Nascemos e dão-nos um nome. Não o escolhemos como não escolhemos nascer nem os genes que nos caracterizam. Viemos de longe, muito longe e o nome reflecte pedaços da nossa herança familiar e cultural.
O novo Bilhete de Identidade de Residente da RAEM, BIR, com um chip e uma banda magnética que permite o registo de dados pessoais, introduz uma novidade. O registo do nome inicia-se pelo apelido seguido de uma vírgula e dos nomes próprios! Se o nome for António José da Silva Macau passará a ser Da Silva Macau, Antonio Jose! Enfim vá lá que não decidiram alterar Macau por RAEM!
Naturalmente do novo BIR consta a assinatura do titular. E uma de duas. Ou a assinatura corresponde ao nome, ou é mais abreviada podendo, até, ser ilegível.
O regulamento do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau, Regulamento Administrativo n.º 23/2002, prevê no artigo 7.º, que passamos a transcrever para facilidade de exposição, o seguinte:
«1. Salvo as situações previstas nos n.os 2 e 3 do presente artigo, o nome do titular é inscrito como se mostre fixado no registo de nascimento ou documento equivalente.
2. Se o requerente não tiver registo de nascimento na conservatória competente da RAEM e se fizer prova, através de passaporte ou documento de identificação, do uso de nome diferente do constante do registo de nascimento, pode solicitar a inscrição no BIR do nome usado no passaporte ou documento de identificação.
3. Se o requerente não tiver nome em caracteres chineses, pode, mediante requerimento fundamentado, solicitar a inscrição de nome em caracteres chineses, mas não pode requerer a inscrição da romanização desse nome».
Apesar do n.º 1 do artigo anterior a Direcção dos Serviços de Identificação, DSI, colocou, relativamente ao nome, na sua página electrónica a seguinte instrução: «(1) A ordem do nome do titular do BIR do tipo de cartão inteligente é: apelido + nome próprio (este nome será armazenado também no “chip”). O apelido e o nome próprio são separados por uma vírgula (“,”) que não é parte integrante do nome, sendo apenas para indicar que a parte antecedente é o apelido e a parte a seguir, o nome próprio».
Salvo melhor opinião há uma violação do direito ao nome porque ele é a representação da pessoa e não pode ser alterado. O que seria aceitável era haver dois campos: um, onde se preenche o apelido e outro onde se preenche o nome. Agora dizer-se que aquele é o nome e o apelido vem primeiro é que não é aceitável.
Uma vez alterado o nome e face aos vários inconvenientes daí resultantes, por exemplo no que toca a negócios jurídicos realizados com o verdadeiro nome e ao rasto de identificação que vamos deixando em inúmeros lugares, a DSI emite uma certidão em que atesta que o nome do titular do BIR afinal é outro, ou seja o que constava do antigo BIR.
Começamos por referir que o nome vem de longe, muito longe reflectindo pedaços da nossa herança familiar e cultural. Daí que o direito de personalidade, em que a identidade projectada no nome é uma das dimensões mais imediatas, seja um dos princípios básicos de qualquer sociedade. A Lei Básica dispõe, primeiro parágrafo do artigo 30, que «É inviolável a dignidade humana dos residentes de Macau». Desta forma, salvo melhor opinião, a solução seguida pela DSI viola a Lei Básica.
O Código Civil de Macau, n.º 1 do artigo 82,º, sob a epígrafe (Direito ao nome e a outros meios de identificação pessoal), dispõe que «Toda a pessoa tem direito a ter um nome, a usar esse nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins».
Por sua vez o n.º 2 do artigo 82.º do Código do Registo Civil de Macau dispõem: «O nome completo é formado por nome próprio e apelidos (…).»
A ser assim os titulares do novo BIR a quem alteraram o nome devem reclamar junto da DSI apresentando o assento de nascimento.
03/11/2004