A Dr.ª Leonor Assunção, que leccionou as cadeiras de Direito Criminal e Direito e Processo Criminal entre 1991 e 1997 na Faculdade de Direito de Macau, proferiu uma aula aberta aos alunos dos 3.º, 4.º e 5º ano da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, a convite dos docentes Dr.º Nuno Pereira e Dr.ª Carmen que leccionam, respectivamente, as cadeiras de Direito e Processo Criminal e Direito Criminal.
O tema da aula aberta foi: “Crimes internacionais da competência do Tribunal Penal Internacional Permanente, em particular, os crimes contra a humanidade”. Matéria relacionada com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, em cujas negociações participou a Dr.ª Leonor Assunção, na qualidade de delegada da representação do Estado português.
As ideias seguintes resultam das considerações transmitidas pela Professora. Naturalmente que as imprecisões e as omissões só nos podem ser imputadas.
Iniciou a apresentação do referido tema, com uma aproximação ao conceito de crime internacional, definindo-o como:
– “Conduta gravemente ofensiva de bens jurídico-penais internacionais cuja integridade é consensualmente reconhecida como indispensável à criação de condições essenciais de coexistência comunitária e que, por isso, carecem de protecção internacional”.
De seguida defendeu que a vocação do Direito Internacional Penal é, tal como para o Direito Penal Nacional, a tutela subsidiária de bens jurídicos e que o Direito Internacional Penal como instância subsidiária de protecção de bens jurídico-penais, ou seja, valores que a comunidade internacional como uma comunidade de Estados, mas sobretudo como uma comunidade de homens, confere dignidade penal.
Subsidiariedade essa, que deve ser perspectivada em dois planos.
Num primeiro plano a tutela de bens jurídico-penais individuais como a vida, a integridade física, a liberdade, ou colectivos como a existência de um grupo ou a integridade da diversidade humana, em circunstâncias excepcionais que revelam carência de protecção internacional. O Direito Internacional Penal intervém quando a ofensa ou o ataque a esses valores é tão grave que resulta intolerável porque constitui uma séria ameaça à comunidade internacional, às condições mínimas da sua existência e do seu desenvolvimento.
Num segundo plano a protecção dos bens jurídico-penais internacionais é concretizada através de uma instância jurisdicional internacional só quando essa protecção não poder ser adequadamente efectuada por uma jurisdição nacional em conformidade com o disposto no artigo 12.º do Estatuto de Roma, que consagra o “princípio da complementaridade”.
Depois referiu-se aos específicos tipos de crime da jurisdição do TPI, em especial, o crime mais paradigmático, o crime contra a humanidade (em sentido restrito). Os crimes de genocídio e os crimes de guerra cabíveis num conceito amplo de crime contra a humanidade. Note-se que, relativamente, aos crimes de agressão o TPI não tem competência para os julgar, porque a conduta não está tipificada nas normas do estatuto do TPI. Houve tentativas de alargar a competência do TPI a outros crimes, como, por exemplo, o crime de terrorismo, mas não se concretizaram.
Relativamente aos princípios de direito internacional que vinculam o TPI, referiu os seguintes princípios fundamentais:
O princípio nullum crimen, nulla poena sine lege – proibição da aplicação retroactiva (art.ºs 22.º, 23.º e 24.º);
O princípio ne bis in idem (art.º 20.º);
Imprescritibilidade (art.º 29.º);
O princípio da igualdade perante o Tribunal. Inadmissibilidade das imunidades ou normas especiais em virtude da qualidade oficial como meio de obstar à responsabilização ou à aplicação da pena correspondente;
Irresponsabilidade de menores de 18 anos.
Por último referiu as causas de exclusão da responsabilidade penal, cuja enunciação exemplificativa consta do n.º 3 do art.º 31.º e as formas de realização dos tipos de crime, tais como, a autoria (autoria directa, co-autoria, instigação, autoria mediata), cumplicidade, encobrimento e tentativa (art.º 25).
27/11/2002