A Lei n.º 10/2013 (Lei de terras) entrou em vigor no dia 1 de Março de 2014 e revogou a Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho.
Em Julho de 2016, um deputado, nomeado pelo Chefe do Executivo à Assembleia Legislativa (AL), anunciou que tinha apresentado, na AL, um projecto de lei no sentido de «clarificar o sentido, ou o significado, de normas que já constavam da anterior lei. Assim, o que a referida proposta pretende é tão só clarificar e fixar o significado de normas legais da actual Lei de Terras, cuja única interpretação (ou sentido jurídico) possível poderá ser, eventualmente, conducente a determinadas soluções concretas atribuídas a vários casos mediáticos que respeitam ao fim do prazo de concessão de vários terrenos na RAEM».
Relativamente às concessões de terrenos por arrendamento, a Lei n.º 10/2013 distingue entre concessão provisória e definitiva. «A concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente», como estipula o artigo 44.º.
Na concessão provisória é determinado um prazo para o aproveitamento do terreno, por exemplo a construção do prédio, que pode ser inferior ou igual a vinte e cinco anos. O prazo de concessão por arrendamento é de vinte e cinco anos e encontra-se previsto no artigo 47.º, n.º 1.
O artigo 47.º da Lei n.º 10/2013 é idêntico ao artigo 54.º da Lei n.º 6/80/M.
Contudo, o artigo 48.º, n.º 1 da Lei n.º 10/2013 estipula que as concessões provisórias não podem ser renovadas, salvo, como estipula o n.º 2, se o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto.
Caso não se tenha verificado o aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais as concessões caducam, nos termos do artigo 166.º, n.º 1, al. 1) da Lei n.º 10/2013. Os efeitos de caducidade da concessão estão previstos no artigo 168.º da Lei n.º 10/2013. O n.º 1 deste artigo não está relacionado com o artigo 168.º da Lei n.º 6/80/M, uma vez que este trata da caducidade da concessão por aforamento, uma situação que terminou há muitos anos. Não pode haver concessão por aforamento, mas as que existiam mantêm-se. Relativamente à não indemnização ou compensação dos prémios pagos e das benfeitorias incorporadas no terreno, prevista no artigo 168.º, n.º 1 da Lei n.º 10/2013, a Lei n.º 6/80/M já previa disposições semelhantes no artigo 169.º, n.º 2, para os casos de rescisão e de devolução da concessão e no artigo 43.º, n.º 3, para os casos de venda de parcelas de terreno.
Não tendo o prazo, de vinte e cinco anos, de concessão por arrendamento de terrenos sido alterado, coloca-se a questão de perceber as razões que levaram a que, actualmente, a declaração de caducidade da concessão, pelo Governo, de determinados terrenos e a consequente reversão das concessões atribuídas aos particulares tenha sido tão mediatizada. Caso tivessem sido atribuídas concessões de terrenos desde a entrada em vigor da lei, em 1980 ou nos anos imediatamente a seguir e os terrenos não tivessem sido aproveitados, o Governo deveria, pelo menos desde 2005, ter declarado a caducidade da concessão desses terrenos por ter decorrido o prazo de 25 anos, contratualmente fixado, e esses terrenos teriam revertido para a posse da RAEM.
Parte da resposta à questão referida anteriormente poderá encontrar-se em declarações do primeiro Chefe do Executivo da RAEM, publicadas em 19/11/2009, num texto denominado «Revisão da Lei de Terras para acompanhar o desenvolvimento», no sítio do Gabinete de Comunicação Social.
O Chefe do Executivo referiu, então, que «o Governo da Administração Portuguesa só podia aproveitar as receitas da concessão de terrenos como receitas financeiras para manter o funcionamento do governo. Acrescentando que, embora a situação social naquele tempo tenha levado os promotores a acharem que não havia perspectivas de desenvolvimento, pagaram na mesma o prémio de concessão para obter os terrenos para reserva. Após o retorno, um número elevado de promotores não possuía ainda condições económicas para proceder ao desenvolvimento dos terrenos». Considerou que «Macau não possui muitos recursos de terras, mas se o governo proceder de imediato à rescisão da concessão dos terrenos através da lei, o volume de processos judiciais que isso implica vai influenciar não só a confiança dos investidores, mas também o desenvolvimento geral de Macau».
Relativamente ao prazo de vinte e cinco anos de concessão por arrendamento referiu que «antes do regresso de Macau à Pátria, o limite da concessão de terrenos já tinha sido confirmado pela China e Portugal e que metade do prémio de concessão de terrenos ia para uma reserva para o futuro Governo da RAEM».
A Lei n.º 10/2013 surge numa altura em que havia pressão social para que os terrenos fossem aproveitados. O Governo, tendo em conta o aumento exponencial do preço dos apartamentos ou das rendas que se tinha verificado desde 2004, considerava que não podia construir mais habitação pública devido à escassez de terrenos, no entanto havia terrenos desaproveitados e Macau tem uma dimensão territorial exígua. Mesmo do ponto de vista económico, o facto de haver terrenos desaproveitados prejudica a economia da RAEM, uma vez que não se criam empregos, seja na construção dos empreendimentos ou após a sua conclusão. Por outro lado, o caso de corrupção, em 2006, que envolveu o ex-secretário das Obras Públicas estava relacionado com terrenos.
A classificação do Centro Histórico de Macau, dia 15 de Julho de 2005, como Património Mundial da Humanidade da UNESCO, é outro aspecto a ter em conta no aproveitamento dos terrenos em Macau. A Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural foi estendida a Macau, pelo governo português, pelo Decreto do Presidente da República n.º 28/98 de 14 de Julho, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 38/1998, I série, de 21/9/1998. A notificação da República Popular da China sobre a continuação da aplicação na Região Administrativa Especial de Macau da referida Convenção foi publicada pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 33/2001. Esta Convenção é, portanto, juridicamente vinculativa em Macau e o Governo da República Popular da China assume a responsabilidade pelos direitos e obrigações internacionais decorrentes da sua aplicação.
O Centro Histórico de Macau é «constituído por monumentos, edifícios de interesse arquitectónico, conjuntos e sítios, bem como pelas respectivas zonas de protecção e inscrito pelo Comité do Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, adiante designada por UNESCO, na ´Lista do Património Mundial´», definição prevista na al. 12) do artigo 5.º da Lei n.º 11/2013 – Lei de Salvaguarda do Património Cultural.
O Centro Histórico de Macau inclui várias ruas e praças, por exemplo o Largo da Barra, o Largo do Senado, o Largo do Lilau, o Largo da Sé e os imóveis aí edificados, mas, também, as respectivas zonas de protecção definidas, na al. 10) do artigo 5.º da Lei n.º 11/2013, como «o enquadramento natural ou construído dos bens imóveis classificados, que defenda a sua percepção, ou que com eles esteja indissociavelmente relacionado por razões de integração espacial ou estética». Tendo em conta que a Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural vigora em Macau e a posterior classificação do Centro Histórico de Macau como Património Mundial da Humanidade, o Governo tem a obrigação de «promover e assegurar a preservação do património cultural da RAEM», como estipula a al. 1) do artigo 7.º da Lei n.º 11/2013. Note-se que, nos termos do artigo 5.º, al. a) da referida Convenção, o Governo deve «adoptar uma política geral que vise determinar uma função ao património cultural e natural na vida colectiva e integrar a protecção do referido património nos programas de planificação geral».
Na sequência da classificação do Centro Histórico de Macau como Património Mundial da Humanidade, alguns sectores sociais manifestaram a sua preocupação com a protecção dos monumentos, edifícios de interesse arquitectónico, conjuntos e sítios protegidos, bem como com as áreas envolventes dos referidos imóveis, opondo-se à construção de novos edifícios cuja volumetria colocaria em causa a paisagem que enquadra esses locais. Em 2007, grupos sociais manifestaram-se contra a construção de um edifício, na Calçada do Gaio, com 126 metros de altura, junto da colina da Guia, tendo apresentado queixa junto da UNESCO. O Governo suspendeu o projecto de construção em 2008. Posteriormente foi publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008 que fixa as cotas altimétricas máximas permitidas para a construção de edifícios nas zonas de imediações do Farol da Guia, que constitui património mundial, numa tentativa de preservar os corredores visuais desse monumento com a orla costeira. A altura do edifício cuja construção tinha sido suspensa passou a ter o limite de 52,5 metros. Noutro edifício, situado na zona do ZAPE, a altura foi reduzida de 135 para 90 metros. Em 2016, o empresário, membro do Conselho Executivo, alegou prejuízos, que estimou em pelo menos 1,6 mil milhões de patacas, tendo referido que o Governo tinha prometido pagar uma indemnização.
Em 2015, uma Associação entregou um relatório à UNESCO alertando para o risco de projectos urbanísticos poderem afectar a paisagem da Colina da Guia e da Igreja da Penha.
Durante a vigência da Lei n.º 6/80/M, revogada pela Lei n.º 10/2013, verificou-se que existiam problemas na sua aplicação, por exemplo na transmissão da concessão, bastava para tanto mudar os sócios da empresa que detinha a concessão, na atribuição de uma nova concessão a uma empresa que não tinha, anteriormente, aproveitado o terreno, na alteração da finalidade da concessão, etc. Portanto, é natural que houvesse algumas inovações na Lei n.º 10/2013 face à lei anterior. Por exemplo, o regime de renovação de concessões provisórias, que referimos anteriormente, ou o artigo 37.º, n.º 2.
Perante os casos em que o Governo, ao aplicar a Lei n.º 10/2013, declare a caducidade da concessão de um terreno e que uma empresa tenha sofrido prejuízo em resultado das acções e omissões ilícitas e culposas do Governo, a empresa pode pedir uma indemnização por esses prejuízos. O próprio Governo poderia dispor-se a negociar um acordo extrajudicial para os ressarcir.
Referimos, anteriormente, que há terrenos que foram concessionados e que se encontram desaproveitados, por exemplo o aterro à frente do hotel Hotel Palácio Imperial Beijing, antigo New Century, ou o pequeno jardim situado perto do hotel Regency, antigo hotel Hyatt, na Taipa, que há dois anos foi fechado para aí se instalar uma bomba de gasolina, apesar dos protestos populares, continua fechado e desaproveitado. Afinal, conforme diziam os defensores do jardim, a bomba de gasolina que o Governo dizia ser necessária não fazia falta nenhuma.
Em suma, mesmo que em algumas situações o Governo possa ter agido mal, mas isso não é razão para não recuperar as terras, pois está em causa o interesse público.
13/7/2016