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Conciliação familiar

O Conselho Executivo após concluir a análise e discussão sobre a proposta de lei intitulada «Regime de conciliação para causas de família» submeteu-a à apreciação da Assembleia Legislativa que a admitiu no dia 13 de Setembro de 2024.

O Governo no cumprimento do plano legislativo do corrente ano e tendo em conta o movimento processual nos tribunais em determinadas matérias familiares, após a auscultação dos órgãos judiciais, do sector da advocacia, das associações sociais e das instituições de serviço social, considerou, de acordo com a Nota Justificativa, que «é conveniente resolver os litígios de famíla de uma forma mais harmoniosa», e que caberia «ao conciliador familiar intervir na conciliação antes de as partes instaurarem uma acção judicial ou apresentarem um requerimento junto do tribunal, procurando resolver os respectivos litígios antes da propositura da acção judicial, com vista a proporcionar às partes uma via mais harmoniosa para a resolução dos seus litígios».

Na proposta de lei apresentada foi delimitado o objecto e âmbito de aplicação da iniciativa legislativa, aplicando-se esta às seguintes acções judicias ou processos de jurisdição voluntária: divórcio litigioso, exercício do poder paternal, alimentos e afectação de casa de morada da família (cfr. artigo 1.º da proposta de lei).

Esta via de conciliação é necessária conforme estipula o n.º 1 do artigo 2.º, que passamos a transcrever:

– «As partes antes de instaurarem em tribunal qualquer uma das ações judiciais ou processos de jurisdição voluntária referidos no n.º 2  do artigo anterior, ou os respectivos incidentes, têm de requerer a conciliação ao Instituto de Acção Social, sob pena de o tribunal dever indeferir liminarmente a sua petição ou requerimento, salvo nos casos previstos no número seguinte e no n.º 2 do artigo 13.º».

A não colaboração ou a recusa de realização da conciliação tem as consequências previstas no artigo 14.º da proposta de lei, cabendo ao juiz apreciar e determinar, para o efeito, a proporção das custas que as partes devem pagar, tendo em conta as circunstâncias concretas, nomeadamente «não comparecer injustificadamente na conferência de conciliação, na ausência de mandatário ou procurador com poderes especiais» ou «recusar-se injustificadamente a realizar a conciliação» (cfr. alíneas 1) e 2) do artigo 14.º da proposta de lei).

A entidade competente responsável pela coordenação, concertação e execução da conciliação familiar é o Instituto de Acção Social (IAS), cujas competências estão consagradas no artigo 3.º da proposta de lei, conferindo-lhe esta ainda os poderes de interconexão de dados para obtenção de documentos e tratamento de dados pessoais dos interessados nos termos do disposto na Lei n.º 8/2005 (Lei da Protecção de Dados Pessoais), de acordo com o previsto no n.º 3 do artigo 4.º e artigo 20.º da proposta de lei.

O procedimento da conciliação familiar está plasmado nos artigos 4.º a 14.º da proposta de lei, cabendo aos conciliadores familiares, depois de designados pelo presidente do IAS, presidir à conferência de conciliação e adoptar os meios e os trâmites adequados ao procedimento de conciliação familiar (cfr. artigos 6.º e 15.º da proposta de lei), estabelecendo um regime de impedimentos, suspeições e restrições para garantir a isenção e imparcialidade no exercício das suas funções (cfr. artigos 16.º e 17.º da proposta de lei), bem como o dever de sigilo para todos os intervenientes no procedimento de conciliação familiar (cfr. artigo 19.º da proposta de lei).

A proposta de lei relativa ao regime de conciliação para certas causas de família representa uma grande alteração ao sistema jurídico da RAEM, visto que introduz um mecanismo de resolução alternativa de conflitos extra-judiciais em matérias familiares muito sensíveis e complexas, como por exemplo, as questões relacionadas com o divórcio litigioso, o exercício do poder paternal, os alimentos ou afectação da casa de morada de família, assuntos estes que passam a ser analisados e discutidos na Administração Pública em vez dos Tribunais.

O referido mecanismo é geralmente bem aceite na sociedade macaense, uma vez que permite a resolução de certos litígios fora dos tribunais, contudo pode representar uma restrição ao princípio da voluntariedade que tem fundamento na autonomia da vontade das partes e que é geralmente aceite na maioria dos ordenamentos jurídicos como uma condição indispensável à obtenção de um acordo entre as partes e que eventualmente poderá colocar em causa o principal objectivo desta iniciativa legislativa que é o de «resolver os litígios de família de uma forma mais harmoniosa».

A proposta de lei ao estabelecer no n.º 1 do artigo 2.º a obrigatoriedade de as partes terem de recorrer à conciliação familiar no IAS antes de instaurarem em tribunal qualquer uma das acções judiciais ou processos de jurisdição voluntária referidos no n.º 2 do artigo 1.º, pode eventualmente constituir uma limitação do direito ao acesso aos tribunais, o qual poderia ser mitigado, por exemplo, se o pedido pudesse ser apresentado no tribunal e este remetesse para o IAS para a conciliação familiar, o que também poderia contribuir para uma melhor harmonização legislativa com a tentativa de conciliação prevista para o divórcio nos artigos 1629.º e ss. do Código Civil.

Estas e outras questões certamente serão levantadas no âmbito da análise e discussão na especialidade após a aprovação na generalidade da proposta de lei relativa ao regime de conciliação para causas de família e acreditamos que serão encontradas as soluções adequadas que possam contribuir para a concretização desta iniciativa legislativa que representa sem dúvida mais um importante passo no caminho que ainda falta percorrer para cada vez mais se permita a resolução de conflitos extra-judicialmente no sentido de simplificar e facilitar o acesso da comunidade a uma Justiça mais célere e economicamente vantajosa.

 14 de Outubro de 2024

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