a deslocar-se ao Casino de Espinho. Conhecedora da proibição e depois dela, à semelhança do que acontecia anteriormente, a Ré continuou a enviar ao autor convites para eventos sociais que decorriam no Casino de Espinho e para pernoitar no aparthotel…, também por si explorado e ofereceu-lhe gratuitamente os serviços de bar da sala de máquinas e do restaurante. Convites que o levaram a deslocar-se ao casino e, lá, sentindo-se incentivado, jogou (cfr. nºs 6, 7, 14, 15 e 24 dos factos provados)”.

Como acima se referiu, a legislação em causa é de interesse e de ordem pública conforme resulta do próprio preâmbulo do citado DL nº 422/89 de 2/12 no seu art. 95º e como salienta o Acórdão recorrido” o carácter protector da norma reside no facto de a sua tutela abranger não só a generalidade dos indivíduos, mas também um determinado núcleo de sujeitos contra ofensas a determinados bens jurídicos, o que decorre não do efeito da norma, mas do seu conteúdo e dos seus objectivos e da circunstância de o legislador, aquando da sua elaboração, ter tomado em linha de conta a protecção jurídica de um determinado núcleo de pessoas”.

Portanto, no caso dos autos a Ré tinha o dever jurídico de praticar o acto omitido, consubstanciado no impedimento que devia ter feito na entrada do autor nas salas do casino e foi seguramente a violação desse dever que fez com que acontecesse o dano.

Como refere Januário Pinheiro («Lei do Jogo – Anotada e Comentada», 2006, pág. 202) podem ser vários os motivos que podem servir de fundamento a esta proibição de um determinado jogador entrar nas salas de jogos: E tanto podem ser questões atinentes ao próprio jogador, como à própria concessionária, ou ao interesse público, como se retira, aliás, da legitimidade a quem a lei confere a prerrogativa para efectuar tal pedido.

Podem vislumbrar-se razões atinentes ao próprio jogador, como sejam a compulsividade, a prodigalidade, o esbanjamento, o empobrecimento ou a pressão familiar; razões atinentes à prática de contra-ordenações, como a violação das regras dos jogos, a violação da privacidade, a prática de irregularidades no acesso às salas e empréstimos ou actos perturbadores da partida; como, por último, se podem antever motivos relacionados com a prática de crimes.

Ora, foi exactamente o que sucedeu no caso em análise nos presentes autos: o autor, tomando consciência da sua compulsividade no jogo, pediu ele próprio que fosse proibido de aceder a salas de jogos. E, na sequência desse seu pedido, a Inspecção Geral de Jogos, por despacho de 10-12-2003, determinou a proibição de aceder às salas de jogos tradicionais, máquinas automáticas e jogo do bingo de todos os casinos do país pelo período de dois anos (ponto 2. dos Factos Provados).

A primeira questão a colocar é, pois, a dos direitos e obrigações que nascem com este despacho proferido pela Inspecção Geral de Jogos.

E, tal como refere Januário Pinheiro (ob. citada, anotação ao art. 38.º, pág. 202), afigura-se-nos que, ordenada a proibição a pedido do jogador, nasce para este uma expectativa jurídica de que, independentemente da sua vontade (compulsiva ou não), será impedido de aceder às salas de jogos.

Por seu turno, sobre as empresas concessionárias recai a obrigação de impedir e obstar a esse acesso, nos termos em que ele é determinado pela Inspecção Geral de Jogos.

E aqui, no que a este aspecto diz respeito, atente-se não só que a lei fala apenas em «proibir o acesso às salas de jogos» (não as distinguindo), e que o próprio despacho que determinou a proibição fê-lo em relação às «salas de jogos, tradicionais, máquinas automáticas e jogo do bingo».

Isto é, no que respeita à proibição de acesso – que o legislador previu no art. 38.º –, e atentos os interesses em causa que se pretendiam salvaguardar, não distinguiu o legislador entre salas tradicionais, salas de máquinas e salas mistas. Falou apenas em salas de jogos, nada levando a pressupor que ao fazê-lo estava na mente do legislador, circunscrever a proibição de acesso a umas salas, mas não a outras. E, se atentarmos na ratio da norma, nem teria sentido que assim fosse.

De igual forma, o despacho da Inspecção Geral de Jogos foi explícito estendendo a proibição às salas de jogos tradicionais, salas de máquinas e salas mistas.

A consequência a retirar desta previsão do art. 38.º da Lei do Jogo só pode ser uma, sob pena de a mesma ficar esvaziada de conteúdo e de âmbito de protecção: no caso do jogador proibido continuar a frequentar as salas de jogos quem responde pela não efectivação da decisão – pela omissão – só poderá ser a entidade sobre a qual recai a obrigação e o encargo de impedir a entrada do frequentador na sala, através dos seus trabalhadores e agentes: isto é, a empresa concessionária.

Está dado como assente nos presentes autos que por despacho de 10/12/2003 a Inspecção Geral de Jogos determinou a proibição do autor em aceder às salas de jogos tradicionais, mistas e de máquinas, bem como do jogo do bingo, em todos os casinos do país, pelo período de dois anos.

Está igualmente dado como provado que a Ré foi notificada de tal decisão em 17-12-2003, com a menção dos elementos de identificação do autor e junção de uma fotografia sua a preto e branco (cf. Factos provados 3, 4 e 33).

A consequência para a ré desta notificação é a de pender sobre si a obrigação correspondente à proibição, isto é, impedir a entrada do autor nas salas de jogos dos casinos de que é concessionária, entre eles, o de Espinho.

E o facto é que, não obstante esta notificação à ré, a mesma não cumpriu tal obrigação, tendo o autor um mês após tal proibição de acesso regressado ao Casino de Espinho e ali recomeçado a jogar roleta (cf. facto 13), chegando a jogar em sete máquinas em simultâneo (cf. facto 16), desde o meio da tarde até às 03/04 h do dia seguinte (cf. Facto 17), tendo a ré – durante esse período de 2 anos – permitido a permanência do autor nas instalações do Casino de Espinho.

A ré não cumpriu a obrigação que lhe foi imposta pela Inspecção Geral de Jogos, adoptando uma atitude omissiva, permissiva, não proibindo o autor de aceder à sala das máquinas, o que vale dizer que incumpriu uma obrigação imposta ao abrigo da Lei (art. 38.º da Lei do Jogo).

Ora, o art. 486.º do CC é claro ao referir que as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.

Já vimos que existe o dever de praticar o acto omitido. Mas esse dever tem que resultar da lei ou do negócio jurídico. E no caso, resultará?

Afigura-se-nos que sim. Afigura-se-nos que a violação e a ilicitude da conduta, no caso em apreço – e como referiu o Acórdão da Relação «–, poderá ter um duplo enquadramento normativo: quer na lesão de direitos subjectivos, quer na lesão de interesses legalmente tutelados.

Poderemos, então, falar, em lesão de direitos subjectivos na medida em que a norma que prevê a proibição de acesso – art. 38.º da Lei do Jogo – tutela, entre outros, a personalidade moral dos indivíduos, protegendo-os de si mesmos, procurando contê-los da adição, do vício a que estão sujeitos, reprimindo a sua compulsividade, e assim evitando a sua degradação, tanto como pessoas individualmente consideradas ou em sociedade, como financeiramente. Protege-se, neste art. 38.º da Lei do Jogo, a integridade moral, integridade moral essa que, nos termos do art. 25.º, n.º 1, da CRP é inviolável e que, como tal impõe uma exigência positiva de actuação dos poderes públicos no sentido de assegurar a sua tutela, adoptando as medidas legislativas correspondentes.

Dúvidas não subsistem, por isso, que o âmbito de protecção da norma que permite a proibição de acesso a salas de jogo abrange a protecção do indivíduo de um estado de sujeição gerado pela dependência e compulsividade.

E no que respeita aos direitos de personalidade, a responsabilidade civil é efectivamente um dos meios gerais de tutela, como resulta do art. 70.º, n.º 2, do CC.

Existe, por isso, como acima já se referiu, uma violação da ré ao direitos subjectivo de personalidade do autor ao não ter interdito o seu acesso e ao ter livremente consentido no seu acesso às salas das máquinas, não obstante a notificação para dar exequibilidade a essa proibição.

Mas, ainda que se considere excessiva a afirmação de que a norma violada não confere um verdadeiro direito subjectivo ao autor, ainda assim sempre se poderá dizer que se verificou uma infracção a uma norma destinada a proteger interesses alheios. E os interesses legalmente tutelados no art. 38.º são, entre outros, os das categorias de cidadãos a que a mesma se refere, os adictos do jogo.
Como refere Adelaide Menezes Leitão (in «Normas de Protecção e Danos Puramente Patrimoniais», 2009, pág. 627), o carácter protector da norma reside no facto de a sua tutela abranger não só a generalidade dos indivíduos, mas também um determinado núcleo de sujeitos contra ofensas a determinados bens jurídicos, o que decorre do conteúdo e dos objectivos da norma e da circunstância de o legislador, aquando da sua elaboração, ter tomado em linha de conta a protecção jurídica de um determinado núcleo de pessoas.

E, como já referimos supra, dúvidas não temos que a finalidade originária daquela norma – o art. 38.º da Lei do Jogo – é a protecção individual, mas também do núcleo de jogadores de casinos sujeitos a compulsividade e prodigalidade.

Assim, quer por um lado – violação de direitos subjectivos –, quer por outro – violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios –, sempre se encontra a ilicitude da conduta da ré.

E nem se diga que a proibição imposta à ré seria apenas a decorrente da previsão do art. 29.º, n.º 2, e 36.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do Jogo e que das mesmas não consta a proibição de entrada a quem tem sido alvo da providência do art. 38.º, da mesma lei.

E isto porque, por um lado o art. 29.º, n.º 2, refere que o acesso é reservado. Ou seja, não entra quem quer e está instituído um direito de reserva de entrada. Por outro lado, o n.º 2 refere «designadamente», o que nos leva a concluir, sem margem para grandes dúvidas, que o mesmo é exemplificativo e não taxativo.

Daí que consideremos que, declarada a proibição de o autor aceder às salas de jogos dos casinos e notificada a ré dessa proibição, sobre ela passou a pesar o ónus de accionar os mecanismos específicos de controlo do acesso às salas de jogos de modo a vedar a sua entrada.

E para efeitos de ilicitude é quanto basta!

Não interessa aqui discutir a forma de acesso às salas.

É que, de uma forma mais ou menos apertada, a identificação terá sempre que ser feita: – nas salas tradicionais e mistas através de um cartão de acesso específico; – nas salas de máquinas através de um qualquer documento de identificação dos previstos no art. 39.º da Lei do Jogo.

No período de interdição de acesso a salas de jogos o autor não acedeu às salas de jogos tradicionais e mistas, para as quais era necessário o cartão de acesso (o qual deixou de ser exigido para as mistas com o DL 40/2005, de 17-02) e o autor não dispunha.

No entanto acedeu às salas de máquinas. Nestas, como se referiu supra, não é necessário o cartão de acesso bastando um documento de identificação (art. 41.º, n.º 3, da Lei do Jogo). O que significa que os funcionários e responsáveis do Casino sempre poderiam ter exercido o controlo do autor no acesso às salas das máquinas. Se tinham ou não capacidade para o fazer é questão que não importa tratar em sede de ilicitude, mas sim de culpa, o que se passará a fazer de seguida.

A recorrente questiona igualmente a verificação do requisito culpa, ainda que na sua modalidade mais ténue – a simples negligência.

E alicerça essa sua ausência de culpa na circunstância de:

– a decisão referente à interdição vir acompanhada de uma fotocópia de fotografia a preto e branco que impossibilitava a identificação visual de quem quer que fosse;

– existirem centenas de proibições de acesso às salas de jogos sendo praticamente impossível que os porteiros procedam à identificação de todos aqueles que pretendem aceder às salas de jogos do Casino de Espinho.

A culpa define-se como o nexo de imputação ético jurídico que liga o facto ilícito à vontade do agente (o lesante, em face das circunstâncias especiais do caso, devia e podia ter agido de outro modo) e deve ser apreciada segundo a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de dado caso, o que significa que se atende, em abstracto, à diligência exigível a um homem normal, colocado no condicionalismo do caso concreto (neste sentido a título de exemplo, entre muitos outros que se poderiam dar, Acórdão de 08-09-2011, Revista n.º 2336/04.2, Relator Cons. Oliveira Vasconcelos, Ac. do STJ de 15-09-2011, Revista n.º 996/05, Relator Cons. Fernando Bento).

A culpa corresponde, assim, a um juízo de censura sobre o comportamento do agente, a um juízo de desvalor ou de desaprovação.

As pessoas em geral, na sua actuação social, devem conformar a sua actuação com determinadas regras de cuidado, prudência, atenção ou diligência. A não observância desses cuidados pode gerar a negligência.

No caso concreto, e face às alegações da Ré, cumpre averiguar se, nas circunstâncias específicas do caso, a Ré poderia ter conformado a sua conduta de modo a assegurar o cumprimento do dever que, como já vimos, lhe era exigível.

Os factos falam por si:

– no dia 17/12/2003 a Ré tomou conhecimento, por notificação da Inspecção Geral de Jogos, da proibição de acesso do autor, a pedido do mesmo, às salas de jogos de todos os casinos do país, pelo período de dois anos (facto 3).

– da notificação referida em C) constavam os elementos de identificação e fotografia do autor (Facto 4.).

– a fotografia referida no facto 4. era uma fotocópia a preto e branco.

– após a data referida em C) o autor recebeu da parte da ré pelo menos duas ofertas de dormida no Aparthotel… (facto 7.).

– O autor tornou-se um jogador conhecido no Casino de Espinho, quer pelos responsáveis deste, quer pelos respectivos funcionários (Facto 12.)

– em inícios do ano de 2004, a direcção da sala de jogo do Casino de Espinho ofereceu ao autor, gratuitamente, os serviços de bar da sala de máquinas e ainda do restaurante (Facto 14.).

– O autor era conhecido por um dos jogadores mais fortes da roleta (em máquina) (Facto 18.).

– Durante o período de dois anos referido em C), por força dos convites referidos em F) o autor deslocou-se às instalações do Casino e, uma vez aí, sentindo-se incentivado, jogou (Facto 24).

– A identificação dos frequentadores no acesso às salas das máquinas ou salas de bingo é dificultada, em certos dias da semana e em certas horas, pelo significativo afluxo de pessoas (Facto 31).

– Recebendo a Ré centenas de notificações da Inspecção Geral de Jogos idênticas às referidas em C).

Mesmo dando como adquirido que o controle do acesso à sala das máquinas é dificultado pelo facto de, relativamente a estas, não prever a lei um controlo de acesso, não se pode por aí retirar desvalor e censura à actuação da ré. Com efeito, sendo o autor pessoa conhecida dos responsáveis e funcionários do Casino, de fácil execução seria para eles vedar-lhe a sua entrada nos serviços da portaria da sala de jogos. E, mesmo que escapasse a esse controlo, qualquer outro funcionário dessa mesma sala poderia expulsá-lo.

Conforme refere Januário Pinheiro (in ob. Citada, pág. 209) «Nas salas de máquinas e de bingo onde, com a reforma de 1995, deixou de haver serviço de identificação, a entrada e permanência está condicionada tão só à posse de um dos documentos de identificação previstos no art. 39.º (…). E ao contrário do que acontece nas salas de jogos tradicionais, nas salas mistas, de máquinas e de bingo os frequentadores não são previamente identificados logo, não se torna viável (ou é muito difícil) impedir o acesso dos que se encontrem proibidos de entrar, ou a seu pedido, ou em resultado de sanção ou simples medida cautelar. No entanto, a todos aqueles que sejam conhecidos dos empregados da concessionária, ou dos inspectores de jogos, deve ser impedida a sua entrada, e caso se encontrem já dentro das salas, devem ser expulsos, seguindo-se os trâmites processuais normais».

Se o autor tivesse ido frequentar um outro qualquer casino que não este, onde não fosse conhecido, o mais provável seria que resultasse inviável a imputação do tal juízo de desvalor à concessionária, por mais não lhe ser exigível.

Mas não foi isso que se passou. O autor reincidiu e reincidiu exactamente num casino onde era sobejamente conhecido quer dos responsáveis, quer dos funcionários.

E assim sendo, não há como não afirmar, sem margens para quaisquer dúvidas – que só a ré continua a ter –, que a mesma omitiu deveres de diligência e cuidado a que estava obrigada por força do circunstancialismo do caso concreto.

E para tanto bastava que instruísse os seus funcionários, responsáveis pelas salas das máquinas, da necessidade de vedar o acesso do autor a tais salas. Mas mais do que isso, não só não diligenciou nesse sentido, como foi mais além continuando a enviar-lhe convites para frequentar o casino, franqueando-lhe a entrada e o consumo no bar da sala das máquinas, incentivando-o, e assim agravando e potenciando os riscos da sua compulsividade e adição.

Mesmo que o nome do autor constasse da lista protocolar da empresa e como tal lhe fossem endereçados convites para espectáculos em locais não afectos ao jogo, impunha a diligência e a prudência que a Ré não aliciasse ou incentivasse o autor a frequentar aquele espaço, onde – uma vez lá – muito mais fácil se tornaria a recidiva.

A ré poderia até ter tomado providências e elas não terem surtido efeito. Mas o facto é que a Ré não só não alegou qualquer diligência que tenha promovido no sentido de dar cumprimento à notificação da Inspecção-Geral de Jogos, como também não a provou. É caso para perguntar que diferente comportamento teve a Ré para com o autor – que conhecia, sublinhe-se, mais uma vez – antes e depois da notificação que proibia o acesso do Autor. Não se descortina qualquer diferença de comportamento que nos possa levar a afirmar que a Ré fez tudo o que estava ao seu alcance para acatar a proibição de acesso determinada pela Inspecção-Geral de Jogos. Ao invés, não se provou uma única diligência da Ré nesse sentido, e até se provou que continuou a permitir-lhe a entrada, que lhe ofereceu gratuitamente os serviços do bar e da sala de máquinas e ainda do restaurante e que lhe enviou convites para eventos sociais no Casino de Espinho.

Todos estes factos são sobejamente suficientes para integrar um juízo de reprovação ético-jurídico à conduta da ré, levando-nos a concluir pela sua culpa.

Por último, acompanha-se a proporção de culpas encontrada pelas instâncias, nomeadamente os fundamentos explanados pela sentença da 1ª instância (citando até um caso idêntico numa sentença de 15.07.2005 no Proc. 537/2002 do 2º Juízo, também do Tribunal Judicial de Espinho) para a repartição de culpas em 2/3 para a Ré e 1/3 para o A, quando depois de socorrer-se do critério estatuído no art. 570 nº 1 do C. Civil, considerou o comportamento do autor censurável, porque, afinal, também contribuiu para o dano, sendo, no entanto , em função dos factos provados e acima descritos, mais intensa ou em grau maior a culpa da Ré BB.

Improcedem, deste modo, as conclusões da recorrente.

Concluindo:

1 – A exploração e a prática de jogos de fortuna e azar e a execução das obrigações das concessionárias ficam sujeitas à inspecção tutelar do Estado, exercida pela Inspecção Geral de Jogos e pelas demais entidades a quem a lei atribua competência neste domínio (cfr. art. 95 do DL nº 422/89 de 2.12)

2 – Por sua iniciativa, ou a pedido justificado das concessionárias, ou ainda dos próprios interessados, o Inspector Geral de Jogos, pode proibir o acesso às salas de jogo quaisquer indivíduos, por períodos não superiores a cinco anos (cfr. art. 38 nº 1 do DL nº 422/89 de 2.12 redacção alterada pelo DL nº 10/95 de 19.01).

3 – O legislador quis também responsabilizar as concessionárias atribuindo-lhes o poder dever de colaborar com aquela Inspecção nesse controlo.

4 – Tendo o A tomado consciência da sua compulsividade para o jogo, a solicitação à Inspecção Geral dos Jogos da sua interdição de acesso às salas de jogos de todos os casinos do país por um determinado período, configura uma providência que visa salvaguardar um direito subjectivo de personalidade do A em conformidade com o estatuído no nº 2 do art. 70 do C. Civil.

5 – E tendo sido, na sequência dessa solicitação à Inspecção Geral de Jogos, ordenada a proibição, nasce para o A uma expectativa jurídica de que, independentemente da sua vontade (compulsiva ou não) será impedido de aceder às salas de jogo dos casinos.

6 – E tendo a Ré, BB – Casino – sido notificada pela IGJ com a menção dos elementos de identificação do Autor, passa a pender sobre a Ré a obrigação de impedir a entrada do autor, nas salas de jogos dos casinos de que é concessionário, neste caso, no casino de Espinho.

7- E não obstante essa notificação, a Ré não cumpriu tal obrigação, porquanto um mês após tal proibição, o Autor teve acesso ao casino de Espinho e ali recomeçando jogos de roleta e em máquinas, sendo certo que o A era aí um jogador conhecido, quer pelos responsáveis do casino, quer pelos respectivos funcionários.

8 – Declarada a proibição de o autor aceder às salas de jogo dos casinos e notificada a Ré dessa proibição, passou a impender sobre esta o ónus de accionar os mecanismos específicos do controlo de acesso de modo a vedar a sua entrada naquelas salas, pelo que o comportamento omissivo e permissivo por parte da Ré viola o disposto no citado art. 38º da Lei do Jogo, dando lugar a obrigação de reparar os danos que dessas omissões ocorrerem, nos termos do art. 486 do C. Civil.

9 – E sendo o autor pessoa conhecida dos responsáveis do referido Casino, seria para estes de fácil execução vedar-lhe a sua entrada nos serviços de portaria das salas de jogo, ao contrário do que foi feito quando permitiram ao A com as sua omissões o acesso livre, a ponto até de o incentivarem com convites para eventos sociais no Casino, conduta esta no contexto supra descrito, susceptível de integrar um juízo de reprovação ético jurídico, que configura da parte da Ré um comportamento culposo.

10 – E neste domínio, considera-se, no entanto, ajustada a repartição das culpas em 1/3 para o A e 2/3 para a Ré feita pelas instâncias, à luz do critério do art. 570 nº 1 do C. Civil, porque em função da matéria de facto que vem provada relacionada com a conduta das partes, a culpa da Ré nos surge, aqui, mais intensa que a do A.

III- Decisão:

Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.

Custas nas instâncias e neste Supremo pela R e A, na proporção respectivo decaimento.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Março de 2012

Tavares de Paiva (Relator)
Abrantes Geraldes
Bettencourt de Faria

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