Breve panorâmica sobre a situação em Macau
1. Introdução
Costumam classificar-se os direitos dos consumidores em quatro grandes categorias:
a) o direito à protecção da saúde e segurança;
b) o direito de ser formado e informado;
c) o direito de ser ouvido e representado; e,
d) o direito de ser ressarcido.
Todas estas categorias se encontram representadas na Lei de Defesa do Consumidor de Macau. Porém, sem pretender ser pessimista, a sua total eficácia prática dependerá ainda da publicação de legislação complementar.
Embora apenas a última categoria de direitos enunciada diga directamente respeito ao tema deste encontro, não se pode esquecer a importância de algumas outras, nomeadamente no campo do Direito a constituir, se atendermos a que tal Direito poderá influenciar ou moldar a situação do Consumidor face ao Direito e à Justiça.
Por exemplo o direito do consumidor de ser ouvido e representado, o qual chama à colação a problemática dos chamados interesses difusos e das relações entre os sujeitos e a Administração Pública, Administração esta que tenderá cada vez mais a ser uma Administração participada.
Segundo este entendimento, os titulares reconhecidos desses direitos difusos, comunidades ou associações representativas, por exemplo, tenderão a ser intervenientes no procedimento administrativo e a moldar ou influenciar, no bom sentido, a actividade administrativa e as decisões finais que os afectam.
No que a Macau diz respeito, tal orientação deverá ser consagrada num futuro Código de Processo Gracioso, actualmente designado segundo a terminologia mais recente, como Código de Procedimento Administrativo.
Igualmente no campo do direito privado se poderá reconhecer àqueles titulares dos interesses difusos, possibilidade de intervenção em processos de natureza cível que caibam no seu campo de actuação. Um bom exemplo é dado pelo Dec.-Lei n.º 446/85 que institui o regime das cláusulas contratuais gerais, quando reconhece legitimidade processual activa a certas entidades por exemplo, associações de defesa do consumidores no caso de acções inibitórias.
Refira-se, no entanto, que este diploma não se encontra em vigor em Macau.
2. Defesa do Consumidor – Diplomas Complementares
Antes de me referir concretamente aos aspectos de acesso ao Direito e à Justiça dos consumidores em Macau, isto é, a realização prática dos seus direitos, convirá apontar a existência de lacunas na própria legislação substantiva.
Assim, além da preocupação com a fácil, pronta e pouco onerosa realização prática dos direitos dos consumidores, parece avisado que exista também a preocupação com a regulamentação substantiva dos mesmos direitos.
Na verdade, inexiste legislação que complemente a Lei de Defesa do Consumidor, como por exemplo sobre cláusulas contratuais gerais e sobre o regime jurídico da responsabilidade do produtor e porque não também sobre métodos agressivos de venda, práticas comerciais restritivas da concorrência e indicação de preços de bens destinados à venda a retalho.
Creio que a adequada protecção do consumidor precisará, também de intervenção no sentido da criação de legislação apropriada.
3. Acesso à justiça
No que diz especificamente respeito ao acesso ao Direito e à Justiça, diga-se que quer o diploma relativo à defesa do consumidor de Macau – Lei 12/88/M – quer o diploma da República, a Lei 29/81 (que serviu, aliás, de modelo à legislação do Território), referem expressamente o direito a uma justiça acessível.
Esta acessibilidade é traduzida em ambos os casos, pela concessão do benefício da isenção de preparos a favor do consumidor, em processos de pequeno valor e relativo a indemnizações devidas por violação dos seus direitos.
Vai, porém, mais longe a legislação da República ao afirmar que o consumidor tem direito a uma justiça que além de acessível seja pronta, concretizando embora essa «prontidão» na mera proibição de apensação de processos, ao pressuposto de que tal possa retardar a decisão final.
A estas questões de celeridade processual – um problema que não afecta apenas o consumidor – voltarei mais tarde.
4. Informação
Na verdade, previamente ao ressarcimento dos seus danos pela via judicial – última via de resolução dos conflitos – o consumidor deve conhecer, deve ser informado dos seus direitos.
Ora, não está assegurado em termos institucionais, sem prejuízo de iniciativas pontuais um mecanismo específico de informação do consumidor, enquanto tal, do Direito que lhe possa assistir numa relação com o fornecedor de um bem ou serviço.
Existe, desde há alguns anos um Centro de Informação e Atendimento ao Público (CAIP) cujas funções estão ilustradas na denominação e junto do qual os cidadãos apresentam queixas relativas a problemas criados pelo funcionamento (ou não) de serviços públicos. Até recente data estava-lhe expressamente vedada a consulta jurídica tendo esta proibição sido levantada, o que permitiu ao CAIP – em conjunto com o GAL – instituir um «Gabinete de Consulta Jurídica».
Este mecanismo de informação jurídica – ainda que não especificamente virado para conflitos de consumo repete-se – terá suprido até ao momento a falta de uma informação específica, nomeadamente no que às populações chinesas, mais distantes da administração e dos tribunais, diz respeito.
5. Acesso aos Tribunais
Porém, a reconhecida debilidade da posição do consumidor face ao fornecedor do bem ou serviço no caso de um conflito impôs o estudo e consequente adopção em vários ordenamentos jurídicos de algumas providências que adiante se indicarão resumidamente.
Diga-se, a propósito, que vigora em Macau o Código de Processo Civil de 1961 não estando vigente uma Lei de Arbitragem autónoma. Existe, no entanto em fase de anteprojecto, um diploma sobre tal matéria, o qual admite a possibilidade de constituição de instituições especializadas de arbitragem, como seja o caso de conflitos de consumo.
Vigoram, portanto os princípios do processo civil, na sua pureza tradicional, os quais em certos aspectos não favorecem a defesa do direito do consumidor. Pensemos por exemplo no princípio do dispositivo, regras sobre prova, etc.
Para atenuar o citado «handicap» do consumidor são comumente apresentadas algumas soluções.
– Assim, relativamente a causas de pequeno valor, é defendida uma simplificação dos termos do processo, desvinculando o julgador do princípio do dispositivo, a simplificação e liberdade de apreciação da prova e o julgamento apenas submetido ao direito substantivo, isto é, numa palavra, desligado das restrições rígidas das leis do processo.
– Entende-se também ser conveniente atribuir legitimidade processual a entidades reconhecidas como defensoras dos direitos do consumidor, em acções que digam respeito ao respectivo interesse colectivo. Esta teses encontra-se consagrada normativamente v.g. em França, na Alemanha e, conforme se referiu, em Portugal.
– Criação de através de convénios entre associações de consumidores e de empresas de instâncias não judiciais de conciliação, cujo parecer ou decisão vincula ou, pelo menos, pressiona consideravelmente os intervenientes, nomeadamente as empresas.
– Recurso à arbitragem por acordo entre as partes, sempre precedida de prévia tentativa de conciliação, sendo a decisão vinculativa para as partes. Este serviço é prestado em centros privados e especializados de arbitragem de conflitos de consumo.
Estas duas últimas soluções serão, porventura, aquelas que possuirão maiores virtualidades futuras quer pelas experiências positivas que se têm realizado (e o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa é disso exemplo) quer porque se adaptará ao espírito chinês que, por tradição resolve os seus conflitos através de processos de mediação e composição extrajudicial de litígios.
Esta uma breve panorâmica do estado do acesso ao direito pelo consumidor em Macau.
Paulo Pereira Vidal. Jurista do Gabinete para os Assuntos Legislativos. Comunicação apresentada em seminário internacional que decorreu em Macau em 16 de Julho de 1991.
Texto publicado na edição de «O Direito» de Novembro de 1991