Os deputados da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL) concluíram, em 16 de Julho de 2012, a análise e o respectivo parecer da proposta de lei denominada «Condicionamento da entrada, trabalho e jogo nos casinos».
Este diploma prevê o aumento, dos 18 para os 21 anos, da idade para entrar, jogar nas salas de jogos dos casinos, e para trabalhar como crupiê, trabalhador de casino que dirige uma mesa de jogo tratando da recolha e do pagamento do dinheiro das apostas.
Num artigo denominado «Idades juridicamente relevantes», publicado em 4/12/2007, argumentou-se que a medida tinha como fim proteger os jovens, não seria uma incoerência no sistema jurídico, apesar da idade de 18 anos ser o limite para o exercício de muitos direitos, nem uma violação do direito fundamental à liberdade de escolha da profissão.
A medida para aumentar dos 18 para os 21 anos a idade para entrar, jogar nas salas de jogos dos casinos, e para trabalhar como crupiê, foi anunciada pelo Governo na AL, em Novembro de 2007, aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2008.
A proposta de lei foi aprovada na AL, na generalidade, em 13 de Junho de 2011 com 17 votos a favor, um contra e sete abstenções. Foi depois enviada para a 1.ª Comissão da AL, para análise na especialidade e como foi referido, os deputados da 1.ª Comissão concluíram, em 16 de Julho de 2012, a análise da proposta de lei e o respectivo parecer. O passo seguinte será o agendamento da proposta de lei para discussão e votação na especialidade na AL, e a sua eventual aprovação.
A proposta de lei prevê, também, no n.º 1 do artigo 11.º que os montantes apostados e o valor dos prémios ou outros benefícios dos jogos de fortuna ou azar ganhos pelas pessoas interditas de jogar revertem para a RAEM. Trata-se de uma norma inovadora no ordenamento jurídico relacionado com o jogo na RAEM.
Em Fevereiro de 2007, uma menor ganhou um prémio quando jogava numa máquina de um casino. O casino, quando a menor se dispôs a levantar o montante referido, pediu-lhe a identificação e optou por não pagar o prémio, devolvendo mais de 40 fichas para «slot-machines», valor que teria sido gasto pela menor. A mãe da menor exigiu o pagamento da totalidade do prémio e apresentou uma queixa aos quadros superiores da subconcessionária do jogo.
A Direcção de Coordenação e Inspecção de Jogos viria a decidir entregar o prémio ganho pela menor à mãe e a sancionar a sociedade exploradora do casino com uma advertência. A Lei n.º 16/2001, que define o regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, proíbe, na alínea 1) do n.º 1 do artigo 24.º, aos menores de 18 anos, o acesso às salas ou zonas de jogo, mas não prevê uma sanção específica a aplicar à sociedade exploradora do casino por ter permitido a entrada de uma menor para jogar um jogo de fortuna ou azar, violando uma obrigação a que legal e contratualmente estava obrigada. A al. 2) do n.º 2 do artigo 13.º da proposta de lei estipula a multa aplicar à concessionária de jogos de fortuna ou azar que permita a entrada permanência ou prática de jogos de menores de 21 anos.
Houve, na altura, opiniões no sentido que o contrato de jogo que a menor celebrou com a empresa que gere o casino devia ser considerado nulo e que o prémio não devia ter sido entregue à mãe da menor. A aplicação do regime típico da nulidade resultaria na perda do prémio a favor da sociedade exploradora do casino.
A questão da anulabilidade ou nulidade do contrato de jogo que a menor celebrou com a sociedade exploradora do casino foi debatida num artigo denominado «Fortuna sem azar», publicado em 14/03/2007, bem como na réplica «Fortuna sem azar, sim», publicada em 26/03/2007 e na tréplica «Fortuna sem azar, sim, sim», publicada em 26/04/2007.
Para além do caso da menor, referido anteriormente, que ganhou um prémio ao jogo, têm sido do conhecimento público outros casos de jovens, menores de 18 anos, que entram nos casinos para jogar.
O jornal Ponto Final, num artigo intitulado «Pouco controlo nos casinos de Macau», de 9/4/2007, menciona uma reportagem, com o objectivo de “testar” «os níveis de segurança nos vários casinos, na sequência do caso de uma jovem menor de idade a quem saiu um ‘jackpot’ no casino Sands durante o Ano Novo Chinês», em que um «jovem de 17 anos fez dez tentativas para entrar nos vários estabelecimentos de jogo, tendo sido bem sucedido em cinco delas, sem que tivesse sido alvo de controlo por parte da segurança à porta. No interior dos casinos, não foi pedido ao jovem para se identificar».
Numa entrevista publicada no jornal O Clarim, intitulada «Operadoras de jogo descuram», de 22/8/2008, foi referido que «num determinado casino, há menores que entram por uma porta secundária. Estão lá uns seguranças que não vêem nada, nem a identificação pedem».
Num artigo publicado no jornal Ponto Final, intitulado «A tentação mora deste lado» de 30/3/2012, é referido que há menores residentes de Hong Kong que admitiram ter jogado em casinos de Macau.
Em 12/04/2012 foi noticiado no jornal Hoje Macau que um adolescente de 16 terá «entrado num casino, não especificado, e pedido um empréstimo a agiotas de cerca de 100 mil dólares de Hong Kong, para que pudesse pagar dívidas contraídas na mesa de jogo de um casino de Macau. (…) O rapaz não terá conseguido pagar o montante e terá sido alegadamente sequestrado por dois homens num hotel da Taipa. Na sexta-feira, o jovem foi resgatado, devido a um alerta da família».
As sociedades que exploram os casinos cometeram um acto ilícito, a alínea 1) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 16/2001 proíbe o acesso às salas ou zonas de jogos aos menores de 18 anos, uma espécie de culpa in vigilando que pode ter as consequências que o legislador quiser, meramente civis, multas, ou até penais. Ora, não podiam as empresas valer-se dessa sua falta para declarar a nulidade dum negócio que elas próprias celebraram e que só foi celebrado porque as empresas, não cumprindo a obrigação que lhes cabia, deixaram os menores jogar. Destruir o negócio, nesta situação, seria beneficiar as sociedades que exploram os casinos, seria um venire contra factum proprium. Cfr., «Fortuna sem azar, sim», publicado em 26/03/2007.
No parecer referido anteriormente é citada uma opinião, publicada em Dezembro de 2010, defendendo que a anulabilidade do contrato de jogo que a menor celebrou com a empresa que gere o casino constituiria um desequilíbrio relativamente ao casino, já que os menores ficariam com os ganhos e anulavam as perdas. Mas o oposto também teria de ser admitido: quantos mais menores jogassem no casino e obtivessem prémios, melhor para os casinos.
O n.º 1 do artigo 11.º da proposta de lei ao prever que os montantes apostados e o valor dos prémios ganhos pelos menores revertem para a RAEM consagra expressamente a nulidade. Já não haverá lugar à invocação do artigo 287.º do Código Civil, invocado para sustentar a nulidade antes da entrada em vigor da nova lei, e, nesse caso, só era possível aplicar-lhe o regime típico da nulidade, dada a falta de um regime especialmente previsto para o caso, o que resultava na perda do prémio a favor da sociedade exploradora do casino.
Uma nulidade atípica. A nulidade deveria significar que o contrato não deveria produzir quaisquer efeitos jurídicos, logo, o contrato não deveria acarretar quaisquer ganhos ou perdas. A eventual declaração judicial de nulidade deveria implicar a restituição de tudo o que houvesse sido pago, nos termos do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil. Ora, a proposta de lei ao determinar que o prémio ficará perdido a favor da RAEM, está a preterir a regra geral. Sendo o prémio entregue à RAEM, isso significa que se está a salvaguardar um efeito do contrato: a perda do dinheiro pela operadora de jogo.
Porém, o novo n.º 1 do artigo 11.º da proposta de lei não prevê o destino dos montantes apostados e perdidos pelos menores que jogam no casino.
E nem faria sentido o dinheiro perdido pelo menor reverter para a RAEM, pois a RAEM estaria a ganhar, não à custa da concessionária, que teria ganho indevidamente, mas à custa do menor, que perdeu indevidamente.
Teoricamente, o dinheiro deverá ser restituído ao menor, pelo menos quando haja declaração judicial de nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil. O problema estará nos meios de prova e os montantes perdidos deviam ser-lhe devolvidos pelo casino sem necessidade do menor ir a tribunal. Senão, a nulidade acabará por, na prática, não proteger o menor precisamente na situação em que ele precisa da protecção e para a qual a anulabilidade já seria, aliás, suficiente: a situação em que ele perde.
01/08/2012