António Katchi
O saneamento confessadamente político de Eric Sautedé da Universidade de São José e a suspensão, verosimilmente também motivada por razões políticas, de Bill Chou na Universidade de Macau (UM) trouxeram para a luz do dia aquilo de que já muitos suspeitavam e que alguns denunciavam: um clima de autoritarismo, caracterizado por práticas de intimidação, perseguição e consequente autocensura, em certas instituições de ensino superior. Apontava-se o dedo, e bem, à UM, e acabou por também nos sair na lotaria, passe a expressão, a Universidade de São José (USJ), privada, católica e anteriormente notabilizada por garantir «sucesso» académico a qualquer pagador de propinas.
O que agora ficou patente nestas instituições de ensino superior veio, por sua vez, corroborar a denúncia de semelhantes práticas na Administração Pública em geral, denúncia essa feita ao longo dos anos por diversas pessoas em diferentes momentos. As vítimas é que não estavam publicamente individualizadas.
As medidas retaliativas tomadas contra os dois distintos professores supramencionados e contra outros docentes da UM têm concitado várias manifestações de repúdio, às quais aliás me associo sem reserva, centradas na defesa da liberdade de expressão e da liberdade académica. Todavia, se é certo que estes dois direitos fundamentais aparecem naturalmente aos olhos da opinião pública como os principais bens jurídicos sob ameaça e que urge portanto defender, e se é também inteiramente compreensível e louvável que, de momento, a prioridade de quem luta pela preservação desses direitos no meio universitário seja a revogação de todas as medidas injustamente decretadas contra aqueles professores, é importante assinalar outros problemas que estes casos vieram pôr a nu e que, num horizonte temporal mais alargado, deveriam a meu ver ser trazidos para o palco da discussão pública e das lutas populares. Refiro-me, em particular, ao direito à segurança no emprego e ao regime jurídico dos estabelecimentos de ensino superior público, no tocante à sua autonomia e à sua organização interna. O caso Sautedé veio ainda trazer à baila o problema da própria autonomia de Macau no domínio do ensino. E é por aqui mesmo que vou iniciar este texto de reflexão e comentário jurídicos, elaborado quase em cima dos acontecimentos que o justificam.
1. A instrução do Governo chinês ao Instituto Inter-Universitário de Macau: natureza e valor jurídicos
1.1. Natureza jurídica
Várias notícias se têm sucedido acerca dos motivos que terão levado a Universidade de São José (USJ) a despedir, sem alegação de justa causa, o seu conhecido professor Eric Sautedé.
A última informação que possuo, veiculada pela edição do Ponto Final de 27 de Junho de 2014, veio revelar a existência de uma mensagem transmitida pelo Gabinete de Ligação do Governo Popular Central (GLGPC) ao Instituto Inter-Universitário de Macau (IIUM), aquando da criação deste último, na qual se informava que esta instituição de ensino não poderia permitir, nas suas actividades lectivas e de investigação, qualquer crítica ao princípio «um país, dois sistemas» ou ao Politburo do Partido Comunista Chinês (PCC).
Esta mensagem continha, pois, uma injunção dirigida ao IIUM, que entretanto deu lugar à actual USJ, destinada a impor-lhe uma obrigação de facto negativo (obrigação de non facere). Presumo que a decisão em si tenha sido tomada pelo Governo Popular Central (GPC). Mas, qual a natureza e valor jurídicos desse acto?
Não se trata, indubitavelmente, de uma lei nem de uma convenção internacional. Isto é tão óbvio que não carece aqui de justificação.
Seria um contrato?
Um contrato é um negócio jurídico bilateral, assentando, portanto, num acordo de vontades. Para termos in casu um contrato, o acto praticado pelo GPC teria de ter revestido a forma de uma proposta contratual e a resposta do IIUM teria de se ter traduzido numa aceitação dessa proposta. Esta aceitação poderia ter sido expressa ou tácita: expressa, se «feita por palavras, escrito ou qualquer outro modo directo de manifestação da vontade» (artigo 209.º/1 do Código Civil), e tácita, se se deduzisse «de factos que, com toda a probabilidade», a revelassem (ibidem). Ora, aquilo que o Ponto Final noticia é que o GLGPC teria dado ao IIUM uma informação contendo uma instrução e que o IIUM não teria contestado. Informar e instruir é diferente de propor, e não contestar também é diferente de aceitar, embora aqui a fronteira seja mais ténue. Parece claro que o Governo chinês, por intermédio do seu Grupo de Ligação, agiu com o fito de impor unilateralmente a sua vontade ao IIUM, e não de entabular um processo negocial. Quanto ao IIUM, se apenas se limitou a não contestar, isso significará indubitavelmente, e no mínimo, que não terá manifestado uma aceitação expressa. Mas terá manifestado uma aceitação tácita? Se o acto do GPC tivesse consistido numa proposta contratual, a não-contestação do IIUM poderia eventualmente ser interpretada como uma aceitação tácita, embora também pudesse ser simplesmente entendida como uma ausência absoluta de resposta, como quem dissesse «depois logo se vê». Ou até poderia ser tomada – porque não? – como uma rejeição tácita. Tudo dependeria do comportamento subsequente do IIUM. Em todo o caso, não se tendo o acto do GPC traduzido numa proposta contratual, mas numa injunção, a atitude de não-contestação do IIUM não pode logicamente ser qualificada de aceitação de uma proposta contratual; logo, não terá surgido daí qualquer contrato entre a RPC, representada pelo GLGPC, e o IIUM.
Ainda que contrato houvesse, apenas vincularia as partes (artigo 400.º/2 do Código Civil), ou seja, a RPC e o IIUM, hoje USJ. Não vincularia directamente os docentes da USJ. Para vincular estes últimos, a USJ teria de transpor para regulamentos, instruções ou ordens internos as obrigações decorrentes daquele contrato, no exercício do seu poder de direcção sobre os respectivos trabalhadores (artigos 1079.º/1 do Código Civil e 2.º, 1) e 2), 5.º/1 e 11.º/1, 4), da Lei n.º 7/2008).
Não se tratando de um contrato, mas de um acto unilateral dirigido ao IIUM, hoje USJ, pelo GLGPC em representação do GPC, a indagação acerca da sua natureza jurídica leva-me agora a formular três hipóteses: regulamento administrativo, acto administrativo e acto político. Lembre-se, a este propósito, que o GPC é um órgão político-administrativo: é o ramo executivo civil do poder político e o órgão máximo da Administração Pública na RPC (artigo 57.º da Constituição chinesa). E terá sido ele, presumo, o autor da decisão comunicada aos responsáveis do IIUM pelo GLGPC.
A hipótese prima facie improbabilíssima, diria até contra-intuitiva, de se tratar de um regulamento administrativo só me ocorre porque a finalidade dessa decisão consistia claramente no estabelecimento de uma norma jurídica no interior do IIUM, hoje USJ. Todavia, o GPC não estatuiu directamente qualquer norma, apenas «ordenou» implicitamente ao IIUM que a estatuísse. Não se trata, portanto, de um acto de conteúdo normativo, isto é, geral e abstracto, destinado directamente aos docentes, investigadores e alunos do IIUM, hoje USJ, mas de um acto individual e concreto dirigido à pessoa colectiva privada IIUM, hoje USJ; logo, não estamos perante um regulamento administrativo, mas, eventualmente, um acto administrativo, hipótese que considerarei já a seguir. Mais uma vez se concluiria que os trabalhadores e alunos da instituição em causa não estariam directamente vinculados pela decisão do GPC que lhe fora comunicada pelo GLGPC, mas, quando muito, por regulamentos, instruções e ordens internos elaborados pela instituição em seu cumprimento.
E será então essa decisão um acto administrativo? Na verdade, também não me parece que o seja, pelo menos segundo aquilo que é próprio de um Estado de Direito, no qual a actividade administrativa se baseia na lei. A própria Constituição chinesa afirma, relativamente ao Conselho de Estado, que lhe compete «determinar medidas administrativas, (…), tomar decisões e emitir instruções com base na Constituição e na lei» (artigo 89.º, 1)). O Conselho de Estado é precisamente o GPC, como aliás esclarece o artigo 85.º da mesma Constituição. Ignoro a existência de qualquer lei que tenha servido de alicerce jurídico à decisão em apreço, embora naturalmente não ouse asseverar a sua inexistência. Duvido mesmo que o GPC, ao tomar a decisão, e o GLGPC, ao transmiti-la, estivessem animados de uma intenção executiva relativamente a quaisquer disposições legais. Nem tão-pouco se afigura que o GPC estivesse simplesmente a procurar resolver um problema técnico para satisfazer determinado interesse público. O GPC estava manifestamente a exprimir uma vontade política.
Inclino-me, por conseguinte, e não obstante a margem de incerteza já admitida, a qualificar a decisão do GPC como um acto político, e não como um acto administrativo. Ainda assim, reitero a asserção de que ela não vincula directamente o pessoal docente e discente da USJ.
Pegando neste último ponto, importa agora averiguar se a referida decisão do GPC, não vinculando embora directamente os trabalhadores e alunos da USJ, vinculava realmente o próprio IIUM e vincula hoje a própria USJ, como pessoas colectivas privadas, ou se nem sequer a eles os vinculava ou vincula. Por outras palavras, estava o IIUM e está a USJ obrigados a cumprir aquela decisão, designadamente através de regulamentos, instruções e ordens internos dirigidos ao seu pessoal, ou não?
Na minha opinião, a resposta deve ser negativa, em virtude da inconstitucionalidade manifesta – diria mesmo caricata e insolente – da decisão em análise.
1.2. Valor jurídico
1.2.1. Considerações gerais
Procurando circunscrever o âmbito do presente texto a aspectos de maior relevância prática, não irei aqui discutir a conformidade da decisão com a Constituição chinesa, nem tão-pouco com a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, mas apenas com a Lei Básica da RAEM (LB), apesar de considerar que o direito constitucional de Macau não se esgota nesta lei.
Antes, porém, convém recuar por um instante ao período anterior à Reunificação, já que foi então que a decisão do GPC foi tomada e transmitida aos responsáveis do IIUM. Faço este recuo apenas para lembrar que, nessa época, Macau ainda se encontrava sob administração portuguesa, significando isto que era Portugal que aqui exercia soberania; juridicamente, o Governo chinês não exercia qualquer autoridade sobre Macau e, muito menos, dentro do território de Macau, em relação a pessoas ou instituições que aqui se encontrassem. Pelo menos nessa época, portanto, a decisão do GPC não possuía qualquer força jurídica em Macau. Acresce que ela colidia com normas da Constituição da República Portuguesa (CRP) referentes a direitos, liberdades e garantias, as quais vigoravam em Macau, quanto mais não fosse por virtude da recepção que delas fazia o artigo 2.º do Estatuto Orgânico de Macau (EOM).
Poder-se-ia alegar que a decisão do GPC se destinaria a produzir efeitos jurídicos em Macau somente após a Reunificação, o que diminuiria a relevância desta abordagem retrospectiva. Mas, independentemente dessa hipótese, é mesmo à luz do direito actual que mais importante se torna avaliar aquela decisão.
Ora, tendo presente o disposto na LB, não tenho grandes dúvidas em assacar à decisão do GPC pelo menos 5 inconstitucionalidades: violação da autonomia de Macau em matéria de ensino; violação da liberdade académica; violação da liberdade expressão; violação do direito de criar e manter estabelecimentos de ensino de diversos tipos; e violação da reserva de lei sobre a restrição a direitos fundamentais.
Estes vícios, além de inquinarem o acto praticado pelo GPC, contaminam os regulamentos, instruções ou ordens internos que tenham sido elaborados no IIUM ou na USJ com a finalidade de lhe darem execução.
1.2.2. Autonomia de Macau em matéria de ensino
Referindo-se à autonomia de Macau na área do ensino, a LB afirma que o Governo da RAEM «define, por si próprio, as políticas de educação» (artigo 121.º, 1.º parágrafo). A mesma lei explicita que «nenhuma repartição do Governo Popular Central (…) pode interferir nos assuntos que a Região Administrativa Especial de Macau administra, por si própria, nos termos desta Lei» (artigo 22.º, 1.º parágrafo).
Está, portanto, vedado às autoridades da RPC imporem à RAEM ou na RAEM quaisquer ditames no domínio da educação.
1.2.3. Liberdade académica e liberdade de expressão
a) Consagração positiva e âmbito de protecção normativa
A liberdade académica e a liberdade de expressão são direitos fundamentais estreitamente ligados entre si. Em larga medida, a liberdade académica resulta de uma projecção da liberdade de expressão no domínio do ensino.
A liberdade de expressão vem expressamente mencionada no artigo 27.º da LB. Este artigo nada adianta acerca do âmbito de protecção normativa daquele direito, mas tal carência é suprida pela recepção que a própria LB efectua, no seu artigo 40.º, das disposições do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) que vigoravam em Macau antes da Reunificação. O artigo 19.º deste Pacto declara, respectivamente nos seus n.ºs 1 e 2, o seguinte:
– «Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões»;
– «Toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras, sob forma oral ou escrita, impressa ou artística, ou por qualquer outro meio à sua escolha».
Escusado será dizer que, ao abrigo destas disposições, Sautedé tinha todo o direito de fazer os comentários políticos pelos quais era conhecido. E isto é relevante lembrar, porque o Reitor da USJ, tendo-lhe embora reconhecido em palavras tal direito, não deixou de invocar o seu exercício como causa do seu despedimento sem justa causa (ou seja, como causa do seu despedimento com injusta causa, o que equivale a reconhecer que a causa do despedimento foi injusta). O mesmo vale, sem tirar nem pôr, para Bill Chou e outros professores da Universidade de Macau disciplinarmente processados por razões que, segundo suspeitas que me parecem inteiramente justificadas, abrangem o exercício da liberdade de expressão.
A liberdade académica compreende, em especial, a liberdade de aprender, investigar, ensinar, debater e publicar. A liberdade de aprender e investigar inclui necessariamente a liberdade de acesso às fontes e meios de conhecimento. A liberdade de ensinar, debater e publicar inclui necessariamente a liberdade de, sob forma oral, escrita e outras, relatar e analisar factos, expor e analisar teorias e opiniões, próprias ou alheias, e defendê-las ou criticá-las, bem como organizar actividades a tanto destinadas. Como se vê, muito do conteúdo da liberdade académica já se deduziria da própria liberdade de expressão, ficando consequentemente coberto pelo manto protector das normas que consignam esta última. Ainda assim, a LB contém uma disposição mais estreitamente relacionada com a liberdade académica e também com a liberdade de criação cultural: o artigo 37.º, segundo o qual as pessoas «gozam da liberdade de exercer actividades de educação, investigação académica, criação literária e artística e outras actividades culturais». A liberdade académica é ainda expressamente mencionada no artigo 122.º, 1.º parágrafo, 2.ª parte, da LB, embora aí surja imediatamente conferida aos estabelecimentos de ensino, como direito institucional, e não aos respectivos docentes, investigadores e estudantes, como direito individual, correspondendo, portanto, àquilo que correntemente se denomina de «autonomia científico-pedagógica».
Ao nível da legislação ordinária, o Decreto-Lei n.º 11/91/M, de 4 de Fevereiro, que regula genericamente a organização e funcionamento das instituições de ensino superior, quer públicas, quer privadas, contém, naturalmente, várias concretizações deste direito fundamental que é a liberdade académica. De entre elas, destaco as seguintes, por me parecerem as mais pertinentes para o caso em análise:
– «Nas instituições de ensino superior serão criadas as condições para a promoção da investigação científica e para a realização de actividades de investigação e desenvolvimento» (artigo 10.º/1);
– «A investigação científica no ensino superior deve ter em conta os objectivos predominantes da instituição em que se insere, sem prejuízo de se perspectivar em função do progresso, do saber e da resolução dos problemas postos pelo desenvolvimento social, económico, educacional e cultural do Território» (artigo 10.º/2);
– «No uso da autonomia pedagógica devem as instituições de ensino superior assegurar a pluralidade de doutrinas e métodos pedagógicos» (artigo 11.º/2).
A propósito do preceituado no artigo 10.º/2, convém assinalar o seguinte:
– esta disposição refere-se exclusivamente à investigação «no ensino superior», o que se deve entender como a investigação feita no quadro das instituições de ensino superior, envolvendo o uso de recursos materiais e financeiros das mesmas, e não como toda e qualquer actividade de investigação realizada por docentes ou alunos dessas instituições, porquanto estes têm sempre, ao abrigo da sua liberdade de expressão e da sua liberdade académica, a faculdade de efectuar pelos seus próprios meios qualquer investigação que lhes aprouver;
– mesmo em relação a uma investigação levada a cabo no quadro de determinada instituição de ensino superior, com utilização dos seus meios, a citada disposição não exige que o investigador limite o âmbito do seu trabalho em função dos «objectivos predominantes da instituição», mas simplesmente que os tenha «em conta», realçando em seguida a necessidade de estarem na sua mira o progresso, o saber e a resolução dos problemas locais.
No caso específico da USJ, o seu corpo de objectivos tem no vértice a «promoção e o desenvolvimento dos valores culturais e humanísticos da tradição portuguesa no Oriente, designadamente da sua componente de matriz cristã» – é assim que a Fundação Católica de Ensino Superior Universitário define a sua missão no artigo 3.º/1 dos respectivos Estatutos.
Com este enquadramento jurídico, dificilmente se poderia negar a Sautedé ou a quaisquer outros professores da USJ o direito de, mesmo no âmbito desta instituição, fazerem prelecções, promoverem discussões, conduzirem investigações ou realizarem seminários e conferências em matérias relacionadas com a história e a actualidade política da China, as acções e a vida interna do Partido Comunista Chinês (PCC), o princípio «um país, dois sistemas», etc. E, se não se lhes pode negar tal direito, então também não se pode prejudicá-los por o exercerem, maxime através do seu despedimento (v. infra, 2.2., b)).
b) Possibilidade de restrição e respectivas condições
Ao anteriormente exposto poder-se-ia objectar com o argumento, juridicamente correcto, de que a liberdade de expressão e a liberdade académica não são direitos absolutos, podendo por conseguinte sofrer restrições, como aliás sucede com a generalidade dos direitos, liberdades e garantias.
Tais restrições, contudo, estão sujeitas a condições, e são estas condições que importa aqui enumerar.
Antes de mais, essas restrições têm de ser estabelecidas normativamente, isto é, por meio de disposições gerais e abstractas.
Depois, as próprias normas restritivas estão sujeitas a diversas condições:
– a uma condição teleológica: devem ter por finalidade a protecção de um outro direito fundamental ou de um outro valor ou interesse constitucionalmente protegido;
– a quatro condições materiais: no seu conteúdo, devem respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e intangibilidade do conteúdo essencial do direito (v. infra);
– a uma condição formal: devem estar formuladas em leis, isto é, em actos legislativos, o que em Macau abrange as leis aprovadas pela Assembleia Legislativa de Macau e os antigos decretos-leis do Governador de Macau que ainda subsistam (não podem vigorar em Macau leis nacionais sobre esta matéria, conforme resulta do artigo 18.º, 3.º parágrafo, da LB);
– a uma condição orgânica: devem ser estabelecidas pelo órgão constitucionalmente competente para aprovar leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, o que, mais uma vez, nos conduz à Assembleia Legislativa de Macau e, no caso dos antigos decretos-leis, ao Governador de Macau.
Os aludidos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e intangibilidade do conteúdo essencial do direito significam, respectivamente, que a restrição deve:
– cingir-se ao estritamente necessário para alcançar o fim que a justifica;
– constituir realmente um meio apropriado para esse fim;
– não impor sacrifícios maiores do que as vantagens visadas;
– salvaguardar a possibilidade de os titulares do direito o exercerem através de qualquer comportamento que constitua um modo socialmente típico de o exercer.
Salta à vista que a decisão do GPC comunicada pelo GLGPC aos responsáveis do IIUM desrespeita, desde logo, as condições formal e orgânica. O mesmo se poderá dizer de qualquer acto interno do IIUM ou da USJ. Nem aquela nem este constituem actos legislativos emanados da Assembleia Legislativa ou de um ex-Governador de Macau.
Quanto à condição teleológica, perguntar-se-á: será que o Politburo do PCC e o princípio «um país, dois sistemas» são valores ou interesses protegidos pelo direito constitucional de Macau?
O princípio «um país, dois sistemas» ainda poderá ser admitido para este efeito, tendo em conta que constitui um princípio basilar da ordem constitucional de Macau (preâmbulo e artigo 5.º da LB) e combina valores fundamentais como a unidade nacional, integridade territorial e soberania da China e o elevado grau de autonomia de Macau (v. preâmbulo e artigos 1.º, 2.º e 12.º da LB).
O Politburo do PCC, pelo contrário, não parece possuir especial relevância no direito constitucional de Macau, mesmo admitindo-se – como eu próprio admito – que a Constituição da República Popular da China (CRPC) é uma das fontes do direito constitucional de Macau e que uma parte dela vigora na Região. É que a própria CRPC não faz qualquer alusão ao Politburo do PCC. Ao próprio PCC ela só alude no preâmbulo, e não no articulado. E o que diz esse preâmbulo em termos prospectivos e directivos, e não meramente retrospectivos, acerca do PCC? Apenas isto:
«Sob a égide do Partido Comunista Chinês e a inspiração do marxismo-leninismo e do pensamento de Mao Zedong, o povo chinês de todas as nacionalidades continuará a aderir à ditadura democrática popular e a seguir a via socialista, a melhorar constantemente as instituições socialistas, a desenvolver a democracia socialista e a trabalhar, arduamente e com toda a independência, para a modernização da indústria, da agricultura, da defesa nacional, da ciência e da tecnologia, a fim de transformar a China num país socialista de alto nível de cultura e de democracia. (…) Nos longos anos de revolução e de construção, formou-se, sob a direcção do Partido Comunista Chinês, uma ampla frente patriótica integrada por partidos democráticos e organizações populares e que engloba todos os trabalhadores socialistas, todos os patriotas que apoiam o socialismo e todos os patriotas que desejam a reunificação da Mãe-Pátria. Esta frente unida continuará a consolidar-se e a desenvolver-se».
Grandiosos objectivos, os aqui proclamados! Mas os próprios órgãos de soberania da China, dirigidos pelo PCC, decidiram soberanamente «dispensar» Macau, por pelo menos 50 anos, de prosseguir quaisquer objectivos de coloração «socialista», ao estipularem – soberanamente, repita-se – na Declaração Conjunta Luso-Chinesa e na LB que em Macau se mantém o sistema capitalista, se não adopta o sistema «socialista» e se não aplicam as políticas «socialistas».
O PCC é definido pela doutrina oficial do regime chinês como o núcleo dirigente da «ditadura democrática popular». A esta «ditadura democrática popular» se refere o artigo 1.º da CRPC, afirmando que é dirigida pela classe operária e assenta na aliança operário-camponesa. E o mesmo artigo acrescenta que «o sistema socialista é o sistema básico» da RPC. É este o contexto em que o PCC encontra relevância constitucional: «sistema socialista» em regime de «ditadura democrática popular». Macau, como sabemos, tem um sistema económico e um regime político diferentes.
Mas, ainda que se reconhecesse o PCC como um bem juridicamente protegido pelo direito constitucional de Macau, poder-se-ia questionar a especial relevância conferida ao seu Politburo. Porquê o Politburo e não, mais amplamente, o Comité Central? Porquê o Comité Central e não, mais amplamente, o Congresso? Porquê o Congresso e não, mais amplamente, o conjunto do Partido, com todas as suas estruturas nacionais e locais e todos os seus militantes?
A pergunta ainda poderia ir mais longe e transpor as fronteiras do próprio PCC: porquê só o PCC e não também os «partidos democráticos e organizações populares», que com ele formam a «frente unida revolucionária», também esta elemento estruturante, ainda que perifErico, da «ditadura democrática popular»?
Na minha opinião, o Politburo do PCC não pode ser categorizado como um bem jurídico constitucionalmente relevante em Macau cuja protecção legitime restrições aos direitos fundamentais dos seus residentes e outras pessoas que aqui se encontrem.
Por outro lado, ainda que ele pudesse ser alcandorado a essa categoria, ou que o pudesse ser o próprio PCC, não se vislumbra como é que a tutela desses bens pudesse justificar a proibição de os criticar. O mesmo se diga do princípio «um país, dois sistemas». Proibir a crítica a certo ente não é minimamente necessário para defender esse mesmo ente – nem necessário, nem adequado, pois até pode ser vantajoso, precisamente, criticá-lo. A crítica, quer interna, quer externa, a uma organização é útil para ela própria. Aliás, segundo as proclamações oficiais do PCC, os seus próprios membros têm o direito de criticar as ideias, actos e omissões dos órgãos do Partido (o que não significa que na prática o possam fazer impunemente). Se eles o podem fazer, porque não o poderiam fazer professores do ensino superior em Macau?
Pode-se, assim, concluir que também faltam aqui as condições materiais para a restrição de um direito, liberdade ou garantia: os princípios da necessidade e adequação são directamente violados pelas razões acabadas de expor; o princípio da proporcionalidade é-o, no mínimo, como consequência lógica da inobservância desses dois princípios e do princípio mencionado já a seguir; e o princípio da intangibilidade do conteúdo essencial também é obviamente transgredido, porquanto a crítica a qualquer sistema, instituição, orientação ou actuação políticos é parte inalienável da liberdade de expressão e da liberdade académica, inscrevendo-se no modo típico de exercício desses direitos em qualquer sociedade que não viva sob um regime totalitário.
Todo o exposto vale tanto para a decisão do GPC comunicada pelo GLGPC aos responsáveis do IIUM como para qualquer ordem, instrução ou regulamento internos do IIUM ou da USJ.
A nenhum professor, investigador, trabalhador não-docente ou aluno da USJ pode ser coarctado, sequer sob ameaça expressa ou tácita de despedimento ou de não-renovação de contrato, o direito de criticar o Politburo do PCC, o princípio «um país, dois sistemas», ou, na verdade, qualquer outra coisa. A vertente juslaboral desta questão será analisada mais adiante (infra, 2.).
1.2.4. Direito de criar e manter estabelecimentos de ensino de diversos tipos
O artigo 122.º da LB reza o seguinte:
«Os estabelecimentos de ensino de diversos tipos, anteriormente existentes em Macau, podem continuar a funcionar. (…)
Os estabelecimentos de ensino de diversos tipos podem continuar a recrutar pessoal docente fora da Região Administrativa Especial de Macau, bem como obter e usar materiais de ensino provenientes do exterior. (…)».
O primeiro destes preceitos consagra o direito de criar e manter em funcionamento estabelecimentos de ensino de diversos tipos: públicos e privados, laicos e confessionais, de língua veicular chinesa, portuguesa ou outra, etc., etc., etc.
O segundo destes preceitos reconhece a esses estabelecimentos a liberdade de escolha dos materiais de ensino, incluindo livros, destacando a faculdade de adoptarem material de ensino proveniente do exterior de Macau, podendo este, então, provir do Interior da China, de Hong Kong, de Taiwan ou de qualquer país estrangeiro. Claro está que o seu conteúdo poderá estar ou não em sintonia com posições oficiais da RPC sobre diversas questões. O mesmo se poderá dizer, aliás, do pensamento dos docentes oriundos do exterior. E tudo isto é evidentemente extensivo aos materiais de ensino e docentes originários de Macau.
A decisão do GPC transmitida pelo GLGPC aos responsáveis do IIUM, ao pretender sujeitar a criação e manutenção do IIUM à condição de proscrever internamente qualquer crítica ao Politburo do PCC e ao princípio «um país, dois sistemas», entra em colisão frontal com ambas as disposições supratranscritas. Os direitos nelas consagrados são, como os demais, susceptíveis de restrição, mas apenas nas condições anteriormente explanadas (supra, 1.2.3., b)), nenhuma das quais se encontra aqui cumprida – valem para esta conclusão as mesmas razões que então foram aduzidas (ibidem).
2. Não-renovação do contrato de trabalho e despedimento sem justa causa
A questão da segurança no emprego tem pairado como uma «sombra» na discussão pública dos casos Bill Chou e Eric Sautedé, mas merece ser trazida para o foco da discussão, pois nenhum direito que se diga reconhecido ao trabalhador terá efectividade se o trabalhador puder perder o seu ganha-pão pelo mero facto de o exercer.
Dizer que um professor é «livre» de exprimir as ideias que bem entender, mas que o estabelecimento de ensino onde ele trabalha também é livre de o despedir ou de não lhe renovar o contrato, só não redundará em puro cinismo se a palavra «livre» for entendida aqui num sentido extremamente restrito: significaria poder fazer algo sem sofrer como consequência um castigo privativo da vida, da integridade física ou da liberdade pessoal. De facto, ir para o olho da rua não é o mesmo que ir para um gulag, mas que grande consolo este, o de não estarmos na Coreia do Norte!
2.1. Contrato de trabalho a termo: renovação e conversão
A respeito de Bill Chou, tem-se aventado a possibilidade de o seu contrato não ser renovado. Relativamente a Sautedé, começou-se por dizer que o seu contrato não iria ser renovado, o próprio docente afirmou que o contrato não precisava de ser renovado por não estar sujeito a termo e acabou por ser noticiada a resolução unilateral do mesmo sem justa causa por parte da Universidade de São José.
Sautedé tinha razão, pois um contrato de trabalho a termo, quando se tenha mantido em vigor, com ou sem renovações, por um período superior a 2 anos ou tenha sido renovado 3 vezes, converte-se imediata e automaticamente em contrato sem termo – assim reza a lei que regula a relação individual de trabalho (Lei n.º 7/2008). O mesmo vale, evidentemente, para os contratos de Bill Chou e demais professores na mira dos senhores da UM. E o ritual de renovação dos contratos que as instituições de ensino superior cumprem anual ou bienalmente, quiçá com o objectivo de ir iludindo o trabalhador e preparando-o psicologicamente para um futuro despedimento mascarado de não-renovação do contrato, não pode obliterar essa garantia decorrente da lei. Assim sendo, o contrato de Bill Chou, se já tiver subsistido por mais de dois anos, como presumo, mantém-se legalmente em vigor, mesmo apesar de não ter passado pelo ritual da renovação que estava previsto para o passado mês de Maio.
Liberto do termo resolutivo, o contrato só pode cessar por vontade exclusiva do empregador se este próprio despedir o trabalhador. Foi o que «teve» que fazer, afinal, a USJ. E aqui deparamos obviamente com um outro problema bem conhecido: a facilidade com que em Macau o empregador pode despedir o trabalhador, quer por não carecer de invocar e demonstrar justa causa, quer pela ligeireza com que pode despedir com alegação de justa causa. Mas, será mesmo assim?
2.2. Despedimento sem justa causa
a) Considerações gerais
Pode mesmo o empregador despedir o trabalhador independentemente de justa causa?
Como assinalei anteriormente, um despedimento sem justa causa é, na verdade, um despedimento com injusta causa. Mesmo quem conteste a equivalência absoluta entre um e outro dificilmente há-de negar que um despedimento sem justa causa pode traduzir-se, em muitos casos, num despedimento com injusta causa. A situação típica em que tal acontecerá é aquela em que o motivo do despedimento reside no exercício de um direito por parte do trabalhador – por exemplo, da sua liberdade de expressão ou da sua liberdade académica. Foi o que sucedeu com Sautedé na USJ.
Ora, um despedimento com injusta causa é um acto injusto; logo, ofende a justiça, um dos valores magnos que a Teoria Geral do Direito atribui, em abstracto, a uma ordem jurídica e cuja realização constitui, segunda a mesma, uma das finalidades essenciais do Direito, ao lado da segurança e do bem-estar. Também os cultores da Ciência Política inscrevem comummente a justiça no elenco das finalidades abstractas e intemporais do Estado. Como pode, então, uma ordem jurídica, sob pena de negar a sua própria essência, permitir o despedimento sem justa causa? Aquilo que ostenta certo nome deve respeitar a essência do ente designado por esse nome, senão deve deixar de ser chamado por esse nome – é o que pregavam Confúcio e discípulos na sua teoria conhecida como da «rectificação dos nomes».
Deixando estes planos metapositivo e metajurídico e descendo ao nível dos instrumentos de direito positivo actualmente vigentes em Macau, vamos encontrar dados contraditórios entre si, mas que no final de contas nos permitirão tirar uma conclusão convergente com aquilo que acabou de se dizer.
b) Normas do direito interno de Macau
A Lei n.º 7/2008 afirma, no proémio do n.º 1 do seu artigo 70.º, que «o empregador pode resolver o contrato a todo o tempo, independentemente de alegação de justa causa». Até aqui, parece claro que o direito de Macau permite o despedimento sem justa causa.
Há, todavia, no ordenamento jurídico de Macau normas que vêm, umas, de direito interno, reduzir o alcance desta disposição e, outras, de direito internacional, contrariá-la de todo. Vejamos primeiro as de direito interno.
O artigo 10.º, 1), da mesma lei diz que «é proibido ao empregador (…) opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como prejudicá-lo pelo exercício desses direitos». Despedir um trabalhador pelo facto de ele ter exercido um direito – caso típico de despedimento sem justa causa – é uma maneira de o prejudicar pelo exercício desse direito. Se isto é proibido, então não é permitido: esse despedimento é ilícito. E esta ilicitude tem de ter alguma consequência.
Em termos mais abrangentes e mesmo transversais ao direito privado (e não só), diz o artigo 326.º do Código Civil, sob a epígrafe «abuso do direito», que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». Aplicando esta norma ao despedimento sem justa causa, dir-se-á que, mesmo tendo o empregador, em abstracto, o direito de despedir o trabalhador independentemente de justa causa, não pode exercer esse direito de modo abusivo, porque, se o fizer, esse exercício será ilegítimo. Se o exercício do dito direito é ilegítimo, então o acto no qual este exercício se consubstancie é ilícito – o despedimento será, portanto, ilícito. Um despedimento motivado pelo exercício de um direito por parte do trabalhador pode facilmente considerar-se um abuso do suposto direito de despedir sem justa causa. É, portanto, ilícito. E, mais uma vez, esta ilicitude tem de ter alguma consequência.
Que consequência, ou consequências?
Desde logo, se o despedimento é um acto ilícito, implica para o empregador uma responsabilidade civil por acto ilícito (artigo 477.º/1 do Código Civil), obrigando-o a indemnizar o trabalhador, não através das compensações irrisórias estabelecidas no artigo 70.º da Lei n.º 7/2008, mas de outras maneiras. Em princípio, o empregador deve reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho – é o que se deduz do artigo 556.º do Código Civil, segundo o qual «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». O despedimento deve, pois, ser obliterado, reconstituindo-se a situação laboral do trabalhador que existia anteriormente. A indemnização traduzir-se-ia aqui na chamada «reconstituição natural», e não numa mera compensação. Só se essa reconstituição não fosse possível ou fosse excessivamente onerosa para o empregador é que este a poderia substituir por uma indemnização compensatória em dinheiro (artigo 560.º/1 e 3 do Código Civil). Se a reconstituição natural fosse possível, mas não reparasse integralmente os danos sofridos pelo trabalhador, este teria direito, quer à reconstituição natural (ou seja, à sua reintegração no posto de trabalho), quer a uma indemnização compensatória em dinheiro pela parte dos danos não coberta por essa reconstituição (artigo 560.º/2). Relativamente ao montante da compensação, deveria ter por base de cálculo, «não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão» (artigo 558.º/1 do Código Civil), e ainda, mais extensamente, os prejuízos que o lesado viesse previsivelmente a sofrer no futuro e os benefícios que viesse previsivelmente a deixar de obter, tudo em consequência da lesão (artigo 558.º/2 do Código Civil), isto é, do despedimento.
Por outro lado, se o acto em questão ofende a ordem jurídica, seja pelo seu conteúdo, seja pela sua finalidade, seja até pela circunstância em que é praticado, é nulo (artigos 273.º/1, 274.º/1 e 287.º, conjugados com o artigo 288.º, todos do Código Civil) e, por conseguinte, os seus efeitos devem ser destruídos (artigo 282.º/1 do Código Civil), o que mais uma vez nos impele ao reconhecimento do direito do trabalhador ilicitamente despedido de ser reinserido no seu posto de trabalho, a menos que ele próprio prefira uma compensação em dinheiro.
Com base nas disposições do direito interno de Macau até aqui examinadas, podemos formular, a título provisório, as seguintes conclusões:
– o despedimento sem justa causa é, em geral, permitido (artigo 70.º/1 da Lei n.º 7/2008);
– ele é, todavia, proibido em duas situações:
• quando tenha por causa real o facto de o trabalhador ter exercido ou tencionar exercer um direito (artigo 10.º/1 da Lei n.º 7/2008);
• quando tenha carácter abusivo, por o empregador estar a exceder «manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico» do seu direito a despedir sem justa (artigo 326.º do Código Civil), o que provavelmente também abarcará a situação anterior;
– em qualquer destas duas situações, o despedimento, sendo um acto ilícito, gerará responsabilidade civil por acto ilícito (artigo 477.º/1 do Código Civil), com a consequente obrigação de indemnizar o trabalhador (ibidem), e, sendo essa ilicitude cominada com a sanção de nulidade do acto (artigos 273.º/1, 274.º/1 e 287.º, conjugados com o artigo 288.º, todos do Código Civil), os efeitos deste último deverão ser destruídos (artigo 282.º/1 do Código Civil);
– a indemnização do trabalhador deverá revestir prioritariamente a forma de reconstituição natural (artigo 556.º do Código Civil), traduzindo-se na reintegração do mesmo no seu posto de trabalho, e a destruição dos efeitos jurídicos do acto de despedimento consistirá na reversão do próprio despedimento, o que significa outrossim a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho.
A análise de algumas disposições de direito internacional vigentes em Macau, dotadas de valor hierárquico superior ao das normas do direito interno ordinário da Região, permitir-nos-á reconsiderar e, consoante os casos, confirmar ou infirmar estas conclusões.
c) A Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho
A Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) reza o seguinte:
«Um trabalhador não deverá ser despedido sem que exista um motivo válido de despedimento relacionado com a aptidão ou com o comportamento do trabalhador, ou baseado nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço».
Esta norma exige, como bem se vê, uma justa causa subjectiva ou objectiva para o despedimento.
A convenção que a alberga foi, como muitas outras, estendida a Macau pouco antes da Reunificação por decreto do Presidente da República português e com a prévia anuência – sublinhe-se – do Governo da RPC, dada no quadro do Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês. Assim se procedia, durante o período de transição, com a generalidade das inovações que o Governo de Macau ou os órgãos de soberania de Portugal pretendessem introduzir no ordenamento jurídico de Macau.
Uma vez estendida a Macau antes da Reunificação, ela beneficia automaticamente do preceituado no artigo 40.º, 1.º parágrafo, da Lei Básica, que garante imperativamente a sua vigência na RAEM, independentemente de qualquer decisão das autoridades locais ou centrais. Vejamos o teor literal deste preceito:
«As disposições, que sejam aplicáveis a Macau, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, bem como das convenções internacionais de trabalho, continuam a vigorar e são aplicadas mediante leis da Região Administrativa Especial de Macau.»
Após a Reunificação, porém, o Governo de Macau decidiu não reconhecer a sua vigência na Região. Esta posição tem sido revelada de diversas formas:
– durante vários anos, os sítios oficiais do Governo que elencavam as convenções da OIT vigentes em Macau omitiam pura e simplesmente a Convenção n.º 158;
– mais tarde, esta convenção foi incluída na lista das convenções da OIT constante do sítio da Imprensa Oficial, mas com uma nota segundo a qual «não se continua a aplicar à RAEM» (o que, observe-se de passagem, significa reconhecer ao menos que a Convenção chegara a ser aplicável em Macau);
– durante a discussão na especialidade da proposta de lei laboral que viria a dar origem à Lei n.º 7/2008, o Director dos Serviços de Assuntos Laborais (DSAL) declarou perante a Assembleia Legislativa que essa convenção não estava em vigor em Macau.
Neste debate, recorde-se, o deputado Pereira Coutinho havia suscitado o problema da desconformidade da proposta de lei com a sobredita convenção.
A razão que tem sido invocada pelo Governo de Macau, e que foi reiterada no aludido debate depois de uma outra justificação, improvisada pelo Director da DSAL, ter sido rectificada por um assessor jurídico da AL, reside na circunstância de o Governo chinês não ter comunicado à OIT a assunção da responsabilidade internacional da RPC pelo cumprimento em Macau da dita convenção, formalidade que cumpriu em relação a quase todas as outras convenções da OIT que haviam sido estendidas a Macau antes da Reunificação (em tais casos, o Chefe do Executivo mandou publicar avisos no Boletim Oficial). Do meu ponto de vista, o argumento é improcedente e assenta em certas confusões jurídicas.
Em primeiro lugar, o Governo desconsidera o artigo 40.º da LB e o seu carácter de regime especial em relação ao artigo 138.º da mesma lei. Este último artigo, referente às convenções internacionais em geral, estatui o seguinte:
«A aplicação à Região Administrativa Especial de Macau dos acordos internacionais em que a República Popular da China é parte, é decidida pelo Governo Popular Central (…).
Os acordos internacionais em que a República Popular da China não é parte, mas que são aplicados em Macau, podem continuar a vigorar. O Governo Popular Central autoriza ou apoia, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau a fazer arranjos apropriados à aplicação na Região Administrativa Especial de Macau de outros acordos internacionais com ela relacionados».
Como assinalei há pouco, este artigo 138.º define um regime geral, isto é, aplicável às convenções internacionais em geral; o artigo 40.º define um regime especial concernente a certo grupo de convenções. Segundo o velho princípio lex specialis derogat lex generalis, os factos (neste caso, as convenções internacionais) subsumíveis na norma especial ficam subtraídos ao âmbito de aplicação da norma geral, pelo menos na medida em que haja incompatibilidade entre as duas. Ora, essa incompatibilidade existe no caso vertente: enquanto o artigo 40.º determina, de modo imperativo e incondicional, a vigência em Macau das normas constantes das convenções nele previstas, dispensando qualquer acto confirmativo e proibindo qualquer acto impeditivo ou extintivo por parte dos órgãos do poder político da RPC ou da RAEM, o artigo 138.º permite, mas não impõe, a vigência em Macau de outras convenções internacionais, sujeitando-a, porém, a actos jurídicos a praticar posteriormente por órgãos do poder político da RPC e da RAEM.
Assim sendo, as convenções internacionais abrangidas pelo disposto no artigo 40.º – entre as quais se inclui a Convenção n.º 158 da OIT – ficam fora da alçada do artigo 138.º. Por consequência, elas continuam a vigorar em Macau sem necessidade de qualquer decisão ou providência tomadas pelo GPC e independentemente da vontade do próprio Governo de Macau. A nota que este último inseriu no sítio da Imprensa Oficial, afirmando que a Convenção n.º 158 «não se continua a aplicar à RAEM», é, portanto, uma informação incorrecta no plano de jure condito.
Em segundo lugar, o Governo desconsidera a diferença entre vigência interna de uma convenção e vinculação externa a essa convenção. Uma coisa é a convenção internacional vigorar na ordem jurídica interna de um Estado ou território (e, tendo Macau um sistema monista de articulação entre o direito interno e o direito internacional, as convenções internacionais que sejam celebradas por Macau ou estendidas a Macau integram-se automaticamente na sua ordem jurídica interna, sem necessidade de serem previamente reproduzidas ou concretizadas em actos normativos de direito interno). Outra coisa é esse Estado ou território estar juridicamente vinculado, perante outros sujeitos de direito internacional, a cumprir (e, portanto, a fazer cumprir na sua ordem jurídica interna, sendo caso disso) a referida convenção, incorrendo em responsabilidade internacional se não o fizer. Ora, para a RPC ficar internacionalmente vinculada a cumprir e fazer cumprir em Macau uma convenção da OIT, é lógico que tenha primeiro de manifestar uma vontade nesse sentido perante a OIT; mas, para a convenção simplesmente vigorar na ordem jurídica interna de Macau, aplicando-se às relações jurídico-laborais regidas pelo direito de Macau e adstringindo as autoridades locais a garantir a sua observância nesse âmbito, não vislumbro qualquer necessidade lógica ou jurídica de a RPC ter previamente assumido perante a OIT a responsabilidade internacional pelo seu cumprimento.
Acrescente-se que o próprio artigo 138.º da LB se tem prestado a diferentes interpretações pela doutrina, não sendo consensual o entendimento segundo o qual seria necessária uma decisão do GPC para continuar em vigor na RAEM uma convenção internacional que já vigorasse no território antes da Reunificação. Segundo alguns juristas, entre os quais me incluo, bastaria que não houvesse uma decisão do GPC em sentido contrário.
Todo o exposto já permite sustentar a conclusão de que, contrariamente ao entendimento do Governo, a Convenção n.º 158 da OIT se encontra, sim, em vigor em Macau. Pode a RPC não lhe estar externamente vinculada (nem tão-pouco a RAEM), pode a RPC não incorrer em responsabilidade internacional pelo seu incumprimento (nem tão-pouco a RAEM), mas ela vigora em Macau e, por consequência, é aplicável às relações jurídico-laborais regidas pelo direito da Região.
Vigorando em Macau, ela prevalece sobre as leis ordinárias internas, conforme resulta, quer do artigo 40.º, 2.º parágrafo, da LB, quer do artigo 1.º/3 do Código Civil. Isto significa, em especial, que, havendo incompatibilidade entre uma norma daquela Convenção e uma norma de direito ordinário interno, a primeira deve ser aplicada e a segunda, preterida.
Consequentemente, a norma constante do artigo 4.º da Convenção – que, como vimos há pouco, proíbe o despedimento sem justa causa subjectiva ou objectiva – tem primazia sobre o artigo 70.º da Lei n.º 7/2008, que permite o despedimento sem justa causa. É a primeira que deve ser aplicada, e não a segunda.
Mediante a aplicação do artigo 4.º da Convenção n.º 158 da OIT, um despedimento sem justa causa deverá ser reputado nulo (artigo 273.º/1 do Código Civil, entendendo-se aqui «lei» num sentido amplo, material-colectivo), devendo os seus efeitos jurídicos ser destruídos (artigo 282.º/1 do Código Civil), como vimos anteriormente (supra, 2.2., b)).
d) A Declaração Conjunta Luso-Chinesa
A Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, vulgarmente conhecida como Declaração Conjunta Luso-Chinesa e adiante referida abreviadamente como «DC», contém, no seu Anexo I, um ponto V que estipula o seguinte:
«A Região Administrativa Especial de Macau assegurará, em conformidade com a lei, todos os direitos e liberdades dos habitantes e outros indivíduos em Macau, estipulados pelas leis previamente vigentes em Macau (…)».
A DC é um tratado internacional vigente em Macau – o próprio Portal Jurídico, que é um sítio oficial do Governo, o inclui entre as fontes do direito internacional vigentes na RAEM. A sua relação com a LB e o seu posicionamento hierárquico dentro da ordem jurídica de Macau não são consensuais na doutrina, mas pelo menos duas asserções não suscitarão grande objecção:
– a de que as normas da DC fazem parte integrante da ordem jurídica interna de Macau, por vigorar aqui um sistema monista de articulação entre o direito interno e o direito internacional;
– a de que a DC possui um valor hierárquico superior ao das leis ordinárias internas, como sucede com as restantes convenções internacionais, quanto mais não seja por virtude do princípio geral positivado no artigo 1.º/3 do Código Civil.
A supracitada estipulação da DC determina a continuidade na RAEM de todos os direitos consignados nas «leis previamente vigentes em Macau». Entre estas leis avultavam o Estatuto Orgânico de Macau (EOM) e, pelo menos na parte com este compatível, a Constituição da República Portuguesa (CRP). Ora, precisamente a CRP contém, e continha na sua versão vigente em Macau antes da Reunificação, uma disposição com o seguinte teor, no seu artigo 53.º:
«É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos».
Esta norma, tal como as demais atinentes a direitos, liberdades e garantias, eram expressamente mandadas observar em Macau pelo artigo 2.º do EOM.
Considero, por isso, que, embora nem o EOM nem a CRP continuem, enquanto tais, em vigor em Macau, o direito à segurança no emprego e a proibição do despedimento sem justa causa consagrados no artigo 53.º da CRP permanecem gravados na ordem jurídica de Macau, por virtude do disposto no ponto V do Anexo I da DC, que interpreto como uma norma de recepção material e, em grande parte, auto-exequível (esta interpretação, ressalvo, está longe de ser consensual na doutrina). E esta norma da DC sobreleva, pelas razões já aduzidas, o disposto no artigo 70.º da Lei n.º 7/2008.
Esta constatação reconduz-me à conclusão de que o despedimento sem justa causa é em Macau um acto ilícito e nulo, com todas as implicações já anteriormente assinaladas (supra, 2.2., b) e c)).
3. O estatuto dos estabelecimentos públicos de ensino superior e do seu pessoal
3.1. Considerações gerais
O caso Bill Chou justifica que se tragam ainda à colação certas questões que, embora ao longo dos últimos anos tenham sido objecto de conversas porventura até bastante acaloradas dentro de alguns círculos do poder, têm estado praticamente ausentes do debate público. Essas questões enquadram-se no tema do estatuto dos estabelecimentos públicos de ensino superior e giram em torno do princípio que tem crescentemente enformado esse estatuto: a chamada autonomia universitária. Relevante neste quadro é também o estatuto dos próprios trabalhadores daqueles estabelecimentos.
Destaco, assim, como particularmente merecedoras de discussão pública as seguintes matérias:
– a autonomia dos estabelecimentos e os poderes de tutela do Governo sobre eles;
– a organização interna dos estabelecimentos e, em particular, a composição dos seus órgãos de gestão e o modo de designação dos respectivos titulares;
– o estatuto do pessoal.
Qualquer destes assuntos se desdobra em múltiplas questões e justificaria muitas páginas de análise e reflexão, mas vou apenas chamar a atenção para alguns pormenores e formular umas quantas interrogações.
3.2. Autonomia dos estabelecimentos e poderes de tutela do Governo
3.2.1. Natureza da autonomia universitária
Perante os actos de repressão praticados nas instalações da Universidade de Macau (UM) contra uma estudante dessa instituição e um repórter da Macau Concealers no momento em que decorria a cerimónia de graduação do ano lectivo 2013/2014 – actos qualificáveis de crime de coacção, nos termos do artigo 148.º/1 do Código Penal –, o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (SASC) escusou-se a tecer quaisquer comentários, alegando a autonomia da UM. A mesma resposta obtiveram os jornalistas relativamente à suspensão de Bill Chou e ao processo disciplinar em curso contra outros docentes da UM, que precisamente haviam motivado o protesto pacífico e silencioso da estudante. E do Reitor da UM ouviram, a respeito desta segunda questão, uma declaração com o seguinte teor: «Nós estabelecemos as regras que o nosso pessoal deve seguir e, quando ele as viola, nós processamo-lo». Mais uma vez, a afirmação da autonomia!…
A autonomia universitária, quer em Macau, quer em outros países e territórios, tem constituído muitas vezes um tema sobre o qual todos parecem estar de acordo. Ela tem sido tratada como se fosse um direito fundamental ou, pelo menos, uma garantia institucional para o melhor exercício de certos direitos fundamentais. Qualquer marcha atrás na crescente autonomização dos estabelecimentos públicos levaria decerto os main streams da direita e da esquerda (um grande e alargado bloco central) a agitar o fantasma da sua governamentalização e politização e a denunciá-la como um ataque à própria liberdade académica. O tema não deve, porém, constituir tabu, tanto mais que a autonomia universitária contém várias parcelas constituídas por uma multiplicidade de ingredientes, muitos dos quais inteiramente alheios à liberdade académica.
Antes de mais, qual a natureza jurídica da autonomia universitária?
Encará-la como um direito fundamental parecer-me-ia, no mínimo, heterodoxo à luz do entendimento liberal dos direitos do homem. Os direitos do homem foram concebidos, originariamente, como espaços de autonomia do indivíduo perante o Estado. Do Estado, o «alvo» dos direitos do homem estendeu-se ao poder em geral, incluindo não só o poder político, mas também o poder religioso, o poder económico e outros, e daqui passou-se para a eficácia horizontal dos direitos do homem. Do indivíduo, o sujeito dos direitos do homem estendeu-se ao conjunto dos particulares, passando a incluir, portanto, as pessoas colectivas privadas. Já as pessoas colectivas públicas não são, segundo o entendimento liberal clássico, titulares de quaisquer direitos fundamentais.
Considerar a autonomia universitária uma garantia institucional imprescindível ao exercício da liberdade académica e de outros direitos fundamentais nos estabelecimentos públicos de ensino superior afigura-se-me outrossim um equívoco. Pode suceder que algumas vertentes da autonomia universitária, alguns subprincípios ou normas em que ela se consubstancia, sejam realmente imprescindíveis ou extremamente convenientes para assegurar tais direitos, mas não a autonomia universitária em bloco. Os acontecimentos recentes na UM parecem, aliás, demonstrar esta falta de correlação positiva: nunca a UM, desde que se tornou uma universidade pública, gozou de tanta autonomia no plano jurídico, e nunca a liberdade de expressão e a liberdade académica foram ali tão espezinhadas. Creio que a autonomia universitária, pelo menos quando não conjugada com a eleição democrática dos órgãos dirigentes das instituições, redunda em benefício para a elite burocrático-doutoral que delas se assenhoreia, mas em prejuízo para a «arraia-miúda» do pessoal docente e para o pessoal discente, bem como para a sociedade em geral.
Do meu ponto de vista, a autonomia universitária é simplesmente um princípio organizatório da Administração Pública. Este princípio, que vem aliás mencionado na LB (artigo 122.º, 1.º parágrafo, 2.ª parte), pode ser concretizado de diversas maneiras ao nível da legislação ordinária. O referido preceito da LB alude aos seus principais subprincípios: autonomia administrativa, autonomia científica e autonomia pedagógica. A margem de discricionariedade política do legislador ordinário na densificação deste princípio encontra-se certamente balizada por outros princípios e normas constitucionais (por exemplo, o princípio da continuidade, genericamente consagrado no artigo 5.º), o que o impediria sem dúvida de comprimir a autonomia universitária a algo de insignificante; mas tal não significa que toda e qualquer redução da autonomia universitária possa ser juridicamente atacada como se representasse uma restrição a um direito, liberdade ou garantia ou um retrocesso no grau de concretização de um direito económico, social ou cultural. Por seu turno, a ampliação desmedida da autonomia universitária conduz à transformação dos estabelecimentos públicos de ensino superior em corporações autocentradas que competem entre si no «mercado» do ensino, quando deveriam constituir serviços públicos integrados num sistema de ensino que cooperassem e se coordenassem entre si em prol da educação.
3.2.2. Concretizações da autonomia universitária: alguns exemplos respeitantes à Universidade de Macau
Os principais diplomas que densificam o princípio da autonomia universitária relativamente à UM são a Lei n.º 1/2006, intitulada «Regime Jurídico da Universidade de Macau», e a Ordem Executiva n.º 14/2006, que aprova, em anexo, os Estatutos da Universidade de Macau.
O artigo 6.º/1 da Lei n.º 1/2006, por exemplo, afirma que a UM «pode elaborar regulamentos internos para regular a sua gestão e funcionamento». Ecoando esta ideia, o artigo 8.º/1 da mesma lei diz que a UM se rege «pela presente lei, pelos seus Estatutos e regulamentos internos». Este poder regulamentar interno tem, na verdade, um âmbito vastíssimo: a vaga referência a «gestão e funcionamento» já o deixaria adivinhar, e algum conhecimento empírico da vida interna dos estabelecimentos de ensino superior público em Macau permitirá a qualquer pessoa confirmar essa amplitude. Uma das muitas matérias que aqui cabe é a avaliação dos alunos: avaliação contínua, exames escritos e orais, exames de primeira chamada e de segunda chamada, retenções, prescrições, precedências… Outra é a ordenação temporal das aulas e exames: início, duração e fim dos períodos semestrais de aulas, intervalos entre períodos de aulas e períodos de exames, intervalos entre exames… Todas estas questões, cuja importância os professores e principalmente os alunos sentem na pele, e que na verdade têm um impacto significativo sobre a sua formação académica, são deixadas ao prudente (?) arbítrio da elite dirigente da Universidade, como aliás já sucedia na UM sob a vigência da lei anterior e acontece também nos restantes estabelecimentos de ensino superior. Não seria melhor regulá-las numa lei geral, sob a égide do princípio da igualdade e do interesse público e a salvo de interesses corporativos e conjunturais e da competição mercantil entre instituições?
O artigo 7.º/1 da mesma lei vai ao ponto de inscrever na autonomia académica da UM a faculdade de «criar, organizar, alterar e extinguir cursos». O artigo 6.º, 2), dos Estatutos da UM reitera parte desta norma, afirmando que a UM goza de «autonomia na elaboração dos seus cursos (…) e dos planos de estudo». Trata-se de uma inovação em relação à legislação anterior e que ainda não foi estendida a outros estabelecimentos públicos de ensino superior, como o Instituto Politécnico de Macau. Tradicionalmente, a criação, organização, alteração e extinção de cursos, ainda que propostas pelas instituições de ensino, carecem de aprovação governamental, mediante despacho do SASC.
Imaginemos esta hipótese: a cúpula dirigente da UM, escudando-se numa estratégia de «racionalização da oferta» de cursos, resolvia extinguir os seus cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento em Direito, alegando a sua desnecessidade por semelhantes cursos já serem ministrados na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. Poderia fazê-lo? Pelo menos competência teria… Ou imaginemos que ela decidia manter o curso de licenciatura, mas substituir as disciplinas de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito do Trabalho por estágios em casinos, quartéis do Exército de Libertação Popular e em células do PCC. Poderia fazê-lo, mediante o necessário acordo prévio das entidades receptoras dos estagiários?
Imaginemos outra hipótese: o Governo julgava conveniente criar-se na UM um curso de licenciatura em Filosofia. O que poderia fazer para realizar esse desiderato? À luz da lei actual, apenas poderia sugeri-lo informalmente.
Deverá isto ser mesmo assim? Não farão estas escolhas parte integrante da definição, e não da mera execução, da política educativa?
O artigo 7.º/4 da Lei n.º 1/2006, concernente à autonomia financeira e patrimonial da UM, outorga-lhe o poder de «transferir verbas entre as diferentes rubricas e capítulos do orçamento atribuído pelo Governo, conforme critérios por si estabelecidos». Repare-se na extensão deste poder:
– a UM pode transferir verbas, não só entre as diferentes rubricas, mas também entre diferentes capítulos do orçamento;
– e, como se tal não bastasse, não está adstrita, nessa transferência, a critérios estabelecidos em lei ou sequer em diploma regulamentar do Governo, mas a critérios estabelecidos por si mesma (o pronome pessoal «si» utilizado na citada disposição refere-se à UM, e não ao Governo, não suscitando esta conexão grande dúvida na versão portuguesa e dúvida nenhuma na versão chinesa).
Mais uma interrogação: será isto razoável? Não exigiria o respeito pelo princípio da legalidade financeira que pelo menos os critérios que presidem às transferências estivessem definidos em lei?
3.2.3. Tutela administrativa do Governo
Relembremos a resposta do SASC às perguntas dos jornalistas sobre as recentes ocorrências na UM: essas questões são tratadas pela própria UM e o Governo respeita a sua autonomia.
Esta atitude de Pilatos traz a lume a fraqueza da tutela administrativa que o Governo exerce sobre os estabelecimentos públicos de ensino superior.
Relativamente à UM, os poderes de tutela são basicamente aqueles que vêm enumerados no artigo 2.º da Ordem Executiva n.º 14/2006. Recorde-se que esses poderes são legalmente atribuídos ao Chefe do Executivo (artigo 5.º da Lei n.º 1/2006), podendo ser exercidos pelo SASC em regime de delegação de poderes, mas conservando-os plenamente, todavia, o Chefe do Executivo, como delegante (artigo 41.º do Código do Procedimento Administrativo).
Lendo o mencionado artigo 2.º da Ordem Executiva n.º 14/2006, constatamos que o Chefe do Executivo e, mediante delegação, o SASC podem, por exemplo, «mandar proceder às inspecções julgadas necessárias» (alínea 6)). Eis uma competência que eles poderiam ter exercido nos casos atrás aludidos: a repressão no momento da cerimónia de graduação, a suspensão de Bill Chou e os processos disciplinares em curso contra outros docentes.
Trata-se, certamente, de uma competência importante. Mas, o que poderiam o SASC ou o Chefe do Executivo fazer a seguir, se tivessem detectado ilegalidades, irregularidades ou falhas de mérito nos actos praticados pelos órgãos e agentes da UM? Uma das medidas que aqueles deveriam poder tomar é a revogação dos actos jurídicos praticados pelos órgãos da UM, no quadro de uma tutela revogatória. Só que a lei, tanto quanto eu conheça, não confere poderes de tutela revogatória ao Chefe do Executivo, o que obriga os lesados a, uma vez esgotados os recursos internos dentro da própria UM, recorrer directamente para o tribunal, com todo o dispêndio de tempo e dinheiro que isso acarreta. Este mesmo recurso contencioso, além do mais, só poderá ser interposto com base em razão de legalidade, nunca de mérito.
O que o Chefe do Executivo ou o SASC podem fazer é exonerar os titulares de determinados órgãos da UM, nomeadamente quando responsáveis por males detectados nas referidas inspecções. Com efeito, o artigo 2.º da mesma ordem executiva inscreve no âmbito dos poderes de tutela a nomeação e exoneração dos titulares dos seguintes cargos: membros da Assembleia da Universidade (alínea 1)), membros do Conselho da Universidade (alínea 2)) e Reitor (alínea 3)).
3.3. Composição dos órgãos de gestão e modo de designação dos respectivos titulares
Os estabelecimentos públicos de ensino superior têm, cada um deles, vários órgãos de gestão, distribuídos por diversos escalões. Os da UM vêm previstos nos artigos 28.º e seguintes dos respectivos Estatutos.
Como é do conhecimento público e uma rápida consulta a esses e outros diplomas aplicáveis permite confirmar, os titulares dos órgãos de gestão da UM e demais instituições públicas de ensino superior não são eleitos democraticamente pelos seus trabalhadores docentes e não-docentes e alunos, mas designados por uma via predominantemente hierárquico-descendente, começando no Chefe do Executivo ou, mediante delegação sua, no SASC.
A combinação deste modo de gestão com o elevado grau de autonomia dos estabelecimentos leva a que a dita autonomia reverta fundamentalmente a favor de uma elite burocrático-doutoral e eventualmente de alguns nichos de estudantes privilegiados e não a favor da generalidade dos professores, alunos e trabalhadores não-docentes, da instrução pública e da sociedade no seu todo. Particularmente menosprezados têm sido, devo salientar, os interesses dos estudantes-trabalhadores.
Parece-me que, quanto maior a autonomia dos estabelecimentos, mais importante é a democratização da sua gestão. Mas, mesmo na eventualidade de a sua autonomia ser reduzida, nem por isso deixaria de fazer sentido – e de ser preferível, na minha opinião – a adopção de um modelo de gestão democrático.
Dirão alguns, provavelmente, que esse modelo não se coadunaria com a realidade de Macau, porque o próprio sistema político não é democrático. Poderia, de facto, parecer estranho termos um Reitor da UM eleito democraticamente sujeito à tutela de um Chefe do Executivo e de um SASC completamente desprovidos de legitimidade democrática. O mero número de eleitores do Reitor excederia largamente o número de membros da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo. Todavia, a ausência de uma forma de governo democrática em Macau não é um dado eterno e o processo de democratização na sociedade de Macau poderia começar precisamente – porque não? – nos estabelecimentos públicos de ensino superior.
A propósito do método de escolha do Reitor, ainda merece especial menção a questão do concurso internacional.
O Reitor da UM é nomeado pelo Chefe do Executivo, sob recomendação do Conselho da Universidade (artigos 2.º/2, 3), da Ordem Executiva n.º 14/2006 e 28.º/1 dos Estatutos da UM). Esta recomendação surge no termo de um processo de recrutamento conduzido pelo próprio Conselho da Universidade (artigo 28.º/1 dos Estatutos da UM).
Como foi público e bastante badalado na comunicação social, o recrutamento, não só do Reitor, mas também de directores de faculdades, nomeadamente da Faculdade de Direito, foi realizado mediante concurso internacional. O resultado desse concurso foi, quer no caso do Reitor, quer no do Director da Faculdade de Direito (neste último, por duas vezes), a escolha de professores altamente qualificados do ponto de vista académico, mas totalmente estranhos à sociedade de Macau. Vieram directamente do exterior para ocuparem aqui altos cargos dirigentes na Administração Pública, como sucedia antigamente com os funcionários civis e militares oriundos de Portugal – uma prática que, recorde-se, começou a ser gradualmente contrariada com a política baptizada de «localização de quadros», encetada após a assinatura da Declaração Conjunta Luso-Chinesa e fortemente acelerada em 1998 e 1999.
Além de se poder questionar o mérito daquela opção (concurso internacional) para a boa gestão da UM, é justificável questionar-se a sua legalidade. Vejamos o que preceitua o artigo 97.º da LB:
«Os funcionários e agentes públicos da Região Administrativa Especial de Macau devem ser residentes permanentes da Região, salvo os funcionários e agentes públicos previstos nos artigos 98.º e 99.º desta Lei, certos técnicos especializados e funcionários e agentes públicos de categorias inferiores contratados pela Região Administrativa Especial de Macau».
Segundo este artigo, os «funcionários e agentes públicos» da RAEM devem, em regra, ser residentes permanentes. Esta exigência é, porém, excluída para os «técnicos especializados», entre os quais podemos perfeitamente incluir os trabalhadores que venham desempenhar funções docentes ou de investigação, e «funcionários e agentes públicos de categorias inferiores», além das pessoas referidas nos artigos 98.º e 99.º da LB. O pessoal de direcção e chefia fica claramente submetido à regra geral.
Em termos rigorosos, ou, mais exactamente, na terminologia do direito administrativo português recebida em Macau, a expressão «funcionários e agentes públicos» não inclui os trabalhadores dos serviços públicos recrutados mediante instrumento de direito privado, designadamente contrato individual de trabalho. Daí concluírem algumas pessoas que os serviços da Administração Pública podem recrutar, mediante contrato individual de trabalho, trabalhadores para quaisquer funções não legalmente reservadas a funcionários, incluindo funções dirigentes em estabelecimentos públicos de ensino superior; eles já não estariam, portanto, limitados às excepções previstas no artigo acima transcrito. E então, convenientemente, o Reitor da UM e o Director da sua Faculdade de Direito foram recrutados mediante contrato individual de trabalho.
A interpretação acabada de expor pode ser contestada com base em vários argumentos.
Em primeiro lugar, não há garantia de que nesta disposição a expressão «funcionários e agentes públicos» esteja a ser empregue segundo o sentido que ela possui no direito administrativo de Macau. Assinale-se, a propósito, que a expressão utilizada na versão chinesa do mesmo artigo significa literalmente «pessoal da função pública». Sucede amiúde que termos e expressões usados na lei constitucional o sejam com um sentido mais amplo ou menos preciso que na lei ordinária. No caso da LB, acrescem imprecisões na tradução portuguesa do texto originariamente redigido em língua chinesa. A própria LB contém vários exemplos de inexactidões terminológicas. Mesmo o artigo supratranscrito, ao dizer, na sua versão portuguesa, «funcionários e agentes públicos (…) contratados pela Região», está a reportar a palavra «contratados», quer aos «agentes públicos», o que está correcto, quer aos «funcionários (…) públicos», o que estaria incorrecto, se esta última expressão estivesse ali utilizada no seu sentido jurídico-administrativo.
Em segundo lugar, quando a LB foi elaborada, entre 1988 e 1993, as formas predominantes de recrutamento de trabalhadores para a Administração Pública de Macau (à semelhança, aliás, do que acontecia em Portugal) ainda eram a nomeação e o contrato além do quadro, o que conferia à maior parte dos seus trabalhadores o estatuto de funcionário ou agente. Poder-se-ia compreender, a essa luz, que os redactores da LB tivessem utilizado a expressão «pessoal da função pública» e os tradutores, a expressão «funcionários e agentes públicos», com a intenção de abarcarem a generalidade (nem digo a totalidade, mas pelo menos a grande maioria) dos trabalhadores da Administração Pública.
Em terceiro lugar, é preciso levar em conta os elementos histórico e teleológico de interpretação. O artigo 97.º da LB reflecte o objectivo de «localizar» a Administração Pública de Macau, dotando-a de um corpo de pessoal predominantemente composto de residentes permanentes e de uma camada dirigente exclusivamente composta de residentes permanentes, tudo isto em nome do princípio «Macau governado pelas suas gentes». Essa política já tinha sido anunciada e já estava a dar os seus primeiros passos antes mesmo de a LB ser aprovada. Permitir a serviços públicos que recrutem pessoal de direcção ou chefia mediante contrato individual de trabalho para depois se alegar que, não sendo os indivíduos assim recrutados funcionários nem agentes públicos, não precisam de ser residentes permanentes, é obviamente uma maneira de defraudar o disposto no artigo 97.º da LB e de contrariar a política de localização da Administração Pública a que ele dá expressão normativa.
3.4. Estatuto do pessoal
Os trabalhadores dos estabelecimentos públicos de ensino superior, quer docentes, quer não-docentes, estão sujeitos a um regime de direito laboral privado, e não a um regime de direito administrativo como é tradicional na Administração Pública. Relativamente à UM, di-lo o artigo 11.º/1 da Lei n.º 1/2006, secundado pelo artigo 44.º dos respectivos Estatutos.
Os próprios estabelecimentos podem, contudo, completar ou mesmo derrogar – com respeito, presumo, pelo princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador (favor laboratoris) – a lei do trabalho, elaborando estatutos privativos para o seu pessoal, os quais serão aprovados por despacho do Chefe do Executivo ou, mediante delegação deste, pelo SASC. Assim o preceitua, relativamente à UM, o artigo 11.º/2 da Lei n.º 1/2006.
Deploravelmente, o aludido princípio do favor laboratoris tem sido substituído pelo seu contrário em relação a pelo menos dois grupos de trabalhadores: os docentes a tempo parcial e os trabalhadores subcontratados. Os primeiros têm sido recrutados mediante contratos erroneamente qualificados pelos estabelecimentos de ensino como de prestação de serviço, com negação de todos os direitos legalmente dependentes de um contrato de trabalho. Os segundos são simultaneamente produtos e vítimas do outsourcing de uma gama de serviços que inclui, em particular, a limpeza, a segurança e o apoio informático. Como juridicamente são trabalhadores das empresas adjudicatárias desses serviços, e não das próprias instituições de ensino, estas desresponsabilizam-se pura e simplesmente das suas condições de trabalho.
Tudo isto justifica naturalmente algumas interrogações.
Por que razão há-de o pessoal de cada um dos estabelecimentos públicos de ensino superior estar sujeito a um estatuto privativo diferenciado em vez de beneficiar de um estatuto comum regulado em lei? Ou porque não há-de o pessoal não-docente ficar simplesmente sujeito ao Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) e legislação conexa e o pessoal docente reger-se por um estatuto da carreira docente, de direito administrativo, aplicável a todo o ensino público (ou, então, por um estatuto dos docentes do ensino superior público)? Mesmo nesses diplomas gerais poderiam ser estabelecidas algumas normas especiais, que se justificassem, para o pessoal docente ou não-docente das instituições de uma ou outra espécie (por exemplo, quando se entendesse que determinada estatuição se deveria aplicar aos professores do ensino universitário, mas não aos do ensino politécnico, ou vice-versa).
Porque não hão-de os trabalhadores, docentes e não-docentes, do ensino superior público ter direito de ingressar em quadros de pessoal com as garantias de estabilidade no emprego e progressão na carreira próprias dos funcionários públicos? Afinal, eles também satisfazem necessidades permanentes dos serviços… Em tal cenário, Bill Chou e os seus colegas da UM estariam muito mais protegidos no seu emprego e, consequentemente, na sua liberdade de expressão.
Mesmo aplicando-se o direito laboral privado e mesmo existindo estatutos privativos para o pessoal de cada uma das instituições, porque hão-de ser estas a deter o poder exclusivo de iniciativa regulamentar, exercido através da elaboração dos estatutos, cabendo ao Chefe do Executivo (ou, mediante delegação sua, ao SASC) somente um poder de aprovação?
Finalmente, por que hão-de os estabelecimentos de ensino superior público praticar o outsourcing? Para pouparem dinheiro, eles que nunca chegam a gastar na totalidade as verbas anualmente recebidas do erário público? Para darem oportunidade de negócio a empresas quase esclavagistas? Ou consideram os seus dirigentes que os empregados da limpeza e da segurança não têm dignidade suficiente para serem admitidos como pessoal das instituições que dirigem?
E tudo isto veio a propósito dos casos Bill Chou e Eric Sautedé…
12/7/2014
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Posteriormente à publicação deste texto surgiram novas notícias sobre o despedimento de Eric Sautedé.
16/7/2014