Direito de manifestação

Acórdão do TUI: Direito de Reunião e Manifestação

Matéria: Outros

Espécie: Recurso Relativo ao Direito de Reunião e Manifestação

Número: 16/2010

Data do Acórdão: 2010/4/29

Assunto: – Natureza do recurso

– Restrição espacial do direito de reunião ou manifestação

Sumário: O recurso previsto no art.º 12.º da Lei n.º 2/93/M é de plena jurisdição.

O exercício dos direitos de reunião ou manifestação apenas pode ser restringido, limitado ou condicionado nos casos previstos na lei.

Só não deve ser permitida a ocupação de lugares públicos para a realização de reuniões ou manifestações quando, por exemplo, pela própria natureza dos lugares não é possível essa realização, ou existe grave perigo para a segurança de pessoas ou outros interesses públicos mais relevantes do que o exercício do direito de reunião ou manifestação.

A Lei n.º 2/93/M não estabelece a falta de espaço suficiente para várias manifestações simultâneas como razão de restrição espacial ao exercício das respectivos direitos.

Perante a acumulação de pessoas, a lei admite a imposição de restrições às manifestações por parte dos órgãos da Polícia de Segurança Pública, com fundamento no bom ordenamento do trânsito de pessoas e bens nas vias públicas ou em razões de segurança pública quanto ao respeito de distância mínima de determinadas instalações

Nesta medida, os órgãos policiais têm poderes para organizar espacialmente várias actividades de reunião ou manifestação previstas para o mesmo local, até para interromper a sua realização quando as mesmas se afastem da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei ou que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas.

A lista de lugares públicos e abertos aos públicos pertencentes à Administração e a outras pessoas colectivas de direito público que possam ser utilizados para reuniões ou manifestações, a que se refere o art.º 16.º da Lei n.º 2/93/M e o aviso do Leal Senado publicado no Boletim Oficial de Macau, II série, de 17 de Novembro de 1993 têm carácter meramente indicativo.

Resultado: Julgar procedente o recurso, anular o acto praticado pelo recorrido cujo conteúdo consta do ofício do IACM de n.º 1602/NOEP/GJN/10 de 22 de Abril de 2010 e determinar que não há restrição espacial para a reunião e manifestação promovidas pelo recorrente por existência de outras reuniões ou manifestações no mesmo local.

Votação: Dr. Chu Kin

Relator: Dr. Viriato Lima

Juízes adjuntos: Dr. Sam Hou Fai

Acórdão do Tribunal de Última Instância da Região Administrativa Especial de Macau

Recurso relativo ao direito de reunião e manifestação N.º 16 / 2010

Recorrente: Ng Sek Io (representante da Federação das Associações dos Trabalhadores de Jogos de Fortuna e de Construção Civil pela Liberdade de Macau)

Recorrido: Presidente do Conselho de Administração do IACM

1. Relatório

Ng Sek Io, em representação da Federação das Associações dos Trabalhadores de Jogos de Fortuna e de Construção Civil pela Liberdade de Macau, vem interpor recurso perante o Tribunal de Última Instância, nos termos do art.º 12.º da Lei n.º 2/93/M, da decisão do Presidente do Conselho de Administração do IACM que lhe facultou um lugar diferente do constante do aviso prévio como ponto de partida de manifestação, pedindo a sua anulação.

Os principais fundamentos do recurso são:

– Federação das Associações dos Trabalhadores de Jogos de Fortuna e de Construção Civil pela Liberdade de Macau e Associação da Voz dos Trabalhadores de Macau avisaram previamente o IACM de que se realizará reunião seguida de manifestação em desfile no Jardim Triangular da Areia Preta no dia 1 de Maio;

– Considera ilegal a decisão do IACM que, com fundamento em que o Jardim Triangular já foi confiado a outros residentes para realizar actividades de reunião e manifestação, determinou ao recorrente a alteração do lugar de concentração para manifestação para a porta principal do Parque Municipal do Dr. Sun Iat Sen;

– O Parque Municipal do Dr. Sun Iat Sen não é lugar conveniente para concentração por se situar em zona periférica;

– Não há lei que restringe a realização simultânea de diversas actividades no mesmo lugar;

– Na prescrição da Lei n.º 2/93/M, o IACM é apenas uma entidade que recebe aviso prévio, sem poder de autorização de reunião e manifestação, podendo apenas impor restrições a reunião e manifestação ao abrigo dos art.ºs 6.º e 7.º da referida Lei.

O Presidente do Conselho de Administração do IACM, na sua resposta, alega essencialmente o seguinte:

– o Jardim Triangular da Areia Preta vem sendo um dos lugares mais utilizados para concentrações e manifestações. Especialmente quando em dias de significados específicos (tal como dia primeiro de Maio e dia primeiro de Outubro), mais associações e particulares preferem utilizar esse mesmo local no mesmo horário, o que, é obvio, pode gerar confusões;

– Face a restrições de espaço e de horário, sempre consideramos que a realização de concentrações e manifestações organizadas por mais associações no mesmo local e no mesmo horário pode causar transtornos e dificultar o controlo da ordem. Assim, o IACM, avaliando as circunstâncias concretas e caso a caso e levando em consideração os interesses de todos os sectores interessados, decide a programação de uso do respectivo local, segundo o critério de razoabilidade (tal como a ordem de utilização do local na data marcada) e o princípio de realização de concentração por mais associações e mais particulares;

– É certo que não pode ser ilimitada a utilização do local. Pois, se o IACM considerar, segundo as situações concretas, que o local não tem a capacidade para as actividades a ser realizadas no mesmo horário e no mesmo local, tomará decisão nos termos da lei sobre o uso do local, a fim de garantir, por um lado, a realização bem sucedida de concentração ou manifestação e por outro lado, garantir os direitos e interesses de outros cidadãos, bem como para minimizar os incómodos decorrentes da realização de tais eventos à população;

– Só em Primeiro de Maio próximo, são já mais de 6 organizações populares que vão usar Jardim Triangular da Areia Preta para concentrações e manifestação, sem incluir ainda associações representadas pelo recorrente, enquanto os horários para essas actividades, todos estão marcados entre 11H30 e 15H30. Devido ao facto de que o horário marcado pelo recorrente para a utilização do local é entre 11H00 e 15H00, consideramos que a capacidade do local não será suficiente;

– Se forem realizadas, apenas no Jardim Triangular da Areia Preta, concentrações e manifestações organizadas por oito associações populares no mesmo dia, a PSP enfrentará grande pressão na manutenção da ordem pública face a tais situações;

– Perante tudo isso, depois de ter avaliado sobre os dez lugares previstos para a realização de concentrações e manifestações, o IACM escolheu o Jardim Municipal Dr. Sun Yat Sen como o local adequado para a concentração e manifestação organizadas pelo recorrente.

Considera, afinal, que se deve julgar improcedente o recurso.

Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.

2. Fundamentos

2.1 Matéria de facto

De acordo com os documentos juntos nos autos, são considerados provados os seguintes factos:

– Federação das Associações dos Trabalhadores de Jogos de Fortuna e de Construção Civil pela Liberdade de Macau e Associação da Voz dos Trabalhadores de Macau avisaram previamente o IACM no dia 20 de Abril de 2010 de que se realizará reunião no dia 1 de Maio, às 11:00 e começará a manifestação das 14:00 a 15:00;

– No dia 22 seguinte, o Presidente do Conselho de Administração do IACM, por meio do ofício de n.º 1602/NOEP/GJN/10, comunicou ao recorrente a seguinte matéria:

“1. Em virtude da realização no dia primeiro de Maio de outra concentração e marcha programada por outra organização popular no espaço público, nomeadamente no Jardim Triangular da Areia Preta, assim para disponibilizar a participação de populares nessa actividade por vocês organizada, e conforme o disposto no art. 7º da Lei n.º 2/93/M, seria disponível, como alternativa, como local à vossa Federação (local de partida da marcha), o espaço público em frente ao portão do Jardim Municipal Dr. Sun Yat Sen, em primeiro de Maio (das 12H30 às 14H00) para que seja realizada a actividade por V. Exa. pretendida e supra referida nos termos da respectiva lei e sem prejuízo da aplicação do art. 3º da mesma norma, observando ainda a decisão tomada pelo presente Instituto nos termos da lei e satisfazendo os direitos fundamentais de outros.

2. Para que obtenha um equilíbrio adequado entre a bem sucedida realização da marcha e a garantia dos direitos fundamentais de outros cidadãos, acreditamos que a V. Exa. pode compreender e entender e, em consequência, obedecer a decisão proferida pelo presente Instituto nos termos da lei.

3. Por fim, o Instituto entregará à PSP o presente ofício junto com a comunicação prévia.”

– No dia 26 corrente, o recorrente apresentou ao Tribunal de Última Instância recurso desta decisão;

– No dia 27 corrente, o Presidente do Conselho de Administração do IACM comunicou, por meio de vários ofícios, a Federação das Forças Operárias Man Sang de Macau, Associação dos Conterrâneos de Ng Iap, Federação da Indústria de Reforma e Decoração de Macau e Sindicato da Indústria de Construção com Vagalhões de Aço de Macau de que só é possível facultar o lugar público do Jardim Triangular da Areia Preta para a partida de manifestações, das 11:30 a 13:00 do dia 1 de Maio, devido ao facto de no mesmo dia o Jardim do Mercado de Iao Hon já ter sido confiado a outros residentes para realizar as actividades de “Festa Popular para Comemorar o Dia Um de Maio”.

2.2 Natureza do recurso

Sobre o presente recurso dispõe o art.º 12.º da Lei n.º 2/93/M:

“Artigo 12.º

(Recurso)

1. Das decisões das autoridades que não permitam ou restrinjam a realização de reunião ou manifestação, cabe recurso para o Tribunal de Última Instância, a interpor por qualquer dos promotores no prazo de 8 dias contados da data do conhecimento da decisão impugnada.

2. O recurso é interposto directamente, minutado sem dependência de artigos, processado com dispensa de pagamento prévio de preparos e com indicação de todas as diligências de prova.

3. A autoridade recorrida é citada para responder, querendo, no prazo de 48 horas, sem dependência de artigos, sendo a decisão proferida nos 5 dias imediatos.

4. Não é obrigatória a constituição de mandatário judicial.”

Trata-se de recurso que visa impugnar as decisões administrativas que afectam o exercício do direito de reunião ou manifestação com a tramitação bastante célere, pois os prazos processuais são relativamente curtos, tendo por objectivo restaurar o mais rápido possível a legalidade do exercício de um direito fundamental.

Dado que é muito curto o prazo fixado para entregar o aviso prévio previsto no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 2/93/M (dois a quinze dias úteis), a repetição do acto administrativo no caso da sentença de anulação da decisão administrativa torna-se quase impossível devido a essa proximidade entre a entrega do aviso prévio e consequentemente a decisão restritiva da Administração e a data prevista para a realização de reunião ou manifestação. Assim, a mera anulação será inútil para o interessado se fosse necessário esperar nova decisão da Administração a proferir já depois da data prevista para o evento.

À semelhança do contencioso eleitoral a que é consagrada a natureza de plena jurisdição por força do art.º 94.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o recurso previsto no art.º 12.º da Lei n.º 2/93/M também é de plena jurisdição pela mesma razão de celeridade. Ou seja, o Tribunal de Última Instância, competente para apreciar o recurso, não se limita a apreciar a validade do acto administrativo impugnado, mas proferirá decisão sobre a pretensão material do interessado no caso de anulação do acto.

2.3 Restrições ao direito de reunião e manifestação imposta pelo Presidente do Conselho de Administração do IACM

A decisão do Presidente do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) ora impugnada comporta duas partes. A primeira consiste em negar a utilização do Jardim Triangular da Areia Preta pelo recorrente como lugar de reunião e de partida de manifestação e a segunda em facultar, como alternativo, a porta principal do Parque Municipal Dr. Sun Iat Sen para servir de lugar de partida de manifestação. São destas duas partes que vamos apreciar a sua validade.

O direito de reunião, de desfile e de manifestação é direito fundamental dos residentes da Região Administrativa Especial de Macau consagrado no art.º 27.º da Lei Básica da RAEM e regulado pela Lei n.° 2/93/M.

Ainda segundo o art.º 40.º, n.º 2 da Lei Básica da RAEM, “os direitos e as liberdades de que gozam os residentes de Macau, não podem ser restringidos excepto nos casos previstos na lei.”

O art.º 1.º da Lei n.º 2/93/M reitera os mesmos princípios:

“Artigo 1.º

(Princípios gerais)

1. Todos os residentes de Macau têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, em lugares públicos, abertos ao público ou particulares, sem necessidade de qualquer autorização.

2. Os residentes de Macau gozam do direito de manifestação.

3. O exercício dos direitos de reunião ou manifestação apenas pode ser restringido, limitado ou condicionado nos casos previstos na lei.”

Segundo as normas desta Lei, os promotores de reunião ou manifestação deve cumprir a formalidade de entregar aviso prévio nos termos do seu art.º 5.º:

“Artigo 5.º

(Aviso prévio)

1. As pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões ou manifestações com utilização da via pública, de lugares públicos ou abertos ao público devem avisar, por escrito, o presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, com a antecedência mínima de 3 dias úteis e a máxima de 15.

2. Quando as reuniões ou manifestações tenham carácter político ou laboral a antecedência mínima prevista no número anterior é reduzida para dois dias úteis.

3. O aviso deve indicar o objecto ou fim da reunião ou manifestação pretendida e o dia, hora, local ou trajecto previstos para a sua realização.

4. O aviso deve ser assinado por três dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de associações, pelas respectivas direcções.

5. A entidade que receber o aviso deve passar recibo comprovativo desse facto.”

Perante a comunicação prévia da realização de reunião ou manifestação, o Presidente do Conselho de Administração do IACM tem os seguintes poderes:

– Não permissão de reunião ou manifestação para fins contrários às leis (art.ºs 6.º e 2.º da Lei n.º 2/93/M), tal como se for intenção a realização de contramanifestação que possa perturbar o livre exercício dos direitos de participantes em manifestação (art.º 10.º da mesma Lei);

– Imposição de restrições espaciais e temporais às reuniões e manifestações, nos termos dos art.º 3.º e 4.º da mesma Lei (art.º 7.º desta Lei).

No presente caso, não está em causa qualquer restrição temporal prevista no referido art.º 4.º.

Quanto a restrições espaciais, o art.º 3.º da referida Lei dispõe assim:

“Artigo 3.º

(Restrições espaciais)

Não é permitida a realização de reuniões ou manifestações com ocupação ilegal de lugares públicos, abertos ao público ou particulares.”

Pois, em princípio, todos os residentes da RAEM tem o direito de reunir e manifestar, pacificamente e sem arma, em lugares públicos. Só não deve ser permitida a ocupação de lugares públicos para a realização de reuniões ou manifestações quando, por exemplo, pela própria natureza dos lugares não é possível essa realização, ou existe grave perigo para a segurança de pessoas ou outros interesses públicos mais relevantes do que o exercício do direito de reunião ou manifestação.

A ocupação do Jardim Triangular da Areia Preta para reunião ou manifestação não é, em princípio, ilegal, até aquele espaço é um dos lugares públicos utilizáveis para esse fim segundo a lista publicada em nome do art.º 16.º da Lei n.º 2/93/M.

A entidade recorrida fundamentou a primeira parte da decisão impugnada no facto de o lugar público do Jardim Triangular da Areia Preta já ter sido confiado a outros residentes para realizar actividades de reuniões e manifestações.

Mas a Lei n.º 2/93/M não estabelece a falta de espaço suficiente para várias manifestações simultâneas como razão de restrição espacial ao exercício das respectivos direitos.

Assim, a entidade recorrida não pode negar ao recorrente a possibilidade de realizar reunião e manifestação no Jardim Triangular da Areia Preta simplesmente por haver outras reuniões e manifestações já programadas para o mesmo lugar.

Na realidade, é princípio geral do Direito Administrativo que os órgãos administrativos só dispõem dos poderes previstos na lei (art.º 31.º do Código de Procedimento Administrativo). A lei não confere competências aos órgãos do IACM no sentido de não permitir manifestações ou impor restrições a manifestações com fundamento na existência de outras manifestações ou outras actividades para o local pretendido. Por isso, a entidade recorrida não pode decidir com o poder não consagrado na lei.

Por outro lado, perante a acumulação de pessoas, a lei admite a imposição de restrições às manifestações por parte dos órgãos da Polícia de Segurança Pública, com fundamento no bom ordenamento do trânsito de pessoas e bens nas vias públicas ou em razões de segurança pública quanto ao respeito de distância mínima de determinadas instalações (art.º 8.º da Lei n.º 2/93/M).

Nesta medida, os órgãos policiais têm poderes para organizar espacialmente várias actividades de reunião ou manifestação previstas para o mesmo local, até para interromper a sua realização quando as mesmas se afastem da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei ou que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas (art.º 11.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 2/93/M).

Em relação à segunda parte da decisão impugnada, a entidade recorrida também não pode impor ao recorrente o Parque Municipal Dr. Sun Iat Sen como lugar de partida de manifestação. O parque não deverá ser o único lugar público ainda disponível para reunião e manifestação no próximo dia 1 de Maio. A escolha do lugar deve caber ao promotor da actividade, sem prejuízo de cumprir as formalidades de aviso prévio e dos poderes do Presidente do Conselho de Administração do IACM e do Comandante da PSP previstos na Lei n.° 2/93/M.

É de notar que a lista de lugares públicos e abertos aos públicos pertencentes à Administração e a outras pessoas colectivas de direito público que possam ser utilizados para reuniões ou manifestações, a que se refere o art.º 16.º da Lei n.º 2/93/M e o aviso do Leal Senado publicado no Boletim Oficial de Macau, II série, de 17 de Novembro de 1993, tem de se considerar meramente indicativa e não taxativa, sob pena de insuportável restrição a um direito fundamental e por violação art.º 27.º da Lei Básica da RAEM.

Neste sentido, a opinião do então Secretário-Adjunto para a Justiça prestada na Assembleia Legislativa aquando da discussão da presente Lei n.º 2/93/M:

“Quanto à questão de restringir os lugares, creio que este n.º 2 não é taxativo no seguinte: não proíbe que outros sítios não possam ser utilizados. Aqui apenas se pretende dizer é que, desde logo, há espaços, há lugares abertos ao público, pertencentes à Administração e a outras pessoas colectivas de direito público, que podem ser utilizados para reuniões e manifestações. Ou seja, os residentes de Macau, ficam desde logo a saber que há vários espaços que previamente estão definidos como podendo ser potencialmente utilizados para determinadas manifestações.

É esse o verdadeiro alcance de n.º 2 do artigo 4.º, o de os cidadãos saberem, desde logo, que há espaços que estão reservados, e que podem ser pedidos para neles se realizarem actividades relacionadas com o direito de reunião e de manifestação.”1

E também é esclarecedora a posição da então Presidente da Assembleia Legislativa de Macau:

“No entender da Comissão, senhor deputado, os locais indicados pelas Câmaras, para o exercício desses direitos, ficam isentos de qualquer restrição quanto à distância. Portanto, a distância de 50, 30 ou 20 metros, que nós ainda não aprovámos no artigo 9.º, não se vai aplicar a esses locais.

Este é entendimento da Comissão. São lugares a serem indicados pelas Câmaras, para o exercício desses direitos, sem obedecer às distâncias prescritas no artigo 9.º.”2

Aliás, é notório que não têm sido impedidos desfiles que não se restringem aos lugares mencionados na referida lista.

Uma nota final:

Admite-se que a Lei n.º 2/93/M esteja desadequada nas suas omissões quanto ao exercício de direitos que possam conflituar entre si, como é o caso da intenção de realização de diferentes manifestações ou outras actividades para o mesmo local, questão que deve ser resolvida pela lei, designadamente fixando os princípios básicos a que deve obedecer tal utilização, em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar e atribuindo competência a determinados órgãos para o efeito.

Tal tarefa não cabe à Administração, na ausência de Lei.

3. Decisão

Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso, anular o acto praticado pelo recorrido cujo conteúdo consta do ofício do IACM de n.º 1602/NOEP/GJN/10 de 22 de Abril de 2010 e determinar que não há restrição espacial para a reunião e manifestação promovidas pelo recorrente por existência de outras reuniões ou manifestações no mesmo local.

Sem custas por a entidade recorrida estar legalmente isenta delas.

Comunique às partes e ao Comandante da PSP.

Aos 29 de Abril de 2010

Os juízes: Chu Kin

Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Sam Hou Fai

in sítio do Tribunal de Última Instância

__________

1 Direito de Reunião e de Manifestação, Colectânea de Leis Regulamentadoras de Direitos Fundamentais, Edição da Assembleia Legislativa da RAEM, 2001, p. 184.

2 Ob. cit., p. 186

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