Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça Fevereiro de 2008
Prefácio
A idade de imputação da responsabilidade criminal na RAEM é de 16 anos, ou seja, os jovens que ainda não tenham perfeito a idade de 16 anos são inimputáveis pelos actos ilícitos praticados. Esta medida tem a sua fundamentação sócio-histórica. No entanto, com a evolução e desenvolvimento social da RAEM, vários sectores da sociedade prestam cada vez mais atenção ao problema da delinquência juvenil, pelo que há necessidade de rever o actual Regime da Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal.
O regime da idade de imputação da responsabilidade criminal é um elemento bastante importante no Regime Jurídico Tutelar Educativo dos Jovens Infractores, influenciando as outras políticas jurídicas. Para o efeito, a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ) convidou, em Abril de 2006, a City University de Hong Kong, a Universidade de Macau e a Associação de Pesquisa de Delinquência Juvenil de Macau para efectuarem um Estudo, com a duração de dois anos, que engloba a análise dos factos de infracções praticadas pelos menores, o desenvolvimento psicológico e mental dos jovens de Macau, os factores sociais que têm a ver com a idade de imputação da responsabilidade criminal; as normas relativas à idade de imputação da responsabilidade criminal em diferentes países e regiões, bem como, as opiniões de estudiosos, especialistas e residentes da RAEM sobre as propostas relativas à idade de imputação criminal.
Os estudos acima mencionados concluíram-se, de forma sequencial, em 2007 e os seus resultados foram divulgados, em Novembro do mesmo ano, na Sessão de Apresentação do Relatório-Síntese do Estudo sobre a Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal na RAEM. Após a síntese e a conclusão tirada nos vários estudos e inquéritos, a Equipa do Estudo sugeriu que seja adoptada a proposta de “manter basicamente inalterado o regime de idade de imputação da responsabilidade criminal em vigor, mas para certos crimes de extrema gravidade, o agente que tenha completado 14 anos de idade deve assumir responsabilidade criminal”.
A Equipa do Estudo sugeriu ainda que, caso a proposta acima referida seja aceite, se devem realizar novos estudos para definir quais são os crimes que devem ser considerados como “crimes de extrema gravidade”. Para o efeito, a DSAJ iniciou os respectivos estudos imediatamente após a apresentação do Relatório-Síntese, fixando, em primeiro lugar, determinados requisitos para os “crimes de extrema gravidade” e apresentando, depois, propostas concretas de acordo com estes requisitos. Estas propostas foram feitas essencialmente com base nas características da delinquência juvenil na RAEM, tomando como pressuposto os princípios de política penal habitualmente adoptados na RAEM, nomeadamente a “prevenção e repressão da criminalidade” e o “respeito pelos direitos fundamentais e pelos valores do humanismo e tolerância”, bem como tendo em conta os instrumentos de direito internacional e as experiências legislativas das regiões vizinhas.
Tendo como objectivo recolher as opiniões e sugestões úteis, elaborámos este Documento para Consulta que se divide em três capítulos: I. Introdução do Relatório-Síntese do Estudo sobre a Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal; II. Requisitos para definir os “crimes de extrema gravidade” e as respectivas propostas; e III. Medidas tutelares educativas complementares à alteração do regime da idade de imputação da responsabilidade criminal.
A eficácia e o sucesso da consulta pública exigem a vossa colaboração. Assim vimos por este meio solicitar às pessoas de diferente sectores da sociedade se dignem manifestar as suas opiniões em relação à proposta referida no Documento para Consulta, transmitindo-as à nossa Direcção de Serviços mediante uma das seguintes vias, até 1 de Abril de 2008:
Para aquisição do Documento para Consulta:
Posto de informação da DSAJ Rua do Campo n.º 162
Edifício da Administração Pública, 1.º a 3.º andar>Departamento de Reinserção Social da DSAJAvenida do Ouvidor Arriaga, n.° 70, Centro Comercial “Fortune Tower”, 1.° andar
Webpage da DSAJ
http://www.dsaj.gov.mo
Portal Jurídico de Macauhttp://www.macaolaw.gov.mo
Para apresentação de opiniões:
E-mail: castudy@dsaj.gov.mo Fax: 28523925Telefone: 28527755 ou 28527766 (Senhora Cheang ou Senhora Chan)
Endereço postal: Departamento de Reinserção Social, Avenida do Ouvidor Arriaga, n.° 70, Centro Comercial “Fortune Tower”, 1.° andar
Webpage da DSAJ (www.dsaj.gov.mo)
Espaço de opinião legislativa do Portal Jurídico de Macau (www.macaolaw.gov.mo)
Futuramente, a DSAJ irá eventualmente utilizar ou citar as opiniões apresentadas pelos diferentes sectores. Assim, se pretender manter sigilo, total ou parcial, sobre as suas opiniões, é favor indicá-lo claramente, e a DSAJ respeitará em absoluto a sua vontade de sigilo.
Capítulo I
Introdução do “Relatório-Síntese do Estudo sobre a Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal”
Em Abril de 2006, a DSAJ celebrou um acordo de cooperação com a City University de Hong Kong, a Universidade de Macau e a Associação de Pesquisa de Delinquência Juvenil de Macau para efectuarem um Estudo sobre a Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal, com a duração de dois anos. Os trabalhos englobados neste Estudo encontram-se concluídos, tendo assim sido elaborados os respectivos relatórios como seguem:
– Estudo sobre o Desenvolvimento Psicológico e Mental dos Jovens deMacau (Wong, Sing Wing Dennis, Cheang Hon Kong, Leong Seng On e Ma Kan);
– Situação e Características dos Jovens Infractores sujeitos a IntervençãoJudiciária (Chan Yan Yan);
– Relatório da Revisão do Desenvolvimento Comunitário de Macau (Chan Yan Yan);
– Relatório do Estudo relativo à Base de Fundamentação para a Fixação da Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal (Wong, Sing Wing Dennis);
– Opiniões dos Estudiosos e Especialistas sobre as Propostas relativas à Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal (Chan Yan Yan, Tang Iok Wa, Cheang Cheok Meng e Lui Kuok Man);
– Inquérito de Opinião aos Residentes sobre as Propostas relativas à Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal (Chan Yan Yan, Tang Iok Wa, Cheang Cheok Meng e Lui Kuok Man)
A City University de Hong Kong analisou, de forma global, os resultados dos estudos acima mencionados, elaborando o “Relatório-Síntese do Estudo sobre a Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal”. De seguida, vamos fazer uma breve introdução quanto ao conteúdo e às conclusões tiradas neste Relatório-Síntese.
1. Situação das Características dos Jovens Infractores
Após se apurarem os dados estatísticos relativos aos jovens infractores sujeitos à intervenção judicial entre os anos de 1997 e 2005, a Equipa do Estudo verificou que durante o período decorrido entre 2001 e 2006, os casos de jovens infractores sujeitos a intervenção judicial não registaram um aumento significativo. No ano de 2001 houve 280 processos de jovens infractores registados no tribunal e em 2006 este número diminuiu para 208. Situação semelhante também se verificou no número de processos registados no Departamento de Reinserção Social e no Instituto de Menores da DSAJ. As taxas de jovens infractores de 2001, 2002 e 2003 foram 0,82%, 0,56% e 0,69%, respectivamente, e até ao ano de 2006, a taxa manteve-se em 0,69%, representando isto que nos últimos anos não houve um aumento significativo nesta taxa.
No entanto, comparando com os dados estatístico contados a partir do ano de 1997, o número de jovens infractores sujeitos a intervenção judiciária aumentou, de facto. Em resumo, entre 1997 e 2005, registou-se um aumento significativo nos processos de jovens infractores, representando uma taxa de crescimento de cerca de 200%. Destes processos, podemos verificar as seguintes características: aumento do número de jovens infractores do sexo feminino; aumento do número de jovens infractores de idade relativamente baixa; baixas habilitações académicas; aumento do número de jovens infractores nascidos em Macau; e a maior parte dos jovens infractores pertence à camada social baixa. Os factos ilícitos praticados pelos jovens infractores com menos de 16 anos de idade podem, basicamente, dividir-se em sete grandes tipos: furto, destruição, violência, criminalidade organizada, crimes relacionados com drogas, crimes sexuais e condutas desviantes, de entre os quais, a violência é o mais dominante. Por conseguinte, durante o período de 1997 a 2005, no que respeita aos actos ilícitos de violência verifica-se basicamente uma tendência para o aumento, representando em média uma percentagem de cerca de 50,8% do total dos actos ilícitos praticados durante aqueles nove anos.
Assim, embora se tivesse registado um aumento significativo no número de jovens infractores de Macau, nos últimos anos este já se encontrava mais estável. No entanto, a partir do ano de 2001, este número começou novamente a registar um aumento visível. Felizmente, a percentagem de jovens infractores de Macau comparativamente com os de Hong Kong e Singapura encontra-se no meio. Se se calcular a taxa de criminalidade em cada dez mil pessoas, no ano de 2001, o número de jovens infractores levados à justiça entre os 7 e 15 anos de idade de Hong Kong e de Singapura foram, respectivamente, 777 e 319; enquanto que o número em Macau foi de 690 (jovens infractores com menos de 16 anos de idade). Estes dados representam que a taxa de criminalidade de jovens infractores de Macau não é baixa, e além disso, os actos ilícitos praticados pelos jovens infractores de Macau são, na sua maioria, a violência, pelo que, há de facto necessidade de prestar mais atenção a este problema.
2. Situação do Desenvolvimento Psicológico e Mental dos jovens de Macau
Através de inquéritos e entrevistas efectuados juntos dos estudantes, encarregados de educação e professores de Macau, a Equipa do Estudo conseguiu conhecer e analisar, de forma profunda, o desenvolvimento psicológico e mental dos jovens de Macau, bem como as características relativas à sua capacidade de fazer juízos. Dos resultados dos inquéritos feitos aos estudantes, concluímos que a capacidade cognitiva para a moral e a capacidade de fazer juízos dos estudantes locais têm as seguintes características:
Quando as crianças com menos de 10 anos de idade entram na fase de adolescência, verifica-se uma declinação visível quanto à sua conduta moral. No entanto, quando atingem por volta dos 14 anos de idade, verifica-se uma tendência para a maturidade, acabando a declinação na sua conduta moral e atingindo a um equilíbrio estável.
Por volta dos 14 anos de idade, a capacidade de fazer juízos morais dos jovens começava a elevar-se na medida em que a sua idade aumenta.
Após os 14 anos de idade, a capacidade de fazer juízos morais dos jovens encontra-se, normalmente, num nível relativamente elevado.
Após a análise destes factos, verifica-se que estas tendências de mudança na medida em que a idade aumenta, é essencialmente um desenvolvimento linear em relação aos níveis de idade, permanecendo num equilíbrio mais estável na altura dos 14 anos de idade. Neste estudo também se realizaram uma série de estudos comparativos entre grupos etários diferentes, verificando-se que houve uma diferença mais visível entre o grupo de “13 anos de idade ou inferior” e o de “14 anos de idade ou superior”.
Em resumo, quer a análise seja feita de acordo com o desenvolvimento em relação à idade, quer seja feita de acordo com a capacidade de socialização e de desenvolvimento psicológico e mental dos diferentes grupos etários, concluímos que os “14 anos de idade marcam uma linha de separação no desenvolvimento psicológico e mental dos jovens”. Por conseguinte, segundo os resultados, mesmo que se pretenda alterar a idade de imputação da responsabilidade criminal em Macau, não se deverá, em absoluto, reduzi-la para menos de 14 anos de idade. Por outras palavras, suponhamos que decidimos, enfim, alterar a idade de imputação da responsabilidade criminal, os 14 anos de idade deverá ser o limite mínimo da idade de imputação da responsabilidade criminal.
3. Estudo relativo à Base de Fundamentação para a Fixação da Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal
A fixação da idade de imputação da responsabilidade criminal em jurisdições diferentes varia de acordo com os diferentes ambientes sócio-culturais. Além disso, em relação aos jovens infractores que não atingiram a idade de imputação de responsabilidade criminal e aos que já atingiram esta idade, cada região adopta medidas diferentes. Por isso, realizou-se um Estudo relativo à Base de Fundamentação para a Fixação da Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal, tendo tomado como referência as seguintes jurisdições:
Inglaterra e País de Gales: Antes do ano de 1933, a Inglaterra fixou a idade de imputação de responsabilidade criminal para os 7 anos de idade, até à aprovação da “Lei de Crianças e Jovens de 1933”. Com a entrada em vigor desta lei, aumentou-se a idade de imputação da responsabilidade criminal para os 8 anos de idade. Posteriormente, por força da “Lei de Crianças e Jovens de 1963”, a idade de imputação da responsabilidade criminal aumentou para os 10 anos de idade.
Canadá: No ano de 1984, Canadá aumentou a idade de imputação da responsabilidade criminal dos 7 anos para os 12 anos. Antes deste aumento, as vozes que sustentavam o aumento da idade de imputação da responsabilidade criminal não foram muitas. No entanto, em 1984, altura em que se elaborou a nova legislação, também não houve muita controvérsia em relação ao dito aumento.
Singapura: A idade de imputação de responsabilidade criminal em Singapura é de 7 anos. O Código Penal de Singapura prevê que “não são considerados crimes quaisquer factos praticados por crianças com menos de 7 anos de idade” e “se a capacidade de compreensão de crianças com 7 anos mas menos de 12 anos de idade, ainda não atinge a maturidade para, no momento da prática do facto, avaliar a natureza dos seus actos e a gravidade das suas consequências, os actos por estas praticados não são considerados crimes”.
Hong Kong: Anteriormente, Hong Kong seguia as disposições do sistema de common law britânico, fixando a idade de imputação da responsabilidade criminal para os 7 anos. Relativamente às crianças com idade compreendida entre os 7 anos e os 14 anos, era aplicado o princípio de presunção ilidível de doli incapax do sistema de common law britânico. Em 2003, o Governo aprovou a nova revisão do Regulamento de Delinquência Juvenil, aumentando a idade de imputação da responsabilidade criminal para os 10 anos de idade. No entanto, o princípio de presunção ilidível de doli incapax continua a ser aplicado em Hong Kong.
Taiwan: O Código Penal de Taiwan estipula que as crianças que não tiverem perfeito 14 anos de idade não são puníveis criminalmente pelos seus actos. O agente que tiver completado 14 anos de idade mas ainda não tiver perfeito 18 anos responde criminalmente pelos seus actos, mas poderá haver lugar a uma atenuação. A proposta de Lei de Infracção Administrativa aprovada pela Comissão de Regulamentos Jurídicos do Ministério de Justiça, em 2003, referiu e fixou o conceito da idade de imputação da responsabilidade criminal, indicando que os jovens que não tiverem completado 14 anos de idade ainda não são, física e psicologicamente, maduros, sendo assim incapazes de distinguir o bom do mau, pois, são inimputáveis.
Interior da China: Nos termos do Código Penal vigente, os agentes que completarem 16 anos de idade devem assumir responsabilidade criminal; e o agente que tiver completado 14 anos mas ainda não tiver perfeito 16 anos de idade deve assumir responsabilidade criminal quanto aos crimes de homicídio doloso, ofensa corporal voluntária de que resultem lesões graves ou morte, violação, roubo, tráfico de droga, fogo posto, explosão, libertação de substâncias tóxicas, entre outros. Ou seja, a idade de imputação da responsabilidade criminal no Interior da China é, em geral, de 16 anos de idade, mas para o agente que cometer crimes graves, como o homicídio doloso e outros, a idade de imputação da responsabilidade criminal é de 14 anos.
Após analisado o regime da idade de imputação da responsabilidade criminal das diferentes jurisdições acima referidas, podemos concluir que a preocupação e o amparo e as medidas tutelares educativas prestados aos jovens infractores pelas Autoridades são mais importantes, e a fixação da idade de imputação da responsabilidade criminal não tem uma relação directa com o número de crimes praticados por jovens. Além disso, mesmo que nas jurisdições onde a idade de imputação de responsabilidade criminal seja fixada numa idade relativamente mais baixa, não significa que os jovens infractores que atingiram a idade de imputação da responsabilidade criminal sejam tratados como reclusos adultos. Por exemplo, em Hong Kong, embora a idade de imputação da responsabilidade criminal seja de 10 anos, os jovens infractores que não tenham completado 14 anos são colocados no instituto de menores ou outros institutos para os jovens consoante o sexo. Só os jovens infractores que tenham perfeito 14 anos de idade é que são colocados no estabelecimento prisional destinado para jovens.
4. Estudos sobre os factores de crise que influenciam o crescimento saudável dos jovens
A Equipa do Estudo aproveitou os dados apurados no Relatório da Revisão do Desenvolvimento Comunitário de Macau e as informações recolhidas pela equipa de investigação para analisar os factores existentes na sociedade de Macau que podem influenciar nocivamente o crescimento saudável dos jovens. Deste modo, entende-se que se deve prestar atenção aos seguintes pontos
O desenvolvimento rápido da sociedade: Graças ao aumento do número de imigrantes do Interior da China na década de 80 do último século, a economia e o sector industrial de Macau apresentaram um crescimento rápido. No início da década de 90, o sector de serviços substituiu a indústria manufactureira, tornando-se a locomotiva do desenvolvimento económico de Macau. Ao entrar para o século XXI, o desenvolvimento rápido e próspero do sector do jogo de fortuna ou azar provocou um grande impacto no desenvolvimento da sociedade de Macau.
O aumento da taxa de divórcio: O número de processos de divórcio em 1991 foi de 164, representando uma percentagem de 0,45%. Em 2005, o número aumentou para 573 processos, o que equivale uma taxa de divórcio de 1,17%. O aumento dos casos de divórcio acarreta um grande impacto para a família e a vida dos filhos.
A situação de desistência escolar do ensino secundário torna-se cada vez mais grave: Nos últimos 5 anos lectivos, embora o número de desistências escolares do ensino primário tenha diminuído de 962 para 455, os alunos do ensino secundário que desistiram dos estudos aumentou de 1.392 para 2.301. Assim, temos de dedicar grande atenção quanto às razões e influências que estão por detrás deste grande número de casos de desistência escolar do ensino secundário.
A taxa da criminalidade geral está a aumentar: Durante o período de 1992 a 1996, a taxa da criminalidade estava sempre a aumentar, em especial no ano de 1995 em que se registou o maior aumento. A partir de 1997, a classificação de crimes foi renovada. A taxa da criminalidade do período de 1997 a 2004 manteve um aumento notável, em especial, nos anos de 2002 e 2004 em que foram registados 9.088 e 9.786 casos, respectivamente.
O número de jovens infractores está a aumentar: Durante o período de 1997 a 2005, os processos de jovens infractores registados apresentaram uma tendência para aumentar, sendo o número de processos de 121 em 1997 e de 262 em 2005, representando um aumento de mais de 200%. Os factores acima referidos trazem, de facto, certos impactos para o crescimento saudável dos jovens. Por isso, o Governo além de dever adoptar medidas adequadas no âmbito da educação e assistência social, necessita também de introduzir novas medidas no Regime Jurídico Tutelar Educativo dos Jovens Infractores para produzir efeitos preventivos.
5. Opiniões dos estudiosos e especialistas sobre as propostas relativas à idade de imputação da responsabilidade criminal
A Equipa do Estudo entrevistou estudiosos e especialistas das áreas judiciária, jurídica, psicológica e de acção social, no sentido de auscultar as suas opiniões quanto à revisão da idade de imputação da responsabilidade criminal. Dos 25 estudiosos e especialistas entrevistados, 8 entenderam que se deve manter inalterada a actual idade de imputação da responsabilidade criminal, porque, através da prática, provou-se que o regime em vigor é racional e útil, entendendo que antes do início da revisão da idade de imputação da responsabilidade criminal, se deve avaliar, em primeiro lugar, a eficiência da aplicação do regime em vigor. É, no entanto, de alertar que os estudiosos e especialistas que manifestaram este ponto de vista são principalmente provenientes das áreas judiciária e jurídica. Houve 16 entrevistados que afirmaram que a idade de imputação da responsabilidade criminal pode ser diminuída, pois com a modernização da tecnologia informática, o estado físico e psicológico dos jovens torna-se maduro mais cedo do que anteriormente. Contudo, 9 destes entenderam que o Governo deve reduzir a idade de imputação da responsabilidade criminal para 14 anos apenas para os agentes de “crimes de extrema gravidade”. Porém, os entrevistados que apoiaram a diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal preocupam-se, em geral, com o facto das medidas tutelares educativas complementares serem insuficientes, salientando que só quando houver medidas tutelares educativas complementares suficientes é que se pode ponderar a diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal.
6. Opiniões dos residentes sobre as propostas relativas à idade de imputação da responsabilidade criminal
A Equipa do Estudo entrevistou, através de inquéritos telefónicos e entrevistas pessoais, 3.632 residentes da RAEM quanto às propostas relativas à idade de imputação da responsabilidade criminal. Dos resultados obtidos, verifica-se que 46% dos entrevistados escolheram a proposta de “manter inalterada” a actual idade de imputação da responsabilidade criminal; 52 % escolheram a proposta de “diminuição da idade”, entre os quais, 21% apoiaram a proposta de diminuição absoluta, ou seja reduzir a idade de imputação de responsabilidade criminal para 14 anos de idade, e 31% apoiaram que só quando os jovens infractores tenham completado 14 anos mas não tenham perfeito 16 anos de idade cometerem crimes de extrema gravidade é que devem assumir responsabilidade criminal. Segundo os resultados deste estudo, mesmo que se adopte a proposta de “diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal”, esta deve ser concretizada de forma mais moderada, pois só assim é que se pode obter a aceitação e o reconhecimento por parte da comunidade.
7. Conclusão e sugestão
No presente Relatório-Síntese, com base na análise e resumo feito às informações, aos dados e aos resultados dos estudos acima referidos, foram retiradas as seguintes conclusões:
1. Embora o problema da delinquência juvenil em Macau não seja grave, há uma tendência para o aumento do número de jovens infractores de idade relativamente baixa, para o emprego da violência e para o crescimento da taxa da criminalidade;
2. É necessário adoptar um novo regime e novas medidas para encarar o problema da delinquência juvenil, no sentido de enfrentar os impactos provocados pelas mudanças da sociedade, no crescimento saudável dos jovens;
3. O desenvolvimento psicológico e mental dos jovens de 14 anos de idade de Macau já apresenta uma certa maturidade, possuindo estes capacidade cognitiva e capacidade de fazer juízos morais consideravelmente elevadas.
4. Embora na fixação da idade de imputação da responsabilidade criminal em diferentes países e regiões se note uma grande diferença, tem de haver medidas tutelares educativas especiais mesmo para os jovens infractores que atinjam a idade de imputação da responsabilidade criminal.
5. Alguns estudiosos e especialistas entrevistados entenderam que o regime da idade de imputação da responsabilidade criminal em vigor é racional e eficaz, devendo-se mantê-lo inalterado.
6. A maioria dos estudiosos e especialistas entrevistados entenderam que se deve diminuir a idade de imputação da responsabilidade criminal para os 14 anos, mas apenas para os crimes de extrema gravidade, devendo-se ainda adoptar medidas tutelares educativas complementares correspondentes.
7. Cerca de metade dos residentes entrevistados entenderam que se deve manter inalterado o regime da idade de imputação da responsabilidade criminal em vigor, não se precisando de proceder a ajustamentos.
8. Mais de metade dos residentes entrevistados entenderam que se deve diminuir a idade de imputação da responsabilidade criminal. No entanto, a maioria destes apoiaram que só quando os jovens infractores que tenham completado 14 anos cometerem crimes de extrema gravidade é que devem assumir responsabilidade criminal.
Baseando-se na análise das conclusões acima retiradas, a Equipa do Estudo entende que a revisão do regime da idade de imputação da responsabilidade criminal de Macau é oportuna, e um dos sentidos da revisão é a diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal. Esta ilação não só resultou do facto de que o desenvolvimento psicológico e mental dos jovens se torna maduro cada vez mais cedo e de que tem havido um aumento no número de jovens infractores de idade relativamente baixa, mas também para responder às exigências da maioria da população.
No entanto, devemos ter uma clara consciência de que a consequência directa da diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal é integrar uma grande quantidade de menores no regime jurídico-penal, trazendo assim impactos profundos, tanto para o desenvolvimento físico e psicológico dos jovens infractores, como para a sua família. Acresce ainda que, a maioria dos entrevistados não apoia esta proposta.
Além disso, para que a diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal possa produzir efeitos, carece de uma série de medidas tutelares educativas, jurídicas e de acompanhamento social complementares. A simples aplicação do regime penal e regime correccional de adultos aos jovens infractores não pode, de facto, produzir os efeitos de reinserção social. Dado que recentemente Macau implementou o novo Regime Jurídico Tutelar Educativo dos Jovens Infractores, oferece-se uma série de medidas tutelares educativas destinadas aos jovens infractores, aguardando assim a observação e avaliação quanto aos seus efeitos. Deste modo, a Equipa do Estudo entende que, neste momento, não é conveniente diminuir, em absoluto, a idade de imputação da responsabilidade criminal para 14 anos.
Tendo em conta a tendência para o emprego da violência na delinquência juvenil, observada nos últimos anos em Macau, sobretudo o resultado dos crimes que empregam violência de extrema gravidade causam graves prejuízos e ameaças para os ofendidos, para a família dos ofendidos, para as escolas e para a comunidade, a Equipa do Estudo, após o resumo os factores acima referidos, sugere a seguinte proposta de revisão à idade de imputação da responsabilidade criminal:
“Manter basicamente inalterado o regime da idade de imputação da responsabilidade criminal em vigor, mas para certos crimes de extrema gravidade, o agente que tenha completado 14 anos de idade deve assumir responsabilidade criminal”.
A Equipa do Estudo apresentou esta proposta por entender, por um lado, que a política para os jovens infractores deve ser acentuada na educação, não sendo conveniente alargar-se o âmbito de combate em matéria penal, e por outra lado, esta proposta respeita os direitos fundamentais e os valores do humanismo e tolerância, correspondendo às vozes da maioria da população. Se esta proposta for aprovada, deverá definir claramente quais são “os crimes de extrema gravidade”.
Capítulo II
Requisitos para definir os “crimes de extrema gravidade” e as respectivas propostas
A conclusão tirada do “Relatório-Síntese do Estudo da Idade de Imputação da Responsabilidade Criminal” é: manter basicamente inalterado o regime da idade de imputação da responsabilidade criminal em vigor, mas para os “crimes de extrema gravidade”, ainda há necessidade de diminuir a idade de imputação da responsabilidade criminal para 14 anos. Além disso, neste relatório sugere-se ainda a necessidade de definir claramente quais os crimes considerados “crimes de extrema gravidade”, e na fase desta definição, deve-se ponderar quais são os crimes que provocam medo e inquietação para a sociedade em geral, no sentido de se reforçar o seu combate, punindo criminalmente o agente. Por outras palavras, deve-se ponderar quais os crimes de extrema gravidade que são intoleráveis pela sociedade em geral.
A revisão do regime da idade de imputação da responsabilidade criminal é uma política penal que pode causar fortes influências futuras, sendo assim um tema bastante controverso. Por isso, qualquer alteração feita a este regime, deve ser baseada numa proposta que a sociedade em geral aceite e reconheça. De facto, as opiniões favoráveis e desfavoráveis quanto à diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal são muito próximas, no entanto, as opiniões favoráveis ganham por uma fraca maioria. Assim, após a análise e resumo das opiniões de todos os sectores, entende-se que a proposta de diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal, em absoluto, para 14 anos não é adequada às necessidades da realidade da RAEM, por isso sugere-se como proposta final a adopção da “diminuição relativa”, ou seja, apenas os agentes que tenham completado 14 anos mas ainda não tenham perfeito 16 anos de idade devem assumir responsabilidade criminal quanto “aos crimes de extrema gravidade”. Pelo exposto, somos de parecer que se deve reduzir, tanto quanto possível, o âmbito dos jovens imputáveis que pertencem a esta camada etária, adoptando uma forma moderada para proceder a tal revisão, pelo que, se devem utilizar critérios bastante rigorosos para definir quais são os crimes de extrema gravidade.
Desde modo, tomando como pressuposto o cumprimento dos princípios de política penal habitualmente adoptados na RAEM, nomeadamente a “prevenção e repressão da criminalidade” e o “respeito pelos direitos fundamentais e pelos valores do humanismo e tolerância”, e tendo em conta as características dos crimes de delinquência juvenil de Macau, nomeadamente, o aumento do número de jovens infractores de idade relativamente baixa, a tendência para o emprego da violência e a agravação das consequências, bem como tomando como referência os instrumentos de direito internacional e as experiências legislativas das regiões vizinhas, entendemos que, ao definir quais são os “crimes de extreme gravidade”, devemos verificar se estes reúnem, ou não, os seguintes requisitos:
1. Os crimes que são praticados com emprego da violência
A nível internacional, relativamente ao âmbito de aplicação da pena de morte, a Comissão de Assuntos de Direitos Humanos das Nações Unidas efectuou uma explicação sobre a expressão “crimes mais graves”1 inserida no “Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos”, indicando que: “os crimes mais graves devem excluir todos os crimes que não empregam a violência”. Por isso, pode-se ver que a violência é um dos requisitos necessários para qualificar os “crimes mais graves”.
Entendemos que o instrumento de direito internacional acima referido tem valor de referência em relação à explicação de “crimes mais graves”, uma vez que esta explicação observou o princípio de que “ninguém pode ser arbitrariamente privado da vida”2 e, para além disso, foi efectuada no sentido de definir os crimes a que possam ser aplicados pena da morte. Desta forma, o critério aí utilizado é muito rigoroso. Assim, este critério coincide com o critério rigoroso que deve ser utilizado para qualificar quais os crimes que os jovens infractores devam assumir responsabilidade criminal. Pelo exposto, salientamos também que se deve considerar a “violência” como um dos requisitos necessários.
De facto, os actos ilícitos praticados por jovens de Macau tendem para o emprego da violência, por isso no sentido de reprimir estes actos ilícitos deve-se estabelecer a imposição da responsabilidade criminal aos seus agentes. Assim, consideramos que “o emprego da violência” é um dos requisitos para definir “crimes de extrema gravidade”.
2. Os crimes que provocam medo e inquietação para a sociedade em geral
Para os jovens infractores que ainda não atingiram a idade de imputação da responsabilidade criminal, estes podem ser reconvertidos através do regime tutelar educativo, nomeadamente, mediante uma “educação sob aconselhamento”. No entanto, quanto aos crimes que causam grande impacto na sociedade, nomeadamente, aqueles que provocam medo e inquietação para a sociedade em geral, entendemos que há necessidade de aplicação do regime penal. A razão é que, certos tipos de crimes (como homicídio, violação, entre outros) trazem forte impacto à sociedade, ofendendo gravemente a segurança da vida da população e provocando grande medo e inquietação na sociedade. Estes tipos de crime, além de destruírem a ordem social, causam intranquilidade à comunidade, logo carecem da intervenção penal para se realizar a justiça. De entre todos os tipos de crime, os crimes que empregam violência são aqueles que produzem maior medo e inquietação para a sociedade em geral.
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1 O n.º 2 do artigo 6.º do “Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos” prevê que: “Nos países em que a pena de morte não foi abolida, uma sentença de morte só pode ser pronunciada para os crimes mais graves…”
2 O n.º 1 do artigo 6.º do “Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos” prevê que: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deve ser protegido pela lei: ninguém pode ser arbitrariamente privado da vida.”
3. Os crimes que provocam consequências irrecuperáveis e irremovíveis para o ofendido
“As consequências do crime” são os prejuízos causados à sociedade que resultam da prática de actos ilícitos pelo agente, sendo assim um dos factores importantes para avaliar o grau de ofensa causada à sociedade pelo crime praticado. Deste modo, quando mais graves forem as consequências do crime, mais serão os prejuízos causados à sociedade.
Para além da Comissão de Assuntos de Direitos Humanos das Nações Unidas ter efectuado uma explicação sobre a expressão “crimes mais graves” no sentido de definir o âmbito de aplicação da pena de morte, o Conselho de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas também efectuou uma explicação sobre a expressão “crimes mais graves” inserida nas “Medidas de Garantia dos Direitos dos Indivíduos Sujeitos à Pena de Morte”3, indicando que “o âmbito de crimes mais graves não deve ultrapassar os crimes dolosos que provocam consequências fatais ou outras consequências de extrema gravidade”. Por isso, pode-se ver que as consequências fatais ou outras consequências de extrema gravidade são também um dos requisitos essenciais de ponderação para a definição de “crimes de extrema gravidade”.
Para qualquer indivíduo, o direito à vida e o direito à integridade pessoal são os direitos mais importante na sua vida. Se estes direitos forem ofendidos, mesmo que as vítimas sejam atribuídos outros direitos, estes apenas servem para efeitos de indemnização, não podendo, de facto, fazer com que os seus prejuízos sejam efectivamente recuperados. Por isso, a prática dos crimes de homicídio, de ofensas corporais ou de violação provoca ofensas extremamente graves à vida do ofendido ou ao seu estado físico e psicológico, causando-lhe prejuízos irreparáveis e irremovíveis. Entendemos assim que se não se exigir ao agente que assuma responsabilidade criminal, a imagem da justiça irá ser gravemente prejudicada .
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3 O artigo 1.º das “Medidas de Garantia dos Direitos dos Indivíduos Sujeitos à Pena de Morte” prevê que: “Nos países em que a pena de morte não foi abolida, uma sentença de morte só pode ser pronunciada para os crimes mais graves. No entanto, o âmbito da aplicação da pena de morte deve ser entendida apenas para os crimes dolosos que provocam consequências fatais ou outras consequências de extrema gravidade ”
4. Os crimes que contrariam gravemente o valor ético-cultural da sociedade, e o risco social e as consequências graves por estes causados são reconhecidos, para além do público em geral, pelos jovens da mesma camada etária
Embora o conceito do valor ético-cultural possa ser variável consoante a evolução da sociedade, o risco social e as consequências graves provocados pelos crimes de homicídio e de violação são notórios e imutáveis. Do mesmo modo, a nível internacional, é consensual a censura destes tipos de crime, uma vez que estes além de destruírem a tranquilidade da sociedade, têm consequências que causam graves prejuízos para vida e a integridade física. Por isso, é de reconhecimento geral que estes tipos de crime são “imperdoáveis”.
Relativamente aos jovens entre 14 e 16 anos de idade, a sua família, a escola ou o bairro social a que estes pertencem irão ensinar-lhes critérios para fazerem juízos morais e para distinguirem o bem do mal, incutindo-lhes os conceitos gerais relativos ao valor ético-cultural e os conhecimentos gerais sobre a sociedade. Em paralelo, os jovens desta camada etária podem também, através destas vias, adquirir a capacidade para distinguir o bem do mal e para o auto-controlo. Por outras palavras, estes jovens, além de terem conhecimento sobre a natureza e as consequências dos actos de homicídio e de violação, uma vez que estes são reconhecidos, em geral, como crimes “imperdoáveis”, têm também a capacidade de tomar correctamente a decisão sobre a prática, ou não, destes actos.
5. Os crimes são praticados pelos jovens com dolo e estes jovens devem ser severamente censurados
Os jovens que tenham completado 14 anos mas ainda não tenham perfeito 16 anos de idade já possuem uma certa capacidade de compreensão e para fazerem juízos. No entanto, devido aos seus conhecimentos, experiências e desenvolvimento físico e psicológico serem limitados, as capacidades acima referidas são também limitadas. Por causa da limitação destas capacidades, não será estranho que os jovens possam, por negligência, cometer certos crimes que estão fora da sua vontade ou cujas consequências não lhes são previsíveis, sujeitando-se mesmo assim ao regime penal. Por isso, parece-nos que será injusto para estes jovens serem responsabilizados criminalmente pela prática de actos que provocam risco social mas que ultrapassam a sua capacidade de compreensão e de distinção do bem e do mal. Por esta razão, entendemos que não se deve apenas considerar o risco social que o acto provoca para exigir que estes jovens assumam responsabilidade criminal, mas sim, deve-se ponderar, em conjunto, o risco social e a intenção, ou seja, só quando os jovens tenham a intenção e iniciativa de praticar com “dolo” os actos ilícitos, é que se deve exigir que assumam responsabilidade criminal.
Embora os jovens entre 14 e 16 anos de idade se encontrem numa fase de formação de conceitos, atitudes e comportamentos correctos, não podemos omitir a força destrutiva dos “crimes de extrema gravidade” que provocam medo e inquietação para a sociedade em geral. Por isso, somos de opinião que o factor de ponderação para a assunção da responsabilidade criminal se deve basear na natureza do crime e no grau de perversidade do agente. Ou seja, se não se punirem criminalmente os agentes que a sociedade reconhece como extremamente perversos, será difícil de se realizar a justiça.
Tendo em conta todos os requisitos acima referidos, entendemos que “os crimes de extrema gravidade” devem englobar as seguintes três categorias de crimes (dolosos):
Categoria I: Crimes que provocam morte
1. Homicídio4
2. A morte da vítima foi provocada por ofensas corporais graves5
3. A morte da vítima foi provocada por sequestro6
4. A morte da vítima foi provocada por rapto7
5. A morte da vítima foi provocada por roubo8
6. A morte da vítima foi provocada por crime de dano com violência9
7. A morte da vítima foi provocada por extorsão10
Categoria II: Crimes que provocam ofensa grave à integridade física
1. Ofensa grave à integridade física11
2. A ofensa grave à integridade física foi provocada por sequestro12
3. A ofensa grave à integridade física foi provocada por rapto13
4. A ofensa grave à integridade física foi provocada por roubo14
Categoria III: Crimes sexuais graves que empregam violência
Violação15
Com base na proposta acima mencionada, apurámos os dados estatísticos, durante um período de dez anos decorrido entre 1998 e 2007, relativos ao número de jovens infractores que tivessem completado 14 anos mas ainda não tivessem perfeito 16 anos de idade e que, por decisão do tribunal, foram sujeitos a medidas de educação tutelar por terem cometido crimes referidos na tabela anterior, a saber:
Crimes propostos para serem incluídos como “crimes de extrema gravidade” | N.º de infractores |
Categoria I: Crimes que provocam morte |
|
(1) Homicídio |
3 |
(2) A morte vítima foi provocada por ofensas corporais graves
|
0 |
(3) A morte da vítima foi provocada por sequestro |
0 |
(4) A morte da vítima foi provocada por rapto |
0 |
(5) A morte da vítima foi provocada por roubo |
0 |
(6) A morte da vítima foi provocada por crime de dano com violência |
0 |
(7) A morte da vítima foi provocada por extorsão |
0 |
Categoria II: Crimes que provocam ofensa grave à integridade física |
|
(1) Ofensa grave à integridade física |
|
(2) A ofensa grave à integridade física foi provocada por sequestro |
18 |
(3) A ofensa grave à integridade física foi provocada por rapto |
0 |
(4) A ofensa grave à integridade física foi provocada por roubo |
0 |
Categoria III: Crimes sexuais graves que empregam violência |
|
Violação |
2 |
Total |
23 |
Com base nestes dados, podemos verificar que, nos últimos dez anos, o número de jovens infractores que tivessem completado 14 anos mas ainda não tivessem perfeito 16 anos de idade e que, por decisão do tribunal, foram sujeitos a medidas de educação tutelar por terem cometido crimes das três categorias acima referidas são 23, pelo que a média foi inferior a três jovens por ano. Deste modo, podemos prever que, caso a proposta sugerida seja aprovada, esta não deverá implicar um grande aumento quanto ao número de jovens que necessitam de assumir responsabilidade criminal.
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4 Código Penal, artigo 128.º (Homicídio) e artigo 129.º (Homicídio qualificado)
5 Código Penal, alínea b) do n.º 1 do artigo 139.º (Agravação pelo resultado)
6 Código Penal, nº 3 do artigo 152.º (Sequestro)
7 Código Penal, nº 3 do artigo 154.º (Rapto)
8 Código Penal, nº 3 do artigo 204.º (Roubo)
9 Código Penal, alínea c) do n.º 1 do artigo 208.º (Dano com violência)
10 Código Penal, alínea b) do n.º 2 do artigo 215.º (Extorsão)
11 Código Penal, artigo 138.º (Ofensa grave à integridade pessoal) e artigo 140.º (Ofensa qualificada à integridade pessoal)
12 Código Penal, alínea b) e e) do n.º 2 do artigo 152.º (Sequestro)
13 Código Penal, n.º 2 do artigo 154.º (Rapto), sob as condições previstas na alínea b) e e) do n.º 2 do artigo 152.º
14 Código Penal, alínea a) do n.º 2 do artigo 204.º (Roubo)
15 Código Penal, artigo 157.º (Violação)
Capítulo III
Medidas tutelares educativas complementares à alteração do regime da idade de imputação da responsabilidade criminal
No capítulo I, quando apresentámos o estudo relativo à base de fundamentação para a fixação da idade de imputação da responsabilidade criminal, indicou-se que, embora em diferentes países e regiões haja diferenças na fixação da idade de imputação da responsabilidade criminal, o ponto mais importante é a ponderação das medidas tutelares educativas complementares à sanção penal. Além disso, os estudiosos e especialistas entrevistados que apoiaram a proposta de diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal, prestaram, em geral, grande atenção à suficiência, ou não, de medidas tutelares educativas complementares, considerando que só quando houver medidas tutelares educativas complementares suficientes é que se pode ponderar a diminuição da idade de imputação da responsabilidade criminal.
Assim, se se seguir a proposta apresentada neste Documento para Consulta, reduzindo a idade de imputação da responsabilidade criminal dos agentes que praticaram “crimes que provocam morte”, “crimes que provocam ofensa grave à integridade física” e “crimes sexuais graves que empregam violência” para 14 anos, isto implicará que uma parte de menores de 16 anos de idade seja condenado a pena de prisão pelo tribunal por terem praticado crimes destes três categorias. Como tal, vários sectores da sociedade denotaram, em geral, preocupação para o facto de que se estes menores forem condenados, sujeitando-se ao cumprimento de sanções penais em conjunto com os reclusos adultos, poderão, eventualmente, ser influenciados negativamente pelos mesmos, entrando assim num caminho criminal sem regresso.
Relativamente a este tema, o Conselho de Reinserção Social16 fez um estudo profundo, sugerindo um tratamento especial para os jovens infractores com menos de 16 anos que forem punidos com pena de prisão. Preliminarmente, sugere-se a criação, dentro do Estabelecimento Prisional de Macau, de uma zona exclusiva destinada ao internamento de jovens com menos de 18 anos de idade, separando-os completamente dos reclusos maiores. Os jovens internados nesta zona receberão educação obrigatória e aconselhamento intensivo, no sentido de facilitar a sua reconversão e reinserção social.
O Conselho de Reinserção Social salientou ainda que, a longo prazo, Macau deve criar um estabelecimento prisional para jovens logo que tenha condições disponíveis, tomando como referência as experiências de sucesso dos países e regiões vizinhos. Este tipo de instituição servirá como um estabelecimento intercalar entre o Estabelecimento Prisional de Macau e o Instituto Menores, possuindo funções correccionais e educativas, no sentido de poder proporcionar aos jovens infractores da RAEM serviços de educação tutelar mais eficazes.
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16 O Conselho de Reinserção Social é constituído pelo Director dos Serviços de Assuntos de Justiça, pelo Director do Estabelecimento Prisional de Macau, pelo Director do Instituto de Menores, pelo Chefe do Departamento de Reinserção Social e pelo Chefe da Divisão de Apoio Técnico da DSAJ, tendo como competências proceder a estudos e emitir parecer sobre os assuntos relativos à reinserção social e acompanhamento educativo.
Conclusão
O regime da idade de imputação da responsabilidade criminal é um elemento importante no regime jurídico de jovens infractores. A revisão deste regime reveste de grande importância, pois poderá provocar fortes influências no futuro. Assim, convidamos o público a apresentar as suas valiosas opiniões em relação à proposta apresentada neste “Documento para Consulta”. Para o efeito, para além de se poderem apresentar opiniões sobre as questões abaixo mencionadas, são também bem-vindas outras opiniões e sugestões.
Concorda que os agentes que tenham completado 14 anos de idade sejam imputáveis por terem cometido crime que se enquadre nas três categorias de crime abaixo mencionadas?
(1) Crimes que provocam morte;
(2) Crimes que provocam ofensa grave à integridade física;
(3) Violação.
Acha que haverá outro tipo de crime que deva ser incluído em “crimes de extrema gravidade”?
Se os jovens infractores forem condenados com pena de prisão, deverão estes ser colocados separadamente dos reclusos maiores de 18 anos de idade e ser sujeitos a educação obrigatória?
Quais são os outros tipos de medida tutelar educativa que devam ser introduzidos a fim de apoiar a reconversão dos jovens infractores condenados?